
CHARGE DE QUINO ( ARGENTINA)
Discurso com esse título foi proferido no plenário da União Europeia em 19/02/25. Jeffrey Sachs foi consultor econômico de vários países do Leste Europeu, conversou com autoridades americanas, russas, ucranianas, etc. Ele enfatizou que seu depoimento não era baseado em ideologia, mas no que ele ouviu e testemunhou. É importante divulgar a mensagem de paz de Sachs, pois líderes europeus continuam presos a uma russofobia beligerante.
Segundo Sachs, após o desmembramento da URSS e a dissolução do Pacto de Varsóvia, os EUA se sentiram onipotentes. Deste então, foram eles os principais causadores de guerras:
“Não apenas a crise na Ucrânia — mas também a da Sérvia em 1999, as guerras no Oriente Médio, incluindo Iraque e Síria, as guerras na África, incluindo Sudão, Somália e Líbia — são, em grande parte, o resultado de políticas americanas profundamente equivocadas.”
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No entanto, as intervenções americanas nunca são noticiadas como tais pela imprensa americana, que basicamente faz relações públicas das guerras americanas. O líder estrangeiro que os EUA querem derrubar — seja ele Saddam Hussein, Kadafi, Assad, Putin, etc. — é sempre demonizado pela imprensa. A única explicação dada aos leitores para o envolvimento dos EUA em guerras é que o país está combatendo um monstro, um novo Adolf Hitler.
Os jornais omitiram os antecedentes da guerra entre Rússia e Ucrânia. Quando a União Soviética foi dissolvida em 1991, foi firmado um acordo com os EUA que a OTAN não iria se expandir para o Leste Europeu. Em 1994, Clinton rompeu unilateralmente o acordo. Nas décadas seguintes, a OTAN, que é o braço armado dos EUA, se expandiu para o Leste, cercando a Rússia. Foram 13 países da região que aderiram à OTAN desde 1994. Quando os EUA tentaram arregimentar Geórgia e Ucrânia, países vizinhos da Rússia, Putin finalmente reagiu.
A Guerra da Ucrânia ocorreu, portanto, no contexto da instalação de mísseis pela OTAN nas proximidades da Rússia. Putin havia manifestado várias vezes sua preocupação em ter mísseis da OTAN a sete minutos de Moscou. A invasão da Ucrânia não foi “unprovoked” (não provocada), como Joe Biden cansou de repetir. Sachs lembrou que, em 1962, quando a URSS botou mísseis em Cuba, por muito pouco não tivemos a Terceira Guerra Mundial.
A política de expansão da OTAN até a fronteira da Rússia foi seguida por todos os presidentes americanos de Clinton a Biden. Joe Biden foi o pior de todos. Sua política era provocar a Rússia ao máximo, militarmente e com sanções econômicas. Sachs acredita que Joe Biden não estava plenamente funcional. Sua política externa era controlada por neoconservadores (neocons), que traçavam a estratégia militar a partir de joguinhos de guerra.
“Eles jogam a teoria dos jogos não cooperativos, segundo a qual você não fala com a outra parte. Você simplesmente faz sua estratégia… Esse tipo de teoria dos jogos começou na Corporação RAND… Em 2019, há um artigo da RAND, “Extending Russia: Competing from Advantageous Ground”. Incrivelmente, o artigo, de domínio público, pergunta como os Estados Unidos deveriam irritar, antagonizar e enfraquecer a Rússia.”
Essa era literalmente a estratégia de Joe Biden: irritar a Rússia ao máximo até derrubar Putin. Donald Trump, por outro lado, está rompendo (tardiamente) com a OTAN, uma aliança militar que, segundo Sachs, deveria ter sido desfeita junto com o Pacto de Varsóvia em 1991.
No que diz respeito ao Oriente Médio, a política americana dos últimos anos foi ditada por Benjamin Netanyahu. O lobby israelense tem enorme influência. Sachs teme que a influência do lobby destrua a política externa de Trump ou o povo palestino. A solução seria o reconhecimento de dois Estados, conforme a vontade de 185 países membros da ONU e a oposição de oito (Israel e Estados Unidos incluídos).
Sachs teve a ousadia de dizer que a política externa da Europa não existe. Se existe, ele não a percebe. Salvo a recusa de França e Alemanha em apoiar a guerra do Iraque em 2003, a política europeia do pós-Guerra foi fidelidade aos EUA. Agora que os europeus foram abandonados pelos americanos, o caminho a seguir é ter sua própria política externa, com gestores europeus. Afinal de contas, a Europa tem 450 milhões de habitantes e um PIB de 20 trilhões de dólares.
Além disso, a Europa defende muitas causas que os EUA não defendem, como a ação climática, a sustentabilidade, a social democracia, a igualdade, o multilateralismo e a Carta das Nações Unidas. Os Estados Unidos não defendem nenhuma dessas causas. Ele sugere que a Europa se afaste do belicismo americano e faça sua própria política. A acusação de que Vladimir Putin almeja anexar países europeus é, nas palavras de Sachs, infantil.
A economia russa e a europeia, além de vizinhas, são complementares. Ambas têm a lucrar com o comércio. O mesmo se pode dizer da China. Ela está sendo antagonizada pelos EUA por rivalidade, pois se tornou a maior potência econômica do mundo. Nas palavras de Sachs, “a China não é uma inimiga nem uma ameaça, é uma parceira natural da Europa no comércio e na preservação do meio ambiente global.
Enfim, nem Rússia nem China são ameaças à Europa. A Rússia tem ótimos diplomatas e deveria ser tratada com diplomacia pela UE. O fim da guerra da Ucrânia e o fim da OTAN são boas notícias para a Europa, apesar da péssima reação de alguns líderes europeus.
PETRONIO PORTELLA FILHO ! JORNAL GGN” ( BRASIL)
Petronio Portella Filho é economista formado na UnB, com mestrado na Universidade de Minnesota e doutorado na Unicamp. Consultor concursado do Senado Federal, é autor dos livros A Moratória Soberana, Os Sapatos do Espantalho e Mentiras que Contam Sobre a Economia Brasileira.