
É simplista dizer que o governo Lula apresentou esta semana, com bons exemplos dos efeitos práticos na renda efetiva de várias categorias, o Projeto de Lei que amplia a isenção do Imposto de Renda na fonte para quem ganha até R$ 5 mil mensais, visando recuperar a popularidade para as eleições de 2026. Para começar, o que vai melhorar a sensação de alívio inflacionário, em 2025, será o comportamento mais estável do dólar e a baixa dos preços dos alimentos com a supersafra de grãos. Sem isso não se cria ponte para 2026.
Como o PL terá de ser discutido no Congresso, que demonstrou restrições iniciais à ideia da compensação da perda de R$ 27 bilhões em arrecadação, em benefício de mais de 10 milhões de brasileiros (incluindo reduções escalonadas até quem ganha R$ 7 mil mensais), com a maior taxação gradativa, atingindo um máximo de 10% para quem ganhar mais de R$ 50 mil mensais (os 10% atingiriam pouco mais de 141 mil contribuintes que ganham mais de R$ 1 milhão/ano, incluindo a renda de dividendos e juros sobre capital próprio no cômputo da renda ), acredito que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, terá de ser mais didático e paciente para convencer uma faixa do Congresso que parece ter feito uma escolha preferencial pelos mais ricos.
Na verdade, o mesmo Congresso eleito em 2022, que aprovou a Reforma Tributária sobre o consumo (que alivia, a partir de 2027, a alta carga tributária que incidia sobre os pobres e a classe média no consumo), precisava complementar a Reforma Tributária na parte referente ao Imposto de Renda. No ano passado, houve resistência, mas foi aprovado (fins de 2023) o fim da isenção de impostos aos fundos individuais de investimento dos bilionários no Brasil e dos fundos milionários “off-shore” (em dólar) de aplicações em paraísos fiscais no exterior (muitas vezes fazendo turismo para especular com a diferença de juros entre Brasil e Estados Unidos). Agora, o Congresso precisava completar a reforma do Imposto de Renda, ampliando a justiça tributária, que deixa os super-ricos pagando muito pouco IR no Brasil. Ao contrário dos países da OCDE, onde 65% da arrecadação vêm da renda e dos impostos sobre o patrimônio, e apenas 35% vinham do consumo, no Brasil era o consumidor que bancava 65% da arrecadação.
Considero hipocrisia um empresário do comércio reclamar que paga muitos impostos (e a Associação Comercial de São Paulo criou, desde o fim do século passado, o “Impostômetro”), quando quem paga a grande conta do “Leão” sobre o consumo de bens e serviços somos nós consumidores. Comerciantes, prestadores de serviços e bancos e financeiras apenas recolhem à Receita (quando recolhem), o que deixamos em seus cofres.
Quando o presidente Lula apresentou o PL do IR, o presidente da Câmara, Hugo Motta, saiu-se com um discurso enviesado de que era preciso garantir o equilíbrio fiscal com cortes de gastos do governo (isso sem qualquer corte nas bilionárias emendas parlamentares). E o líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcanti (RJ), disse que a carga tributária está atingindo pobres e ricos. Trata-se de uma interpretação invertida do espírito da Reforma Tributária do IR, já chamada de “Tributação Robin Hood”, que atinge os ricos para bancar os programas sociais de transferência de renda.
Inflação e juros no radar
A semana econômica será movimentada no Brasil, enquanto os trabalhos do Congresso, que mal engrenaram, sofrem descontinuidade com as viagens dos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP),com outros deputados, senadores, ministros e empresários na comitiva do presidente Lula para uma visita de Estado ao Japão. Os nipônicos eram o primeiro mercado das exportações brasileiras na Ásia no final do século passado, e a conquista o cerrado, como o novo celeiro do Brasil, surgiu com o forte apoio japonês às pesquisas de sementes da Embrapa para o cerrado nos anos 70. Mas o crescimento da China desviou tanto a produção de grãos, quanto de minérios, petróleo e carnes para os portos chineses. Quando Trump cria barreiras protecionistas, retomar os laços com o Japão é muito importante para os negócios.
Como a primeira-dama, Janja da Silva, viajou para o Japão e o Vietnã antes da visita presidencial, no voo de Lula, neste fim de semana, não haverá desculpas da interferência da primeira-dama para desviar o presidente de conversas bilaterais. Ou seja, Lula terá mais liberdade para fazer o que melhor sabe: seduzir recalcitrantes na política. E Lula e Janja, no Vietnã, poderão verificar “in loco” o estrago na safra de café (tipo robusta) do 2º maior produtor de café do mundo, razão da disparada dos preços do café em todo o mundo e no Brasil.
E após o Congresso superar três meses de letargia desde o recesso de 20 de dezembro, com a eleição das comissões na Câmara e no Senado, foi possível aprovar o Orçamento Geral da União de 2025. A nova ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, atuou fortemente e aceitou um pleito do Congresso: a absorção no OGU 2025 de mais de R$ 11 bilhões de emendas parlamentares aprovadas, mas que não tiveram desembolso em 2024. Se a moda pega, o ano pode fechar novamente com emendas rolando para 2026.
O mercado financeiro e os agentes econômicos estão fazendo contas para acreditar na promessa de superávit primário (receitas menos despesas, sem contar os pesados juros da dívida pública) de R$ 15 bilhões este ano. As projeções dos bancos variam de déficit de R$ 58,6 bilhões (0,4% do PIB), pelo Bradesco, a déficit de 0,7% do PIB (mais de R$ 100 bilhões), pelo Itaú. Parte da diferença dos cálculos tem a ver com o crescimento do PIB (e arrecadação de impostos e encargos sociais). O governo reviu de 2,5% para 2,3%; o mercado espera menos de 2%, após 3,4% em 2024 (o mercado previa 1,8%).
Por isso, os agentes econômicos e políticos estarão atentos esta semana à divulgação da Ata do Comitê de Política Monetária do Banco Central, na terça-feira, 25, e à divulgação do IPCA-115 (a prévia do IPCA de março) que o IBGE revela na quinta-feira, 27. O Bradesco está projetando alta de 0,71%. No mesmo dia, em complemento à Ata, o Banco Central, à frente o presidente Gabriel Galípolo, divulga o “Relatório de Política Monetária”, com mais informações sobre o futuro da economia, sobretudo o cenário da inflação e dos juros no 4º trimestre de 2026. O relatório marca a gestão Galípolo, que resolveu mudar o nome do antigo Relatório Trimestral de Inflação. Já não era sem tempo. Espera-se que o Relatório de Política Monetária não repita os erros grosseiros do RTI sobre PIB, Inflação e balança comercial. Também serão conhecidos dados do mercado de trabalho de fevereiro.
O sincericídio de Jair Bolsonaro
Depois do enorme fiasco de público e de presenças políticas no comício pela sua anistia, domingo passado, na Praia de Copacabana (muito menor que o esvaziamento que previ), ao completar 70 anos, quinta-feira, 20 de março, em eventos com amigos e políticos do PL, o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, cujo julgamento começa a correr nesta terça-feira, 25 de março, cometeu uma autocrítica bem ao estilo “sincericídio”. Disse Bolsonaro, em fala gravada ao lado do filho 01, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), e do advogado Paulo Cunha Bueno, que o representa no processo sobre a trama golpista:
“Eu fui um aborto da natureza. Além de sobreviver a uma facada, na graça de Deus, obtive a minha própria eleição. Quem podia esperar que eu, um deputado do baixo clero, tido por muitos como encrenqueiro, e era encrenqueiro mesmo, conseguiria ganhar uma eleição?”, disse durante a conversa com os convidados.
“Sincericídio” à parte sobre a autoavaliação de sua obscura passagem na Câmara, onde se esmerava em elogios a torturadores e milicianos, só faltou dizer, como desculpa esfarrapada, que uma pessoa tão “descredenciada” não poderia estar à frente de articulações contra a democracia, o Estado Democrático de Direito, do desrespeito às leis eleitorais e de tramar a morte do presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alkimin e do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes.
Mas o temor de condenação e prisão por parte do ex-presidente pode ser medido na escolha do contemplado com a primeira fatia do bolo: coube a seu advogado de defesa na ação da Procuradoria Geral da República a ser julgada pela Primeira Turma de cinco ministros do Supremo Tribunal Federal.
E o STF decidiu, por 9 votos a 1, rejeitar as alegações de suspeição feitas pelos advogados dos oito mais graduados acusados, à frente dos quais está Bolsonaro, contra os três ministros da Primeira Turma: Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin. Até Nunes Marques, indicado pelo ex-presidente ao Supremo, em 2020, votou contra o pleito. O único que rezou pela “bíblia” da defesa de Bolsonaro foi o “terrivelmente evangélico” André Mendonça, nomeado em 2021.
Política e negócios
Por sinal, os 70 anos do ex-capitão serviram para reaproximar o empresário catarinense Luciano Hang, dono das Lojas Havan, do ex-presidente. Após uma crítica de Hang a Bolsonaro, em fevereiro, por tentar concentrar a sucessão de 2026 em torno da família, o indiciado da semana se afastou do carona nº 1 em suas motociatas. Aliás, também ausente em Copacabana.
Um economista que acompanha os negócios do varejo indica que a Havan passou a apresentar balanços bem melhores nos dois anos do governo Lula, com as políticas sociais de aumento da renda da classe média baixa que turbinaram o PIB e o comércio. E outro paradoxo: ao contrário de Bolsonaro, que, como Trump, elegeu a China como alvo prioritário de críticas, Luciano Hang é bem pragmático quando os negócios estão em jogo: sua Havan é a rede varejista brasileira que mais opera com produtos “made in China”.
Hambúrguer com banana
Antes que me esqueça, o anunciado autoexílio temporário (quatro meses de licença do cargo de deputado federal pelo PL-SP) do filho 03, Eduardo Bolsonaro, decisão recebida com amargura pelo pai, Jair, pelo “non sense” da decisão, justificada como uma missão para trabalhar nos Estados Unidos junto ao governo Trump e a congressistas republicanos “contra a ditadura no Brasil”, mereceria uma nova versão musical de “Chiclete com Banana”, do genial Jackson do Pandeiro. Que tal misturar hambúrguer com bananinha?
Eduardo Bolsonaro foi ausência sentida no ato do pai que “flopou” na Avenida Atlântica com ataques pesados ao STF e ao governo Lula, numa atitude que jamais seria tolerada na ditadura que seu pai e os asseclas queriam implantar no Brasil, prorrogando o mandato do derrotado ex-presidente. Eleito com 1,7 milhão de votos, em 2018, Eduardo viu seu cacife minguar para 701 mil votos em 2022, mas o pai ainda o trata como “campeão de votos”.
Na última eleição, o campeão de votos foi Nikolas Ferreira (PL-MG), com 1,4 milhão de votos, mas o pai, orgulhoso do filho que sabe falar inglês e “fritar” (sic) hambúrguer, “credenciais” que fizeram o então presidente tentar nomeá-lo embaixador do Brasil em Washington, ainda o chama de “campeão”. Puro “marketing”. Agora, que desistiu do mandado, amuado por perder a indicação para a presidência da Comissão de Relações Exteriores na Câmara dos Deputados, quem sabe Eduardo vai ser “embaixador ‘ad hoc’ do ex-governo Bolsonaro no Exílio”. O deputado campeão de votos no Brasil (em função do eleitorado na época, bem menor) foi o médico Enéas Carneiro, com 1,57 milhão de votos em 2002. A fatia de seus votos superaria 2 milhões em 2020.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)