A SELIC E AS ARMADILHAS DO CARTEL DO CÂMBIO

1 ponto a mais pressionará a dívida pública, não interferirá na demanda agregada, piorará o déficit primário e pouco afetará o “carry trade”.

As armadilhas da política de metas inflacionárias são infindáveis.

O investimento financeiro, quando entra no país, preocupa-se com apenas duas variáveis:

  1. A taxa básica de juros
  2. A variação do câmbio.

Suponha um investimento de US$ 100 milhões. O fundo vai ao Japão, levanta esse crédito pagando 1% de taxa ao ano.

Com o dólar a R$ 4,8, ele converte em reais, fica com R$ 480.000.000 e aplica na Selic a 13,35%. No final de um ano terá R$ 544.080.000.

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Se o câmbio estiver no mesmo patamar, ele converte os reais em dólares e sai com US$ 113.350.000. Como tem que pagar US$ 101.000.000 pelo financiamento, sua rentabilidade será de 12,2% em um ano.

Veja o paradoxo:

  1. Para cada ponto de variação da Selic, a rentabilidade anual do investimento também varia 1 ponto. Ou seja, com a Selic a 13,35, sua rentabilidade será de 12,2% ao ano.
  2. Para cada ponto de desvalorização cambial, o efeito também será de 1 ponto na sua rentabilidade.
  3. Em dezembro, com o esquema especulativo criado no mercado, quando o dólar escalou para R$ 6,34, uma desvalorização de 30%, o investidor que permaneceu com os papéis teve um prejuízo de 13,7%.

Confira a ironia desse jogo, com o dólar despencando.

Em dezembro o dólar bateu em R$ 6,20. Ontem, fechou em R$ 5,68, uma queda de 8,4%. Em 60 dias, com a Selic a 13,35%, só a valorização do Real permitiu um ganho de 11,3% no período, ou de 91,4% anualizado.

Na quadra atual, supondo a estabilização do dólar, o “carry trade” brasileiro é de 12,2%. Para efeito de comparação, a rentabilidade de um título norte-americano está por volta de 4% ao ano, o Bund alemão paga de 2,8% a 3% ao ano, assim como os títulos da França. Já os do México pagam de 9% a 11% ao ano e da Índia de 7 a 7,5% ao ano.

Esse diferencial da Selic visa exclusivamente compensar a percepção de risco do investidor externo em relação ao câmbio. Apenas isso. Se o câmbio fosse estável, a taxa poderia cair para níveis do México ou menos ainda.

A Selic é utilizada expressamente para administrar o “carry trade” – isto é, a rentabilidade dessas operações de tomada de empréstimo em um país, a um custo mais baixo, para aplicar em outro, com taxas de rentabilidade maiores.

Não visa conter a demanda agregada, mesmo porque 1 ponto a mais na taxa anual nem arranha o custo do crédito pessoal ou do crédito empresarial no país.

1% ao ano, equivale a 0,08% ao mês. A taxa média do crédito pessoal de pessoa física é entre 4% e 8% ao mês. Para empresas, entre 1,5% a 3% ao mês.

Suponha um financiamento de R$ 1.000, em 12 meses, a uma taxa de 3% ao mês. A prestação será de R$ 100,46. Se acrescentar 1 ponto na taxa anual, o valor da prestação subirá para R$ 100,96, com efeito zero sobre a demanda. Ou seja, no principal item de demanda diretamente afetado pelos juros – o crédito ao consumidor – o efeito é zero. Qual seria o efeito em outros setores?

No entanto, toda a volatilidade do câmbio nacional é alimentado pelo terrorismo em torno da questão fiscal – cuja única ameaça é justamente a dívida pública engrossada pela Selic – e pela questão inflacionária.

Sabendo, agora, o impacto do câmbio sobre o “carry trade”, voltemos agora ao que ocorreu em dezembro:

  1. Montou-se uma enorme expectativa em torno do pacote fiscal de Fernando Haddad. Depois que o então presidente do Banco Central Roberto Campos Neto deu a largada – invertendo o chamado “guidance” (a orientação que o BC pretende dar à política monetária) -, começou o terrorismo midiático sobre a questão fiscal.
  2. Em todo movimento especulativo, define-se uma data de corte – aquela que marcará o pico do movimento. Nesse caso, foi o dia do anúncio das medidas fiscais por Haddad.
  3. Nos meses imediatamente anteriores, monta-se um cartel de bancos – com alto poder de atuar nos mercados -, que passa a adquirir títulos dolarizado. O dólar começa a subir.
  4. Final de ano é período em que as multinacionais convertem seus lucros em dólares, para remeter para as matrizes. Portanto, sazonalmente há maior procura por dólares.
  5. O movimento especulativo é deflagrado quando um dos donos do dinheiro – o JPMorgan – anunciou que transferiria dinheiro do Brasil para o México, porque o “carry trade” do Brasil era menor. Era menor por que? Justamente pela desvalorização do real. Aí começa o estouro da boiada porque – conforme você conferiu na tabela – desvalorizações adicionais de real trariam mais prejuízos para os investidores. 
  6. Começa o estouro da boiada, com multinacionais e fundos correndo atrás de dólares. E o cartel passa a vender, embolsando o lucro.

Passado esse período, o que se tem agora? A situação fiscal é a mesma de dezembro. Não apareceu nenhum fato novo. Aliás, o único que surgiu foi negativo – o aumento do IPCA anual. No entanto, o dólar se acalmou e caiu 8%.

Agora, discute-se novamente a Selic. 1 ponto a mais pressionará a dívida pública, não interferirá em um cêntimo na demanda agregada, piorará o déficit primário e afetará minimamente o “carry trade”.

Moral da história: enquanto o Banco Central não se livrar da armadilha e não começar a atuar pesadamente contra o cartel do câmbio, continuará prisioneiro da armadilha da Selic elevada.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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