
CIA cogitava a possibilidade de Costa e Silva fazer um governo populista, devolvendo direitos políticos – o que não ocorreu
Um relatório da Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos, datado de janeiro de 1967, analisou a iminente presidência do segundo ditador militar do Brasil, Artur da Costa e Silva, destacando os desafios cruciais que o novo líder brasileiro enfrentaria como sucesso de Castello Branco.
O relatório, intitulado “Costa e Silva, Próximo Presidente do Brasil”, descreve o momento de ascensão de Costa e Silva como “um período crítico para os princípios da administração revolucionária” que governava o Brasil desde a deposição do “presidente de esquerda João Goulart em abril de 1964.
Costa e Silva, ex-ministro da Guerra e líder do que a CIA chamou de “Revolução de 1964”, venceu facilmente a eleição presidencial indireta realizada pelo Congresso brasileiro, “sem oposição, mantendo uma forte base de apoio dentro do establishment militar brasileiro”, diz o documento.
A CIA previu que Costa e Silva manteria os princípios básicos que guiaram o governo de Castello Branco, seu antecessor, em seus esforços para reordenar o caos político e econômico herdado de governos anteriores.
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Os desafios de Costa e Silva
No entanto, o relatório apontou que o problema mais crucial e complexo que o novo governo enfrentaria seria o desenvolvimento de novos programas para fortalecer a estrutura econômica básica do Brasil e melhorar a vida do cidadão comum, mantendo simultaneamente as políticas de estabilização financeira para evitar o ressurgimento da inflação.
Outro desafio importante para Costa e Silva, de acordo com a visão da CIA, seria estabelecer uma relação de confiança com “trabalhadores, estudantes e intelectuais, algo que o regime atual falhou em fazer”.
“O Partido Comunista”, dizia a CIA, “embora desorganizado pela revolução e prejudicado pelo faccionalismo, estava começando a se reorganizar e reafirmar sua influência.” A CIA alertou que esses grupos insatisfeitos poderiam novamente se voltar para os comunistas e outros esquerdistas radicais, a menos que Costa e Silva fosse capaz de produzir benefícios tangíveis para eles no início de seu governo.
Relação com os militares
No documento, a CIA analisou ainda qual seria a relação de Costa e Silva com os militares. Em determinado trecho, afirmou que Silva “provavelmente dará prioridade aos assuntos militares. Muitos membros das forças armadas estão preocupados com as reduções consideráveis no número de cadetes oficiais e o aparente declínio do prestígio militar. Costa e Silva é favorável a aumentos salariais, melhor moradia e benefícios aprimorados para os militares – na medida do possível dentro de diretrizes econômicas razoáveis – e ele pode muito bem pressionar por armas e material modernos para melhorar o moral e o prestígio das forças armadas.
Por outro lado, havia a preocupação de que o novo presidente enfrentaria o desafio de “ampliar sua base de apoio político sem ameaçar a unidade militar. Ele declaradamente espera restaurar a democracia no Brasil e reduzir a influência militar no governo”, disse a CIA. “Para fazer isso, no entanto, e para alcançar seu objetivo de se tornar um presidente popular – um homem do povo – ele pode decidir afrouxar os controles e liberalizar as políticas a um ponto que poderia antagonizar partes das forças armadas.”
O relatório também apontou que medidas tomadas por Castello Branco facilitariam a administração de Costa e Silva, pelo menos no início. O documento cita, por exemplo, a retirada dos direitos políticos de figuras como Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart, as três grandes lideranças da República Populista brasileira. Além disso, citou a introdução de uma nova Constituição, a edição de Atos Institucionais e a aprovação de uma nova lei de imprensa.
Por fim, o relatório encerra dizendo que a maioria dos brasileiros concordava de maneira relutante com as medidas econômicas duras impostas para conter a inflação, pois esperavam que o cenário iria melhorar de alguma forma, com bons resultados econômicos e a volta das liberdades políticas.
“Se essas esperanças não forem pelo menos parcialmente cumpridas, Costa e Silva enfrentará um descontentamento cada vez mais generalizado, talvez forçando-o a um caminho mais autoritário”, apontou a CIA.
Baixe o relatório completo abaixo:
Como foi o governo Costa e Silva
O governo de Artur da Costa e Silva (1967-1969) foi um período de intensificação da repressão e de crescimento econômico no Brasil, marcado por eventos como a promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5) e o início do chamado “milagre econômico”.
Principais características do governo Costa e Silva:
- Endurecimento do regime:
- O AI-5, decretado em 1968, foi o ato institucional mais repressivo da ditadura militar, concedendo poderes quase ilimitados ao presidente e suspendendo direitos individuais.
- O período foi marcado por perseguição política, censura à imprensa, tortura e desaparecimento de opositores do regime.
- Crescimento econômico:
- O governo Costa e Silva implementou políticas econômicas que resultaram em um período de crescimento acelerado, conhecido como “milagre econômico”.
- Esse crescimento, no entanto, foi acompanhado por aumento da desigualdade social e da concentração de renda.
- Relações com os militares:
- Costa e Silva, um militar de carreira, buscou fortalecer as Forças Armadas, aumentando salários e investindo em equipamentos.
- Apesar disso, enfrentou tensões com setores militares que defendiam um endurecimento ainda maior do regime.
- Saúde:
- Costa e Silva sofreu um acidente vascular cerebral em agosto de 1969, que o afastou da presidência.
- Uma junta militar assumiu o poder, dando início a um novo período da ditadura.
Em resumo, o governo Costa e Silva foi um período de contradições, marcado por repressão política e crescimento econômico, que lançou as bases para os anos mais duros da ditadura militar no Brasil.
CINTIA ALVES ” JORNAL GGN” ( BRASIL)