
Durante décadas, os Estados Unidos apoiaram seus amigos e dissuadiram seus inimigos. Agora, Trump está pressionando seus aliados e buscando acordos com adversários como a Rússia. Os aliados europeus e asiáticos não podem mais ter certeza de que Trump ou um vice-presidente como JD Vance lutarão ao lado deles se o pior acontecer. Em todo o mundo, os aliados temem que “América em Primeiro Lugar” signifique que eles ficarão em segundo, terceiro ou até mesmo em último lugar. (…) A Europa deveria colaborar mais estreitamente com o Japão e a Coreia do Sul em comércio, tecnologia e defesa. “Isso ajudaria a preservar uma ordem liberal alternativa, embora muito inferior à original.” Assim começa a matéria de capa da última edição da The Economist, intitulada “A Nova Política Externa Americana”, ilustrada com uma mão apertando o globo.
Nesta coluna do último domingo, refletimos sobre o fim da ordem mundial que surgiu após a Segunda Guerra Mundial, com os Estados Unidos como protetores da Europa. Na quarta-feira, Trump foi mais do que explícito quando disse ao chefe da OTAN, Mark Rutte, que “a União Europeia foi criada para prejudicar os Estados Unidos”. Poderíamos acrescentar a alegria deles pelo Brexit, que retirou sua segunda maior economia e maior poder militar da União Europeia: a Inglaterra, a sexta maior do mundo, superada apenas pelos próprios Estados Unidos, China, Alemanha, Japão e Índia. Logo atrás da Inglaterra estão a França e a Itália.
Mas o produto interno bruto (PIB), como reflexo do poder econômico, não é o principal fator de poder; caso contrário, Trump não chamaria o chefe de governo do Canadá, cuja economia tem um PIB maior que o da Rússia, de governador. Para Trump, a maior potência “europeia” é a Rússia, assim como Putin lembrou a Macron em resposta a ele quando o chamou de “imperialista”: ele não deveria esquecer como Napoleão se saiu quando entrou em conflito com seu país.Os autoritários não gostam disso.A prática do jornalismo profissional e crítico é um pilar fundamental da democracia. É por isso que incomoda aqueles que se acreditam donos da verdade.Hoje mais do que nunca
O Pacto de Varsóvia, um tratado assinado em 1955 para combater o Tratado do Atlântico Norte (OTAN) assinado seis anos antes, incluía metade da Europa, além da Rússia (antiga URSS). A Cortina de Ferro se estendia por metade da atual Alemanha, Polônia, Hungria, Lituânia, Letônia, Estônia, Albânia, os atuais países: República Tcheca, Eslováquia, Croácia, Eslovênia, Sérvia, Kosovo, Montenegro, Macedônia, Bósnia e Herzegovina, além da Ucrânia, além de ter dois estados neutros: Áustria e Finlândia como barreiras entre os países do Pacto de Varsóvia e os da OTAN.
No livro A Nova Idade Média de Umberto Eco, Furio Colombo, Giuseppe Sacco e Francesco Alberoni, este último no seu capítulo “Hipóteses sobre a distribuição do poder” explica assim: “Durante os últimos cento e cinquenta anos, o poder de uma nação, visto numa perspetiva de longo prazo, foi fundamentalmente determinado pelo grau de desenvolvimento tecnológico e pela dimensão do seu território: P = f (S, T).
Mas território é aquele sobre o qual a autoridade soberana do Estado é exercida. Ou seja, territórios extra-estatais, protetorados, colônias, economicamente subordinados, não contam; A única coisa que conta é o território metropolitano em sentido estrito, entendido não apenas legalmente, mas também historicamente. Os únicos países que tinham essas condições no final do século XIX eram a Rússia e os Estados Unidos. (…) A Inglaterra tinha um vasto império, é verdade, porque seu território metropolitano era muito modesto.”
Em outras palavras, as nações europeias compartilhavam um território que, quando combinado, era grande, mas não tinham um estado comum, ao contrário da Rússia e dos Estados Unidos. E a União Europeia veio tentar resolver essa lacuna avançando, depois da queda do Muro de Berlim, para a parte da Europa que fazia parte do Pacto de Varsóvia até chegar à Ucrânia.
Mais tarde, Francesco Alberoni recomenda para sua própria Europa: “A função de potência P = f (S, T) refere-se ao Estado. T é importante porque representa o grau de autarquia possível, ou seja, autonomia possível. Os Estados que desejam atingir o máximo P devem obter o máximo S (já que T é dado) e tender à autonomia no “desenvolvimento técnico-científico” em que reside seu poder militar.
Não no final do século XIX, mas a partir da segunda metade do século XX, a China é outro país que tem um grande território unificado, não apenas pela administração de um estado comum, mas também historicamente justificado (língua, cultura, religião, valores). Os Estados, como muitos países do Leste Europeu demonstraram, podem mudar suas fronteiras, e o que realmente une uma população a um território é sua justificativa histórica.
Os próximos na lista de maiores territórios e populações são Índia e Brasil, razão pela qual Trump se opôs tanto aos BRICs, que os aproximaram da China e da Rússia. Mas para a diplomacia russa, o Brasil não conta, porque não tem uma bomba atômica (como a Índia) e, da perspectiva dele, você não pode ser uma potência econômica sem também ser uma potência militar para defender seus interesses econômicos. Uma lição que agora deixou sua marca na Europa, onde até mesmo o Partido Verde Alemão suspendeu seu veto ao investimento em defesa e está gradualmente deixando de depender dos Estados Unidos para protegê-lo da Rússia.
A Idade Média, também conhecida como “idade das trevas” e a escuridão, oposta ao iluminismo do Renascimento, teria hoje um novo ciclo segundo Furio Colombo, pois “o golpe do poder tecnológico despojou as instituições de conteúdo e abandonou o centro da estrutura social” e o poder “organiza-se abertamente fora da zona central e intermediária do corpo social, em direção a uma zona livre de deveres e responsabilidades gerais, revelando assim aberta e inesperadamente o caráter acessório das instituições”.
Não há paz sem instituições que mantenham compromissos recíprocos e equilíbrio entre as nações, algo que Donald Trump estaria minando hoje. O artigo de hoje no PERFIL apresenta George Hawley, um dos maiores especialistas do mundo no movimento conservador americano e no radicalismo de direita. Na entrevista, ele explica em detalhes o que podemos esperar de Trump em seu segundo mandato, e da sociedade americana como um todo. Ele comparou a emotividade dos eleitores de seu país à dos torcedores de um time esportivo, combinada com “níveis espantosos de ignorância política”.
JORGE FONTEVECCHIA ” PERFIL ” ( ARGENTINA)