
Vinão estava longe da disciplina que se exige dos santinhos. Era apenas um garoto inesquecível, que amava Dalva de Oliveira e os Titãs.
Não fui ligado aos “Titãs” quando surgiram. Mas caiu a ficha quando fui com Eugênia e Vinicius assistir o seu último show e ouvi a música “Epitáfio”: “o acaso vai me proteger / enquanto eu andar distraído”.
Vinicius pulou, cantou, vibrou como um jovem dos anos 80. E a letra me pegou pesado. Diariamente, Vinão, enteado querido, me chamava a atenção:
- Luís, você não pode trabalhar tanto. Tem que curtir a família!
E Vinão curtia cada momento, toda aquela soma de pequenos momentos que constituem a vida diária e são considerados rotina pelas pessoas de menor sensibilidade, para ele, eram momentos de pura curtição. Amava pessoas, adorava nossos saraus.
Está fazendo um ano da sua morte. Ontem foi aniversário da Eugenia. Fizemos um jantar em casa, para o qual vieram sua filha Gabriela e marido, minha filha Luiza e namorado e a neta Clarinha.
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Gabriela trouxe o último presente planejado por Vinão. Todo início de março, ele fazia uma saudação ao mês, por ser o aniversário da mãe. No dia 4 já mandou mensagem para Gabi – como ele a chamava – para combinar o presente para a mãe. Sugeriu uma almofada, “para ela descansar a cabeça”.
Não deu tempo de entregar o presente. Nos dias seguintes, Vinão pegou dengue, passou um período no 9 de Julho, estava na UTI no dia do aniversário da mãe, e faleceu poucos dias depois. Mas Gabi trouxe a almofada, com a frase de Vini bordada: “Para descansar a cabeça”.
No final do ano, Eugenia organizou um “Natal com Vini”, para relembrá-lo na festa que ele mais adorava. A casa encheu de amigos do Dante, amigos recentes, cada qual com um depoimento sobre Vinão. E todos mencionando sua delicadeza, seu abraço de urso, suas frases inesperadas. Como no dia em que falou para a mãe: “Minha cabeça está cheia de vida”. Me chamava de “bebê libanês” e, frequentemente, trazia “recados” de meus pais para mim.
Certa vez saí para almoçar com ele, já entrando nos 20, e ele queria saber se virar adulto doía. Fazia planos de morar sozinho, de conseguir um emprego. No final de sua vida foi morar com o pai. De vez em quando eu fazia uma chantagem com ele, mandando a mensagem:
- Tem padrasto?
E ele:
- Luis, a diferença entre pai e padrasto é o i!
O pai conseguiu emprego para ele em uma auditoria. Em pouco tempo, Vinão se enturmou e foi produtivo. Descobriram seu talento para organizar coquetéis, para trabalhar com imagens. Infelizmente, a experiência foi cortada pela tragédia.
A memória do WhatsApp é terrível. Ontem Eugenia recuperou mensagem minha para minhas filhas, pouco depois do seu aniversário no ano passado:
- Venha logo que o Vinão está indo embora!
Era madrugada. Ela tinha passado o dia inteiro com o filho. No dia anterior, quando ele piorou, ela mandou mensagem de madrugada e tanto eu quanto Gabriela acordamos na mesma hora e lemos a mensagem. Sem que o telefone tivesse dado o menor sinal.
Lembrei-me de quando minha mãe se internou na Beneficiência. Certa noite acordei e rumei para lá. Fiquei no sofá do saguão torcendo e torcendo. No dia seguinte, os médicos me informaram que, de fato, naquela hora ela tinha quase partido.
Quando se recuperou um pouco, entrei na UTI para conversar com ela. E dona Tereza me contou que se viu andando por uma estrada longa, caminhando. No meio da caminhada, ouviu vozes. Eram médicos, do lado da cama da UTI, dizendo que em breve aquele leito estaria vago.
Dona Tereza ficou tão indignada que fez toda força para voltar. Voltou, contou para a Sônia, médica amiga nossa, que levou a reclamação para a diretoria do hospital.
Na véspera de sua morte, sai do programa que eu tinha na TV Gazeta e rumei para o hospital. Ela estava dormindo, mas acordou e me afagou o rosto com sua mão quente.
Durante a madrugada, levantou, andou pelos corredores. Faleceu no início da manhã. Tinha recebido a “visita da saúde”.
Antes de ser entubado, mas já no quarto, Vinão acordou, conversou com as pessoas e chegou a oferecer sua cama para o pai. Era a “visita da saúde”. Quando piorou, pouco antes de ser entubado, teve tempo de pedir para a mãe uma corbeille e música dos Carpenters para seu velório.
Nesse um ano foram muitas as surpresas, os relatos mais inesperados de amigos dizendo que sonharam com o Vinão. Minha mais velha, a Mariana, dorme com um retratinho das irmãs com Vini na sua cabeceira. Invoca o Vinão sempre que se sente insegura. Outra amiga atribui a Vinão o atendimento de seu sonho de ir à Europa. E foi a serviço. Uma terceira amiga, um tanto distante, dizia ter sonhado com Vinão lhe acenando.
Às vezes fico em dúvida sobre esse segundo tempo da vida, sobre a estrada iluminada na qual minha mãe estava caminhando, quando resolveu voltar. Existem pessoas que emanam uma energia tão positiva, que acaba se irradiando para as pessoas próximas. Deve ser essa energia que foi confundida com santidade em alguns casos brasileiros, como Santo Antoninho Marmo.
Vinão estava longe da disciplina que se exige dos santinhos. Era apenas um garoto inesquecível, que amava Dalva de Oliveira e os Titãs.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)