
A fria, montanhosa e verdejante Galícia, ao Norte de Portugal, banhada pelo Rio Minho, na fronteira com as regiões do Minho e Trás-os-Montes, é marcada, sobretudo, por suas esplêndidas Rías Baixas e Altas – enseadas compridas e estreitas, na costa Atlântica das províncias de Pontevedra e La Coruña, onde são produzidos os melhores mariscos do mundo. A Galícia é lembrada, igualmente, pelo som inconfundível das gaitas, de origem celta, e os intermináveis dias chuvosos.
É, principalmente, a grande herdeira da civilização dos guerreiros celtas poloneses. A Galícia, enfim, é o berço da portugalidade e do idioma português. Foi lá que se cunhou a expressão saudade. A língua galega, proibida pelo regime do Generalisimo Francisco Franco (1892 – 1975), ele mesmo natural da Galícia, tornou-se idioma oficial da Espanha, após a redemocratização do país e a Constituição de 1978, juntamente com o próprio castelhano, o basco e o catalão.
A região autônoma da Galícia é composta por quatro províncias, dentre as quais, para além de Pontevedra e La Coruña, estão Lugo, mais ao Norte, e Orense, ao Sul, limítrofe às terras transmontanas. Existiria ainda uma quinta província, deste lado do Atlântico, nas margens do Rio da Prata, na exuberante Buenos Aires, conforme capítulo da “Historia de Galicia”, de Ramón Villares, publicada, em 1984, preciosa obra indicada pelo amigo José Pérez Rial, médico neurologista em São Paulo, nascido nos arredores de Vigo – como meu querido e saudoso pai.
Milhares e milhares de galegos emigraram para Buenos Aires a partir da segunda metade do século XIX e durante os primeiros 50 anos do século passado. Foram tantos os que trocaram a Europa pela capital argentina que Villares a considera a quinta província da Galícia – apesar da metrópole platina ter recebido, no mesmo período, uma quantidade ainda maior de italianos.
Devo registrar, aliás, que o castelhano, em quase toda Argentina, tem uma inflexão, nitidamente, italiana, cantado, como em Nápoles, porém, com um pronunciado chiado bastante comum na entrañable Galícia. Muitos foram os galegos ilustres que passaram ou viveram em Buenos Aires, após chegada ao poder de Franco, depois de três anos de guerra civil (1926 – 1939), entre os quais, dois escritores engajados nas reivindicações regionais: Afonso Castelao (1886 – 1950), um dos fundadores do nacionalismo galego, e Ramón Otero Pedrayo (1988 – 1976), pertencente ao grupo “Xeneración Nós“, militante do Partido Galeguista.
Também lá viveu o historiador medievalista madrilenho Claudio Sánchez Albornoz (1893 – 1984). Dois reverenciados poetas da Geração de 1927 estiveram, em momentos diferentes, em Buenos Aires – os andaluzes Federico García Lorca (1898 – 1936), da Província de Granada, no final dos anos 1920, e Rafael Alberti (1902 – 1999), de Cádiz, como exilado. Símbolo máximo da importância galega na capital portenha é, sem dúvida, a monumental Avenidade Mayo. Foi ali que galegos e demais compatriotas montaram lojas, cafés, hotéis e restaurantes. Dois tradicionais restaurantes espanhóis convivem no microcentro da cidade. Quase vizinhos de porta à Calle Hipólito Yrigoyen. O mais antigo é “El Imparcial”, fundado em 1860, e o outro, “El Globo”, data de 1907, onde, diariamente, em ambos, pode-se comer um bom Cocido Español.
A presença dos imigrantes galegos na Buenos Aires é tão relevante que, ainda hoje, todos os espanhóis são chamados de gallegos – com conotação, porém, pejorativa. Semelhante à que se dava aos portugueses no Brasil. Mas a grandiosa Galicia do Prata, que emerge nos versos galeguistas de García Lorca, escritos nas mesas dos cafés portenhos, resgata a alma galaica na construção da identidade argentina.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador