
Peça 1 – os novos tempos do trumpismo
As características da geopolítica de Donald Trump e do capitalismo de catástrofe já estão delineadas:
- combate à globalização, entendida como livre fluxo de comércio;
- destruição dos Estados nacionais;
- disseminação do discurso de ódio e do individualismo como motores da ultra-direita;
- a partir daí, controle do mundo pelas big techs e mercados financeiros, embora sujeito a fricções entre ambos os grupos.
Peça 2 – o controle do dinheiro mundial
A crise de 2008 consolidou, inicialmente, o poder dos grandes bancos globais.
Segundo a BBB News, os 28 maiores bancos do mundo passaram a dominar os mercados financeiros, com um controle significativo sobre o fluxo de capitais globais.
Ampliou a concentração de poder, houve poucas mudanças pós-crise e essas instituições continuam sendo estratégicas na alocação do crédito e na criação de crises financeiras. Ficou nítido o papel do JP Morgan na crise cambial brasileiro de dezembro passado.
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Ao mesmo tempo, os grandes fundos globais passaram a atuar sobre um universo cada vez maior de companhias, como tem alertado o economista Ladislau Dowbor.
Entrou-se em uma espiral financeira que impede qualquer aumento do investimento público ou privado. De um lado, os grandes fundos acionistas exigem aumento continuado dos dividendos, tendo como parceiros os CEOs, e sacrificando investimentos no crescimento, manutenção e consolidação das companhias. De outro, os spreads bancários tirando enormes volume da economia e dos investimentos.
O modelo exaure as empresas privadas, obrigando a vender o futuro para gerar dividendos; e o governo, obrigando a aumentar juros da dívida pública e cortar toda forma de gastos.
Peça 3 – padrão Jack Welch
O primado dos grandes fundos internacionais, exigindo cada vez mais dividendos e retorno do capital – em detrimento do próprio futuro da empresa -, consagrou-se no chamado padrão Jack Welch – o executivo que alçou a General Eletric às alturas e, depois, contribuiu decisivamente para sua derrocada,
São características desse modelo:
- Cultura dos cortes e pressão excessiva.
- Desvalorização dos empregos tradicionais e terceirização excessiva
- Foco excessivo no lucro de curto prazo
- Cultura do medo e do stress
- Impacto negativo na inovação
- Falhas éticas e escândalos
Os ameaçados pela globalização são identificáveis:
Peça 4 – as limitações do governo
O governo Lula se vê acuado por três frentes:
- mercado-mídia, com o terrorismo fiscal e inflacionário;
- Congresso, se apropriando do orçamento;
- falta de um projeto claro de país, como principal fator da perda de popularidade, que acaba se manifestando nas críticas à carestia – que é apenas um subproduto da decepção com a ausência de sonhos.
Por outro lado, o modelo internacional em vigor, é ameaça clara a um conjunto de atores econômicos:
- os trabalhadores, pela consolidação do método Jack Welch;
- as grandes empresas internacionais do setor produtivo, alvos fáceis de jogadas dois grandes fundos, através da mera manipulação do câmbio. Confira um exemplo hipotético: uma multinacional iniciando o ano com projeção de lucro líquido de R$ 15 milhões, com o câmbio a R$ 4.80. Basta um movimento especulativo jogando o câmbio em R$ 6,20 (como ocorreu em dezembro), para seu resultado, em dólares, ter uma queda de 22,6%.
- os grupos nacionais do setor produtivo – industriais e do varejo -, sendo espremidos pela competição internacional, especialmente das grandes plataformas;
- as Pequenas e Médias Empresas, tendo que enfrentar cada vez mais a competição chinesa.
Peça 5 – o Plano de Metas de JK
Juscelino Kubitschek enfrentou cenário semelhante quando presidente: sob ataque constante da imprensa, ameaça de golpe militar, inflação, contas públicas e externas no pandareco.
Mesmo assim, com seu Plano de Metas virou o jogo.
Consistia, de um lado, na criação de um conjunto de Grupos Executivos.
O plano focou em 5 setores principais. Energia, Transportes, Alimentação, Indústria de Base e Educação eram essenciais. A interdependência desses setores impulsionaria o desenvolvimento. GTs foram formados para cada setor, com metas específicas:
- Energia: geração e distribuição.
- Transportes: integração do território nacional
- Alimentação: aumento da produção e distribuição.
Havia um setor exclusivo para a reestruturação industrial:
- GEIA – Grupo Executivo da Indústria Automobilística
- GEICON – Grupo Executivo da Construção Naval
- GEIMEPE – Grupo Executivo da Indústria da Mecânica Pesada
- GEAMPE – Grupo Executivo da Assistência à Média e Pequena Empresa
Entre outros feitos, o plano lançou o Programa Nacional de Fabricação de Veículos a Motor, aprovou 17 projetos e implantou 12.
O plano focou em 5 setores principais. Energia, Transportes, Alimentação, Indústria de Base e Educação eram essenciais. A interdependência desses setores impulsionaria o desenvolvimento. GTs foram formados para cada setor, com metas específicas.
O programa atraiu pesos-pesados de diversos setores, obedecendo a condições impostas pelo governo: participação do capital nacional e fornecedores nacionais.
Peça 6 – a estratégia à disposição de Lula
Lula tem inúmeros instrumentos à mão para virar o jogo. Não vira, se não quiser. Há duas frentes prontas para serem acionadas, cujo objetivo final é o da construção da solidariedade nacional.
Frente 1 – a reestruturação industrial.
Já está em andamento, com alguns resultados palpáveis, mas sem ter se tornado peça central do governo. Atribui-se ao fator Rui Costa, que possui uma guilhotina pronta a cortar o pescoço de qualquer ministro que ouse se destacar.
Já há duas iniciativas prontas para serem turbinadas.
- Transição Energética, de Fernando Haddad
- Nova Indústria Brasileira, de Geraldo Alckmin.
Ambas definiram metas, articulam ações, fazem o meio campo com outros ministérios e com agentes econômicos. E envolvem milhares de empresas dos mais variados setores
Energia renovável | Energia solarEnergia EólicaHidrelétricaOutras – biomassa, geotermia, energia oceânica |
Armazenamento | BateriasEm larga escala |
Eficiência energética | Soluções inteligentesEletrodomésticos e veículos eficientes |
Redes inteligentes | Modernização da infraestruturaMicro-redes |
Mobilidade sustentável | Veículos elétricosBiocombustíveis |
Captura e armazenamento de carbono | Tecnologias de capturaArmazenamento subterrâneo |
Sustentabilidade e responsabilidade social | Novos modelos de negócio•Certificações e selos |
Frente 2 – o Arranjo Produtivo Digital
Um dos grandes ativos nacionais é a profusão de organizações públicos e privadas com distribuição nacional: sistema S, cooperativismo, confederações de empresas e de trabalhadores, evangélicos do bem, agricultura familiar, movimentos sociais, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Correios.
O principal se tem. Falta apenas imaginação criadora para juntar todas essas peças em um grande programa de mobilização nacional.
Uma das idéias é criar uma grande plataforma de produção, com grupos de pequenos produtores divididos por tipos de produção: têxtil, vestuário, mobiliário etc.
Haverá uma campanha estimulando o cadastramento das PMEs em portais próprios.
Depois, cada uma delas será certificada pelo SENAI e pelo SEBRAE de sua região.
A certificação é o atestado de que ela tem condições de produzir de acordo com critérios de qualidade e rapidez.
Caberá ao projeto organizar os produtores para negociar com as grandes plataformas.
Eles poderão ser produtores para marcas conhecidas, ou – com assessoria do Sebrae e do BB – montar sua própria linha de produção e marcas próprias.
As Brigadas da Informação.
Para dar visibilidade midiática ao projeto:
1. Criação de Brigadas da Informação, formadas por técnicos do Senai, Sebrae, Banco do Brasil e governo.
2. Seleção de cidades e empresas para receber a visita das brigadas.
3. Evento público com as empresas e os arranjos, visando estimulá-las para a certificação e para o projeto.
4. Cada cidade será tratada como Polo de Desenvolvimento.
5. Inauguração do Polo, com presença da ABDI, CNI, da Federação de Indústria local, dos sindicatos e de autoridades do governo, como o Ministro do Desenvolvimento e o próprio Presidente da República
Peça 7 – à guisa de conclusão
Enfim, Lula tem à mão todos os ingredientes para marcar definitivamente o modelo Lula 3, preparando o país para o maior desafio da sua história: ou reencontrar a vocação de grandeza, que se perdeu nas dobras do tempo, ou entregar-se ao bolsonarismo-tarcisismo, que significará o fracasso final como projeto de nação.
Uma bandeira mobilizadora da sociedade, de trabalhadores, empresários, crentes de todas as religiões, terá o condão de fornecer ao presidente a força política para superar as restrições do Congresso e do mercado.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)