O GOVERNO LULA E O AMBIENTALISMO FRACO

CHARGE DE RONALDO

O metro para medir o compromisso ambiental do governo Lula não pode ser o que faz em relação ao governo Bolsonaro.

Há um evidente mal-estar entre os ambientalistas e o governo Lula. Esse mal-estar agora chegou ao editorial da revista Science, que junto com a Nature é considerada uma das revistas científicas mais importantes do mundo. Em seu último editorial, a revista é categórica: ao chamar a atenção sobre a importância da COP30 para tentar evitar a inflexão das mudanças climáticas para um ponto de não retorno, afirma que não basta preservar florestar. É preciso uma eliminação rápida da combustão de combustíveis fósseis.

E, neste ponto, “o anfitrião, o Brasil, não está liderando pelo exemplo”. Pelo contrário: “Com exceção do Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas do Brasil, particularmente todos os outros ramos do governo do país estão promovendo atividades que aumentam a emissão dos gases de efeito estufa”, afirma categórico o editorial.

A revista arrola várias iniciativas do governo, já em execução ou que deverão ser executadas, como exemplos de patrocínio de danos ao meio ambiente, descompromisso e promoção de atividades que aumentam a emissão de gases de efeito estufa.

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Um dos exemplos é o projeto liderado pelo Ministério dos Transportes que pretende desmatar grandes áreas da floresta amazônica para viabilizar 408 Km da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) e várias estradas vicinais. Estudos mostram que o impacto de produção de carbono desse projeto é desastroso e vai no sentido de produzir pontos de não retorno. Todos sabem a devastação destrutiva que esses projetos provocam. Ademais, trata-se da continuidade do projeto estratégico destrutivo que foi adotado à época da ditadura militar para a região amazônica. Agora, essa continuidade é liderada por um governo que se diz progressista e comprometido com a preservação ambiental.

Já o Ministério da Agricultura, denuncia a revista, subsidia a transformação de pastos em produção de soja, impulsionando o desmatamento, já que os pecuaristas vendem as terras valorizadas para a produção da oleaginosa e buscam terras mais baratas para serem desmatadas. “Cada hectare de pasto convertido em soja pode causar vários hectares de desmatamento”, assevera o editorial.

O Ministério das Minas e Energia, por sua vez, vem abrindo novos campos de petróleo e gás na floresta amazônica. O mais grave e polêmico projeto é o da exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, que conta com o apoio e a pressão explícita do presidente Lula para a sua implementação. Quer dizer: a Petrobrás e o governo Lula investem pesado na produção de gases de efeito estufa e na produção de desastres climáticos.

O governo Lula parece ter se esquecido rapidamente dos grandes desastres ambientais que castigaram o Brasil em 2024. A tragédia do Rio Grande do Sul está completando um ano. As perdas materiais, humanas e emocionais são absurdas. Se o poder público tivesse investido R$ 10 bilhões em prevenção, boa parte dos estragos seriam evitados. Até agora, o governo federal já investiu mais de R$ 100 bilhões na reconstrução e mitigação das perdas. Em que pese esta dura lição, o governo Lula fecha os olhos e insiste em gastar o dinheiro do povo em destruição para, depois, gastar ainda mais em reconstrução. Trata-se da absurda receita do desastre, do descompromisso com o país, como povo, com a natureza, com a vida e com o planeta. A história não deixará impune esse descompromisso do governo.

O risco do aumento da temperatura escapar do controle humano é real e vem sendo projetado por vários estudos científicos de diferentes centros de pesquisa. Na média, o ano de 2024 já atingiu 1,5ºC acima da temperatura média da era pré-industrial. Projeções de modelos indicam que estamos caminhando para 3ºC. O risco da perda da floresta amazônica com o crescimento do aquecimento também é real. A precipitação hidrográfica na bacia que abastece a grande São Paulo depende da floresta amazônica numa porcentagem que varia de 16% a 70% a depender do ano.

A redução da floresta amazônica está afetando e afetará cada vez mais a disponibilidade de água no Sudeste. O semiárido do Nordeste tende a se tornar deserto e a costa atlântica sofrerá impactos de tempestades violentas e a elevação dos níveis das águas. Em 2024, a seca atingiu, de forma variada, 80% do território nacional. Muitas regiões ficaram até 120 dias sem precipitação de chuvas.

O ano foi marcado também pela perda de 400 mil hectares de água de superfície, de acordo com o MapaBiomas. A hidrelétrica de Belo Monte ficou parte do tempo quase parada por conta da severidade da seca. O Rio Araguaia está agonizando. Asfixiado, soterrado, corre para a morte. Além das perdas humanas e materiais, os eventos climáticos afetaram a produção de alimentos impulsionando a inflação que atingiu de forma mais dura as populações mais pobres.

Os ganhos obtidos no ano passado com a redução do desmatamento foram praticamente anulados pelas queimadas. As queimadas representaram mais uma evidência do ambientalismo fraco do governo: ele foi obrigado a agir e elaborar planos de combate ao fogo por determinação do ministro do STF, Flavio Dino. Em mais um desnudamento do descompromisso e passividade do governo, agora Dino determinou que os indígenas sejam indenizados pela construção da hidrelétrica de Belo Monte. A União deverá repassar 100% do que é repassado pela concessionária ao Estado.

Boa parte das leis e dos planos nacionais de proteção de diferentes ativos naturais ainda não saíram do papel. Enquanto isso, a degradação das terras, das florestas, dos biomas, dos rios e dos mares se intensificam. O governo não só não é ativo, mas, como afirmou a revista Science, acelera a crise.

Os povos indígenas continuam abandonados, esquecidos pelo Estado. Doentes, são perseguidos e assassinados por madeireiros, grileiros e garimpeiros. As organizações criminosas se expandem pelas florestas e rios. O Estado é o grande ausente, o estimulador omisso de toda espécie de crimes. As madeiras das reservas são roubadas à luz do dia. Os próprios povos são obrigados a se organizarem para defender suas terras e suas matas. Se o Congresso Nacional age deliberadamente pelo extermínio dos indígenas, o governo e o STF são seus sócios pela omissão, letargia e descaso na demarcação de reservas.

O metro para medir o compromisso ambiental do governo Lula não pode ser o que faz em relação ao governo Bolsonaro. O governo corre o risco de chegar na COP30 com a marca de um compromisso ambiental fraco. Para evitar essa imputação precisa reorientar rapidamente suas políticas estratégicas na área. Precisa abandonar os incentivos que estimulam o desmatamento e precisa assumir um compromisso claro com a redução da produção e uso de combustíveis fosseis. O compromisso só será efetivo se apresentar um plano nacional com metas das reduções definidas no tempo. Se o Brasil quiser ser líder ambiental global, terá que liderar pelo exemplo, que deve ser sacramentado em compromissos concretos.

ALDO FORNAZIERI ” BLOG BRASIL 247″ / ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.

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