
O legado e as contradições de Vargas na história do Brasil
Figura polêmica da política brasileira no século XX, Getúlio Vargas deixou um legado importante para o Estado e a sociedade trabalhista do país.
De sua ascensão ao poder nos anos 1930 até, literalmente, os momentos finais de sua vida pessoal e pública, Vargas protagonizou transformações que impactaram a estrutura econômica e social do Brasil.
Vamos entender os principais momentos de sua trajetória política explorando sua carreira, as reformas que consolidaram direitos trabalhistas e sociais, e o processo de industrialização que foi impulsionado durante seu governo.
Quem foi Getúlio Vargas?
Getúlio Dornelles Vargas foi um dos mais influentes e controversos presidentes da história do Brasil.
Nascido no Rio Grande do Sul, no município de São Borja, no dia 19 de abril de 1882, Vargas foi um advogado, político e estadista. Foi chefe do Governo Provisório do Brasil em 1930 e, depois de um golpe de Estado, foi ditador entre 1937 e 1945. Alguns anos depois, Getúlio conseguiu ser eleito democraticamente como presidente do Brasil, cargo que ocupou entre 1951 e 1954, quando cometeu suicídio.
Getúlio era filho de Manuel do Nascimento Vargas e Cândida Francisca Dornelles Vargas, e provinha de uma família tradicional de estancieiros da região da fronteira com a Argentina. Seus antepassados eram imigrantes portugueses vindos dos Açores, um grupo de ilhas que pertence a Portugal.
Eles chegaram ao sul do Brasil no século XVIII para começar uma nova vida como colonos. Pelo lado da família Dornelles, Vargas também tinha origem em algumas das primeiras famílias que ajudaram a formar a cidade de São Paulo, o que mostra que suas raízes familiares estão ligadas à história do Brasil desde os tempos mais antigos.
Em 2024, completaram-se 70 anos da morte de Getúlio Vargas, que ocorreu no dia 24 de agosto de 1954. O evento teve forte impacto nacional, sendo até hoje lembrado por sua carta e pelas intensas disputas que marcaram a história brasileira nos anos seguintes
Em 24 de agosto de 2024 foi o aniversário de 70 anos da morte do “pai dos pobres”, Getúlio Vargas. Imagem: reprodução
A carreira política de Getúlio Vargas
Formado em direito pela Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre, atual UFRGS, Vargas iniciou sua carreira política no Rio Grande do Sul como deputado estadual e, posteriormente, se tornou deputado federal e ministro da Fazenda.
Seu destaque nacional começou em 1930, quando liderou a Revolução que tirou o presidente Washington Luís do poder e impediu que Júlio Prestes, que havia sido eleito, tomasse posse. Com isso, Getúlio Vargas assumiu o governo do Brasil como chefe provisório e passou a comandar o país de forma centralizada, ou seja, com mais controle nas mãos do governo.
Em 1937, Vargas consolidou sua autoridade ao instaurar o Estado Novo, um regime ditatorial que durou até 1945. Mas como isso aconteceu? O pretexto para a implantação da ditadura foi o Plano Cohen, um suposto plano comunista de tomada do poder que ao longo dos anos foi descoberto ser falso.
Porém, usando o argumento de “defender a ordem” — um discurso que, até hoje, é frequentemente repetido por setores da extrema direita — Vargas cancelou as eleições que estavam previstas, fechou o Congresso e impôs uma nova Constituição autoritária, que concentrava o poder nas mãos do Executivo e enfraquecia quaisquer mecanismos democráticos do país. Foi dado o Golpe de 37, que duraria 8 anos, até Vargas ser deposto em 1945.
Entretanto, a história de Getúlio Vargas na política não acabou aí. Apesar de ter sido deposto, Vargas fez campanha e conseguiu subir à presidência em 1951, sendo eleito pela mesma ferramenta democrática que tinha censurado no governo anterior: o voto direto.
Seu segundo governo, no entanto, enfrentou forte oposição política, pressões econômicas e conflitos com setores das Forças Armadas e da elite empresarial. Diante de uma crise intensa, Vargas tirou a própria vida em 24 de agosto de 1954, deixando uma carta em que acusava os “interesses internacionais e as elites nacionais” de tentarem retirá-lo do poder.
Apesar das controvérsias e do autoritarismo, Getúlio Vargas é lembrado até hoje como “o pai dos pobres”, sendo um dos principais responsáveis pela consolidação dos direitos trabalhistas no Brasil —marca registrada de seu legado político.
No dia 31 de outubro de 1930, Getúlio Vargas assumiu oficialmente o poder no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro. Ao seu lado, estava sua esposa, Darci Vargas, posicionada à sua direita. Imagem: Arquivo Nacional
Heranças trabalhistas de Vargas para o Brasil
Durante a Era Vargas, especialmente entre as décadas de 1930 e 1940, o Brasil passou por transformações profundas em sua estrutura social, econômica e política. Um dos pilares desse processo foi a criação de uma série de leis trabalhistas que, além de melhorarem as condições de vida dos trabalhadores, também alteraram de forma significativa a percepção da população sobre o papel do governo.
Essas medidas enfrentaram forte resistência da burguesia nacional da época, especialmente do agronegócio e do empresariado mais conservador, que viam a ampliação dos direitos trabalhistas como uma ameaça. Afinal, não só as leis trabalhistas mais diretas foram criadas, mas toda regulamentação do trabalho formal também. Aqui tem uma lista:
- Carteira de Trabalho (1932): instituída para formalizar a relação entre patrões e empregados, a carteira profissional passou a registrar dados como tempo de serviço, salários e contribuições previdenciárias.
- Jornada de Trabalho de 8 Horas (1934): essa medida limitou o tempo diário de trabalho, que antes podia ultrapassar 10 ou até 12 horas.
- Descanso Semanal Remunerado (1935): a garantia de pelo menos um dia de descanso por semana com pagamento, reforçou a ideia de que o trabalhador tinha direito ao lazer e ao tempo livre.
- Férias Remuneradas (1935): até então inexistente na legislação brasileira, o direito a férias pagas foi uma inovação que passou a reconhecer o valor do descanso anual para a saúde física e mental do trabalhador.
- Salário Mínimo (1938): o salário mínimo foi criado com o objetivo de garantir uma remuneração básica capaz de cobrir as necessidades fundamentais do trabalhador e de sua família.
- Criação da Justiça do Trabalho (1941): instituída inicialmente como um órgão administrativo, a Justiça do Trabalho passou a ser responsável por resolver conflitos entre empregados e empregadores – garantindo aos trabalhadores acesso ao mínimo de defesa de seus direitos.
- Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (1943): resultado da sistematização de todas essas conquistas e de outras normas complementares, a CLT tornou-se o grande marco jurídico das relações trabalhistas no Brasil. Ela organizou os direitos e deveres tanto dos trabalhadores quanto dos empregadores e segue, até hoje, como a base da legislação trabalhista brasileira.
Foi por causa de toda essa movimentação trabalhista que durante seu segundo mandato, iniciado em 1951 por meio de eleição direta, Getúlio Vargas retornou à presidência com forte apelo popular —especialmente entre trabalhadores urbanos e sindicatos.
Na foto, Getúlio Vargas faz um pronunciamento oficial na tribuna do Ministério do Trabalho e apresenta ao país a Consolidação das Leis do Trabalho. Imagem: Arquivo Nacional
A industrialização durante a Era Vargas
Antes da década de 1930, o Brasil era um país majoritariamente rural e dependente da exportação de produtos agrícolas, como o café. Foi só a partir dos governos de Getúlio Vargas que essa realidade começou a mudar.
Com uma visão de que o Brasil precisava crescer e se modernizar, Vargas deu início a um processo de industrialização que transformou a economia e preparou o caminho para o país se tornar mais desenvolvido.
Pela primeira vez na história, o Brasil teria como objetivo a modernidade tecnológica.
Getúlio Vargas acreditava que o Estado — ou seja, o próprio governo — deveria ter um papel ativo no crescimento econômico e por isso criou e incentivou várias empresas que ajudaram a desenvolver a indústria nacional.
Entre elas, estão a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que produzia aço; a Vale do Rio Doce, que extraía e exportava minérios; a Fábrica Nacional de Motores (FNM), responsável pela produção de caminhões; e, mais tarde, a Petrobras, voltada para a exploração de petróleo.
Essas empresas faziam parte de uma estratégia para reduzir a dependência do Brasil de produtos importados. Em vez de comprar tudo do exterior, o objetivo era fazer aqui o que antes vinha de fora. Além disso, o governo investiu em estradas, energia e transporte, criando as condições necessárias para que as fábricas funcionassem e a economia crescesse.
No entanto, nem tudo foi positivo.
Multidão em comício demonstra apoio a Getúlio Vargas, destacando conquistas como a aposentadoria e os direitos dos trabalhadores. Imagem: Arquivo
Foi assim que Getúlio Vargas se tornou uma figura complexa na história do Brasil. Combinando autoritarismo e avanços sociais, ele marcou profundamente a vida política, econômica e trabalhista do país.
Seu legado, com todas as contradições, ainda ecoa nas leis, nas instituições e na memória coletiva dos brasileiros — especialmente entre aqueles que viram nele um defensor dos trabalhadores e da construção de um Brasil mais moderno e industrializado.
Sua morte, em 24 de agosto de 1954, teve um impacto profundo na nação. Ao tirar a própria vida no Palácio do Catete, Vargas deixou uma carta em que denunciava as pressões das elites e dos interesses estrangeiros que tentavam retirá-lo do poder. O gesto comoveu a população: milhares de pessoas saíram às ruas em luto, e seu suicídio consolidou a imagem de Vargas como o “pai dos pobres”, reforçando o simbolismo de um líder que, até o fim, buscou se colocar ao lado do povo.Com sua partida, encerrou-se um dos capítulos mais intensos da política brasileira. Mas o debate sobre seu legado — marcado por autoritarismo, avanços sociais e contradições — permanece vivo até hoje, nos livros de história, nas leis trabalhistas e na memória de um país que ainda tenta entender sua própria trajetória.
REPORTAGEM DO BLOG ICL NOTÍCIAS” ( BRASIL)