
CHARGE DE FRAGA ” ZERO HORA/ RS”
Tenho certa implicância com pesquisas eleitorais feitas fora da temporada. O calendário eleitoral de 2026 determina a largada efetiva em abril do próximo ano, quando políticos com ambições eleitorais devem se desincompatibilizar de cargos públicos para se lançar na disputa por mandatos diferentes (as exceções são os deputados – federais e estaduais – e senadores, que podem usar livremente os penduricalhos do cargo na campanha da reeleição). Outra restrição vem do fato de que as pesquisas não explicam bem as respostas nas pesquisas espontâneas (geralmente apresenta-se a leitura de uma planilha ao pesquisado(a). A ordem das perguntas já induz uma resposta.
Mas, o principal é não haver explicação quanto aos índices de “Não sei” nas pesquisas espontâneas. Em muitas pesquisas prévias, Maluf largava com 20% a 30% dos votos. Mas não se informavam os votos “não sei”. Com o tempo e conhecimento dos candidatos pelos eleitores pesquisados, os percentuais de Maluf encolhiam. Não porque perdesse votos, mas porque a base de eleitores com candidatos aumentava e o percentual de Paulo Maluf caía a 15% ou 12%.
(Gosto muito de cavalos – minha preferência são os marchadores, criei vários campolinas – mas nas idas ao Jockey Clube Brasileiro curtia mais a paisagem que os animais. Os cavalos PSI são muito magros (como maratonistas) para o meu gosto, acho eles mais lindos soltos nos haras. Entretanto, nos grandes prêmios, sempre tinha um chamado “cavalo paraguaio”. Impressionava no “cânter” e largava disparado na frente, mas esmorecia antes da curva do hospital. Ronaldo Caiado entrou na pista para o “cânter”, mas nem os ’donos’ e figurões do União Brasil foram ao evento em Salvador.)
Há pesquisas de todo o jeito, dos mais diversos institutos. Só vale comparar com as pesquisas anteriores da mesma empresa. O fundamental é o pano de fundo em que foi feita a pesquisa. Sempre discordo das alegações de que “a maior preocupação do brasileiro é com a segurança”. Continuo achando que é a carestia dos alimentos, razão da perda de popularidade do governo Lula. A sensação de insegurança, mais presente nos grandes centros, vem muito do noticiário tipo B.O. (boletim de ocorrência no jargão policial). Todo dia, há décadas, ocorrem roubos e crimes, como grandes acidentes de trânsito com muitas mortes. Nem por isso se diz que as estradas são inseguras. Há mais motoristas imprudentes que não usam de cautela em estradas de mão-dupla.
Mas, no jornalismo de B.O. o mais fácil é divulgar crime em Manaus ou Recife (de pouco interesse no Rio ou em São Paulo). Mas, crimes no Rio de Janeiro dão ibope. Entretanto, não há distinção – como faz questão a imprensa paulista, de separar o joio do trigo.
Cariocas são os moradores e nascidos na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Com a fusão, em 1975, do Estado da Guanabara (antigo Distrito Federal na cidade do Rio de Janeiro) com o antigo Estado do Rio de Janeiro, cuja capital era Niterói, viramos todos fluminenses (no gentílico do ERJ). Mas o clubismo (falo à vontade, pois sou Flamengo) fez o Campeonato de Futebol da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro ser batizado de “Campeonato Carioca” (o correto seria “Fluminense” ou do “Estado do Rio de Janeiro”). Em São Paulo é o Campeonato Paulista (do estado); o gentílico da capital é “paulistano”. Pois lá em São Paulo, o centro da capital é a Praça da Sé. E os locais de anotações de crime são referenciados a X quilômetros da Praça da Sé ou a município Y, distante X quilômetros da capital. Uma ocorrência na Avenida Paulista, na Faria Lima ou nos jardins ganha bem mais relevância do que uma ocorrência na Zona Sul ou além de Itaquera (a menos que seja em dia de jogo ou treino do Corinthians).
Já no Rio de Janeiro, capital, um crime no ermo da Avenida Brasil, em Santa Cruz, na Zona Oeste, ganha tratamento quase igual a um caso em plena Avenida Atlântica. Em frente ao Copacabana Palace tem mais peso do que no canto do Leme. Mas não se faz a devida distinção de um crime em Belfort Roxo, ou outro município da Baixada Fluminense, com bairros mais nobres da Zona Sul carioca. Morador da Baixada ou de municípios do interior é petropolitano, macaense ou fluminense, nunca carioca.
Datafolha traz nova leitura
Voltando às pesquisas eleitorais, desde a escalada do dólar, em setembro do ano passado, quando Donald Trump tornou-se favorito nos Estados Unidos e prometeu um choque de tarifas de importação, o dólar subiu em todo o mundo. Aqui, chegou ao recorde de R$ 6,3144, em 18 de dezembro, com Trump já eleito – e a alta do dólar tinha contaminado os preços dos alimentos exportados ou transacionados com o exterior (caso do café, pela quebra da safra do Vietnã, o 2º produtor mundial, e dos ovos, cuja produção caiu fortemente nos Estados Unidos, devido à gripe aviária, que matou milhões de galinhas poedeiras. Quando o Federal Reserve deu uma pausa nos juros e o Banco Central elevou os juros da Selic em 1% (com promessa de mais dois aumentos iguais em janeiro e março), o dólar começou a cair. Antes do tarifaço desta semana, a queda tinha sido de mais de 12% frente ao pico de dezembro.
Pois as pesquisas eleitorais estão sendo feitas em cenário no qual os preços dos alimentos não param de subir (a carne, o arroz, a soja e o milho já baixaram, mas o café sobe semanalmente em todo o mundo; com o tarifaço, os preços desabaram quinta e sexta-feira). Entretanto, as pesquisas não captaram a fase da baixa dos preços nas feiras e supermercados. Portanto, o governo Lula vem sendo mal-avaliado. A falta de coerência (que reflete uma inconsistência das pesquisas) é que, numa pesquisa de simulação de adversários, num hipotético páreo em 2026, Lula vence todos os concorrentes.
Considero uma falha dos “DataFolhas da vida” não terem feito pesquisas para avaliar o sentimento da opinião pública depois que o Supremo Tribunal Federal tornou, por 5 votos a zero da Primeira Turma, o ex-presidente Jair Bolsonaro réu no conjunto de cinco acusações da tentativa de golpe com sete aliados, contra o Estado Democrático de Direito. Teria sido uma avaliação pertinente.
De qualquer forma, a última pesquisa do Instituto Quaest desta semana fez algumas simulações. Uma perguntava ao entrevistado o que mais temia: 44% responderam “Bolsonaro voltar”; 41% responderam “Lula continuar”. Na simulação de um 2º turno entre os dois, Lula venceria por 44% a 40%. Faltou lembrar que este foi o cenário do resultado final entre Lula e Bolsonaro em 2022. O eleitor e as perguntas estão cristalizando a polarização das respostas.
E o Datafolha de sexta-feira expressou o que sempre digo. Lula ganhou de Bolsonaro porque é (e sempre foi e será) muito maior do que o PT. Agregou aos votos petistas os que não queriam Bolsonaro de jeito nenhum. E o que deu a pesquisa, depois de um refresco no dólar (sexta-feira houve repique) e um esforço de comunicação do governo e o anúncio da isenção do IR até R$ 5 mil? A desaprovação caiu três pontos, de 41% em fevereiro para 38% e a aprovação subiu cinco pontos, de 24% para 29%. Já o contingente que considera o governo regular (os eleitores que votaram em Lula sem serem do PT e por não quererem Bolsonaro de modo algum) ficou estável em 32%. Assim, o governo está com média 6,1 ou 61%. E reprovação de 38%.
Tarifaço de Trump pode sair pela culatra
Chamou atenção na cerimônia do aumento de tarifas de importação dos Estados Unidos contra o mundo, na tarde de 2 de abril, nos jardins da Casa Branca, a quase total ausência de líderes das maiores empresas do país entre os convidados do presidente Donald Trump para celebrar o tarifaço como o “Dia da Libertação”. Crítica e sintetizando o ceticismo das grandes corporações que transferiram nas últimas três décadas suas linhas de produção para países com menores custos, a revista “The Economist” classificou o ato como o “Dia da Ruína”, prevendo efeitos danosos sobre a economia dos EUA, suas corporações e o mundo. A China anunciou, sexta-feira, o seu troco: 34% de taxação sobre os produtos vindos dos Estados Unidos, o que pode abrir mais espaço para a soja, o milho e as carnes do Brasil no mercado chinês.
O presidente do Federal Reserve Bank, Jerome Powell, disse, sexta-feira, refletindo o temor da maioria dos economistas e grandes empresários, que as tarifas anunciadas foram maiores do que o previsto e devem aumentar a inflação nos próximos trimestres. Ou seja, turvando a clareza sobre os próximos passos da política monetária porque será muito difícil avaliar os possíveis efeitos econômicos das tarifas sem detalhes de quais produtos serão tarifados, por quanto tempo, e se haverá negociação bilateral.
Trump, como empresário imobiliário, tem obsessão em baixar os juros para revalorizar o patrimônio em imóveis de seu grupo – que ainda não recuperou os níveis anteriores à grande crise financeira mundial de agosto-setembro de 2008, quando houve o estouro da bolha do subprime de hipotecas. Pois, imediatamente à fala do presidente do Fed, tuitou em sua rede “Truth Social”, que esse “era o momento ideal para Powell cortar as taxas de juros”.
Os mercados e os principais jornais dos Estados Unidos mostraram manchetes em tom crítico, como o “Wall Street Journal”, o mais influente jornal de economia do país: “Uma tentativa de abalar o mundo para tornar a economia que Trump sempre quis. O presidente Trump sonha com fábricas reabertas e cidades revitalizadas por tarifas, mas as ações despencaram devido ao medo de que o crescimento econômico seja prejudicado”.
Em outra matéria, também na sexta feira, o WSJ relata que “Americanos correm para comprar TVs, molho de soja e equipamentos de ginástica da Lululemon. A Nike e a Lululemon apostaram alto no Vietnã para fabricarem por lá, a custos bem mais baixos (tênis e roupas esportivas). A Lululemon é especialista em tênis, moletons e roupas masculinas e femininas. Segundo o WSJ, as novas tarifas de Trump estimulam alguns compradores a estocar. “Agora é a hora de comprar”, diz outro subtítulo. Já vimos isso na hiperinflação.
Na globalização inaugurada pela “era Reagan”, no fim dos anos 80, com a entrada de fabricantes americanos na China e em vários “tigres asiáticos” onde os custos de mão de obra, impostos e juros fossem baixos, “marcas de calçados, da Crocs à Nike, foram produzir uma parcela enorme de seus produtos na China, Vietnã, Camboja, Indonésia e Bangladesh. Mas, segundo o WSJ, “as empresas de calçados são massacradas após novas tarifas fora da China”, e estão “forçando os fabricantes de vestuário e calçados dos EUA a vasculhar o mundo em busca de novos lugares para fabricar”. No Brasil, cujos principais grupos de moda e confecção repetiram as táticas de Nike e Crocs, entre outras marcas, e foram produzir roupas nos antigos “tigres asiáticos”, o virtual fechamento do mercado americano pode desviar produção ao mercado brasileiro e a maior oferta reduzir preços (ou margens de lucro) nos artigos de vestuário. O principal grupo brasileiro na moda, o Azzas, resultado da fusão da Arezzo com o grupo Soma, tem como um dos carros-chefes a Hering. Mas boa parte da empresa nascida em Santa Catarina é feita em Bangladesh.
Impacto político
O WSJ considera que “Trump mergulha no desconhecido político com plano tarifário”, e explica que “alguns aliados de Trump temem que os planos tarifários expansivos do presidente possam sair pela culatra com os eleitores. O WSJ lembra que “O presidente Trump prometeu uma nova era de ouro americana. Mas a consequência imediata de suas tarifas expansivas foi um mercado de ações estremecido e temores crescentes de uma recessão.
O cenário econômico sombrio que surgiu na quinta-feira gerou alarme entre alguns aliados de Trump e estrategistas republicanos, que temem que as políticas comerciais do presidente possam ter efeito contrário ao esperado pelos eleitores. “The Economist” foi duro: “Trump estaria levando os Estados Unidos de volta ao século XIX”.
‘The Washington Post’ arrasa Trump
Em artigo do articulista Dana Milbank, publicado na edição de sexta-feira, 4 de abril, o jornal “The Washington Post”, controlado pelo dono da Amazon, Jeff Bezos, que foi apoiador de Trump e esteve presente em sua posse ao lado de Elon Musk e Mark Zuckerberg, critica pesadamente Donald Trump. Com o título de “A economia. A Constituição. Existe algo que Trump não destruirá?”, traz como subtítulo a informação: “No mesmo dia em que Trump disse que cortaria a magnólia de Andrew Jackson, ele atacou a Constituição”.
Veja os principais trechos do artigo:
“O presidente Donald Trump anunciou esta semana que cortaria uma magnólia do Sul, plantada há quase 200 anos na Casa Branca pelo presidente Andrew Jackson. Trump explicou que a árvore antiga, que fazia sombra nas reuniões do gabinete de Franklin Delano Roosevelt, Churchill e Herbert Hoover, e apareceu por 70 anos no verso da nota de US$ 20, é “um risco de segurança muito perigoso”.
“Isso é plausível, mas seu anúncio segue um mês após a revelação de que também planeja pavimentar o Rose Garden (transformando em superfície de pedra o jardim onde anunciou o tarifaço), que ocupa o espaço adjacente à magnólia de Jackson há 122 anos. Pavimentar a área pode não ser possível sem matar a árvore por causa de suas raízes rasas e extensas”, diz Milbank.
“Trump diz que também planeja reformar a própria Casa Branca, de 233 anos, para construir um ‘magnífico salão de baile’— inspirado no cafona Mar-a-Lago. Existe alguma coisa que esse homem não destruirá?”, indaga Milbank. E acrescenta que, “no mesmo dia em que Trump anunciou a execução da magnólia de Jackson, ele balançou outro machado na Constituição dos EUA de 237 anos, desta vez afirmando que “não está brincando” sobre buscar ilegalmente um terceiro mandato. “Existem métodos pelos quais você poderia fazer isso”, ele explicou a Kristen Welker, da NBC. Um deles, que a equipe de Trump aparentemente vem buscando, é o plano (também inconstitucional) de ter o vice-presidente JD Vance concorrendo no topo da chapa e então devolver o poder a Trump.
Dana Milbank alerta “que, certamente, não é coincidência ter sido quase exatamente isso que o ditador russo, Vladimir Putin, fez para contornar os limites de mandato na Rússia, elegendo seu protegido, Dmitry Medvedev, presidente em 2008, mas depois basicamente governando o país como primeiro-ministro de Medvedev”.
”Em certo sentido, pode ser melhor que Trump ‘pense que’ pode concorrer a outro mandato — porque isso pode impedi-lo de sua sabotagem de tirar o fôlego da economia americana. Durante seu primeiro mandato, seus objetivos de estabelecer recordes no mercado de ações e impulsionar seus próprios números nas pesquisas forneceram alguma medida de autocontrole. Agora, ele parece despreocupado com qualquer um dos dois”, sublinha.
Os eleitores reagem
“As eleições de terça-feira mostraram os ingredientes de uma reação severa contra Trump. Em Wisconsin, onde Trump venceu por menos de 1 ponto percentual em novembro, um candidato à Suprema Corte apoiado pelos democratas prevaleceu por 10 pontos sobre o oponente apoiado por Trump, apesar de Elon Musk ter injetado milhões de dólares na corrida, distribuindo cheques de um milhão de dólares aos eleitores e usando um chapéu de cabeça de queijo”.
“Na Flórida, os candidatos republicanos ao Congresso em dois distritos seguramente republicanos viram suas margens encolherem em 22 pontos e 16 ponto sem relação às margens de vitória de Trump em novembro”, diz Milbank.
Quem resumiu bem o dilema de Donald Trump foi o economista Nouriel Roubini, presidente da Roubini Macro Associates, em entrevista à agência Bloomberg após palestra a investidores reunidos no Lago Como, na Itália, na sexta-feira. Roubini, que antecipou a crise financeira mundial de 2008, prevê que a queda do mercado de ações pode se aprofundar antes que o sentimento do investidor se estabilize, à medida que o presidente Donald Trump reduza seu ataque ao comércio global.
Apesar de todo o drama nos mercados de ações dos EUA, que levou a perdas de US$ 5 trilhões no valor de mercado das companhias listadas, Roubini observou que Trump não está tão focado em ações como costumava ser, dando-lhe tempo para resistir antes de mudar de rumo. “Ele se importa mais com o mercado de títulos e o dólar”, ele disse. [o maior temor dos EUA é a China sacar os trilhões investidos em títulos do Tesouro americano]. “A maior parte do mercado de ações é de propriedade de 10% da população. Então, uma correção do mercado de ações não importa, enquanto rendimentos de títulos mais baixos são bons para sua base que tem hipotecas, empréstimos estudantis, empréstimos para automóveis, cartões de crédito, empréstimos pessoais”, assinala Roubini.
Para ele, o custo político de Trump manter seu plano tarifário atual é tal que está claro que ele mudará a abordagem no devido tempo. “Se ele pressionar muito, terá uma recessão este ano; se tiver uma recessão este ano, perde as eleições de meio de mandato; se perder as eleições de meio de mandato, então seu plano MAGA [Make America Great Again, ou faça a América Grande de Novo] de dominar a América para sempre será destruído”, disse ele. “Então, se ele tiver algum cérebro na cabeça, ele saberá que precisa diminuir a tensão.” Ou seja, em última análise, Roubini tem uma visão otimista do médio prazo, antecipando que tecnologias como a inteligência artificial impulsionarão ganhos de produtividade que ainda impulsionarão um crescimento econômico mais forte.
A conferir.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)