
CRIAÇÃO DE BANSKY
Considerando-se os últimos 12 meses, o volume total das despesas com juros da dívida pública atingiu o valor de R$ 924 bi.
A verdadeira obsessão com que o Ministro da Fazenda (MF) veio abraçando a causa da austeridade fiscal desde o início do terceiro mandato do Presidente Lula tem provocado graves e danosas consequências para a grande maioria do povo brasileiro. Além disso, as medidas de corte de gastos e de compressão da capacidade de despesas orçamentárias operam como obstáculo para a retomada do processo de desenvolvimento econômico, social e ambiental. Finalmente, as próprias pesquisas de opinião têm revelado de forma inequívoca o impacto negativo da política de cortes, cortes e mais cortes sobre a popularidade do governo e do primeiro mandatário da República.
A estratégia de não promover a simples revogação do Teto de Gastos de Temer, tal como prometido por Lula durante a campanha eleitoral em 2022, foi uma trilha sugerida por Haddad ao seu futuro chefe. Com isso, o professor do INSPER buscava se credenciar junto à nata do financismo como um interlocutor confiável – a velha mania de se travestir no suprassumo do bom mocismo. Ou seja, coloca-se em prática uma traição vergonhosa às expectativas de mudança tão somente para agradar às forças que eram, até pouco tempo antes, consideradas adversárias de um projeto de governo liderado pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
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A substituição da Emenda Constitucional 95/16 foi operada por meio da votação da Lei Complementar 200/23. Assim, as regras de austeridade foram retiradas do texto constitucional e transferidas automaticamente para o Novo Arcabouço Fiscal (NAF). Apesar de mais branda, a nova modalidade austericida mantém a essência de obtenção de superávit nas contas públicas a todo o custo, assim como não altera em nenhum milímetro a lógica do resultado fiscal primário. Ou seja, todo o esforço fiscal permanece centrado sobre a redução das despesas da área social e dos investimentos. Isso significa que as despesas financeiras continuam se mantendo fora de qualquer tipo de controle.
Teto de Gastos do Temer e Teto do Haddad.
A arquitetura do Teto de Gastos do Haddad prevê que as despesas orçamentárias não-financeiras só possam crescer a um ritmo equivalente a 70% do verificado na elevação das receitas. Dessa forma, a busca de resultado primário positivo nas contas públicas pressupõe a redução permanente dos valores relativos dos gastos com as políticas sociais e com a recuperação das capacidades estatais. Este cenário se vê ainda mais agravado pela disposição do responsável pela economia em buscar metas irrealizáveis, tal como essa ideia absurda e equivocada de zerar o déficit primário. O resultado é um conjunto amplo de propostas do governo que afetam seriamente as condições de vida da grande maioria da população, em especial aquelas camadas que foram essenciais para a vitória apertada de Lula sobre Bolsonaro em outubro de 2022.
Por outro lado, o titular do MF convenceu Lula a não cumprir outra promessa de campanha, aquela relativa ao reajuste do salário-mínimo envolvendo a reposição da inflação e um ganho equivalente ao crescimento do PIB. Como a equipe da Fazenda opera com um conceito quase secreto chamado “PIB potencial”, nada pode crescer mais do que os 2,5% presentes no próprio NAF. Ou seja, mesmo se a economia brasileira crescesse a um ritmo anual de 4%, por exemplo, os gastos orçamentários só poderiam aumentar 2,5%. Uma loucura! Em seguida vieram medidas impressionantes e inimagináveis, como a redução paulatina do abono salarial e regras para o cerceamento do acesso ao próprio Benefício de Prestação Continuada (BPC). Ou seja, em nome do respeito sacrossanto às regras auto-impostas da austeridade fiscal, o governo vai minando suas bases de apoio e de sustentação política e eleitoral.
A maldade haddadiana mais recente refere-se ao Bolsa Família (BF). Trata-se de um programa muito relevante em termos de políticas públicas dirigidas à base da nossa pirâmide da desigualdade. Junto com a política de valorização do salário-mínimo, ele foi um dos principais fatores do sucesso observado ao longo dos dois primeiros mandatos de Lula, entre 2003 e 2010. Porém, no esforço generalizado para conter gastos orçamentários e cumprir as metas que o governo impôs para si mesmo, acaba sobrando até para penalizar um programa que é reconhecido internacionalmente como exemplo exitoso para implementação de políticas públicas inclusivas.
Ataques ao Bolsa Família.
A equipe econômica já havia tentado eliminar as garantias constitucionais para os programas de saúde e educação. Como ainda não conseguiram convencer Lula a retirar os pisos para ambos previstos na Constituição, resta aprofundar as maldades nas demais áreas. No caso do BF, as medidas pretendem retirar direitos de as famílias prosseguirem recebendo por um certo período os benefícios previstos no programa. Em nome de um suposto gesto de maior eficiência (quem não se lembra do discurso da direita de que “não basta dar o peixe, é preciso ensinar a pescar”?) o resultado para 2025 será um corte anunciado – com muita pompa e orgulho – de R$ 7,7 bi no BF.
Ora, apesar de todo o esforço empreendido nesta verdadeira cruzada contra os gastos sociais, o que mais chama a atenção é que o governo nada faz quanto aos gastos ditos “não-primários”. Sim, pois permanece intacta a herança nefasta que vem ainda da época dos governos de Fernando Henrique Cardoso. A ideia de que o esforço austericida deve se ater à dimensão não-financeira. Com isso, as despesas com juros da dívida pública, por exemplo, ficam intocáveis. Por oposição ao BF, deveriam ser chamadas de Bolsa Banqueiro.
O mais recente Boletim das Estatísticas Fiscais divulgado pelo Banco Central (BC) traz as informações consolidadas até o mês de fevereiro passado. E ali se pode perceber que, apenas durante os 20 dias úteis daquele mês, o governo transferiu um pouco mais de R$ 78 bilhões ao seleto grupo de detentores de títulos da dívida do Estado brasileiro. Ou seja, a cada dia as contas governamentais direcionaram R$ 3,9 bi ao tipo de despesa mais parasita que existe em nossas terras. E ainda mais trágico: em apenas 2 dias foi gasto a esse título mais do que todo o esforço realizado sobre o Bolsa Família ao longo de um ano inteiro. Uma completa inversão de valores para qualquer tipo de governo que se pretenda minimamente progressista.
Benefícios ao Bolsa Banqueiro.
Considerando-se os últimos 12 meses, o volume total das despesas com juros da dívida pública atingiu o valor de R$ 924 bi. Esse montante equivale uma média mensal igualmente de R$ 78 bi. Um verdadeiro escândalo! O total, por incrível que pareça, ainda consegue ser menor do que o observado ao longo do ano de 2024. Entre janeiro e dezembro do ano passado, a cifra atingiu seu recorde, com quase um trilhão – R$ 950 bi. Isso significa que a rubrica “Juros pagos” continua ocupando o lugar de conta mais deficitária do governo federal. O interessante é que quando a imprensa conservadora escancara as suas manchetes para criticar a suposta gastança da administração pública, nunca se vê nenhuma menção a tal dispêndio.
Nem mesmo a conta previdenciária consegue ser tão deficitária quanto a Bolsa Banqueiro. Por mais que o INSS seja o saco de pancada preferido de onze a cada dez “especialistas” em finanças públicas a soldo do financismo em nosso País, o fato é que os maiores saldos negativos são dos juros. De acordo com as informações do próprio Tesouro Nacional, em 2024 a diferença entre receitas e despesas previdenciárias foi de R$ 304 bi. Isso porque o total da arrecadação somou R$ 654 bi, enquanto os compromissos com o pagamento de benefícios atingiram R$ 958 bi. Já a conta de juros, por definição, não apresenta receitas – ela é absolutamente deficitária.
A grande diferença refere-se ao impacto macroeconômico de tais despesas e os seus resultados em termos de redução da desigualdade social e econômica que nos assola. O próprio Boletim da Dívida Pública publicado pelo Tesouro Nacional aponta os principais detentores dos títulos do endividamento do Estado: bancos, instituições financeiras e fundos de investimento. Ou seja, trata-se de um gasto altamente regressivo, destinado a setores do topo de nossa sociedade.
Benefícios Previdenciários – quantidade por faixa de valor

Fonte: MPS
Já os recursos previdenciários são distribuídos para mais de 40 milhões de indivíduos, a grande maioria da base de nossa sociedade. Segundo o Boletim divulgado pelo Ministério da Previdência, 70% dos benefícios previdenciários são iguais ou inferiores a um salário-mínimo, sendo que 86% deste total chega a atingir 2 salários-mínimos mensais. Ou seja, trata-se claramente de um gasto de natureza mais progressiva e que termina por retornar aos cofres públicos soba forma de tributos, pois a capacidade de poupança dessas faixas de renda é zero. Tudo é consumido e a nossa estrutura tributária é muito focada sobre o consumo.
Lula precisa decidir qual prioridade deve ser concedida por seu governo no final de seu terceiro mandato. Bolsa Família ou Bolsa Banqueiro? Se ele continuar deixando que esse tipo de decisão estratégica permaneça em mãos de Fernando Haddad, nós sabemos qual o destino a ser dado aos recursos públicos.
PAULO KLIASS ” JORNAL GGN” ( BRASIL)
Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.