
Com Que Roupa? (Barbearia Espiritual Discos), o novo EP de Carlos Careqa, é um álbum criado para demolir convenções, vocação primeira de um artista sempre disposto a profanar o usual. Algo que ele faz com a convicção de quem não se vale apenas de seu canto meio rouco, teatral de tudo e anticonvencional. Faz com a coragem de um Davi que desafia os Golias do mercado.
Queimando convenções, substituindo o usual pelo desvelo de seu talento, sua obra fala por si, e fala, também, por outros que não se cansam de ouvir suas “descomposições”.
Influenciado por Chico Mello (compositor curitibano residente em Berlim), Carlos Careqa vai mostrando as canções de Noel Rosa através de uma interpretação original, levada às últimas consequências. Como um Mario Reis do século XXI, CC deu o passo mais certeiro para fazer deste novo trabalho algo especial. Ao trazer para o álbum o multi-instrumentista Marcio Nigro – parceiro identificado com as maluquices que lhe foram apresentadas por CC –, elevou andares acima tudo o que se poderia imaginar de uma concepção instrumental para interpretar Noel Rosa.
Carlos Careqa e Marcio Nigro não temeram conspurcar o trabalho do icônico compositor da Vila Isabel. Ao contrário, idolatraram sua tradição por um viés oposto, dando-lhe jeito renovado em sua pureza e acrescentando intenções musicais que só os grandes têm coragem de fazer. Agora, ao EP.
“Com Que Roupa?” vem com levada da produção eletrônica de Nigro. CC canta em duas vozes que se sobrepõem. Suas divisões rítmicas atraem suingue pro samba.
“João Ninguém”: a capella, CC entra em cena. Nigro traz a harmonia arritmo. A tragédia do João Ninguém palpita sobre acordes que se repetem. Logo, a levada ganha ritmo, acirrando a história tristonha do personagem.
“Palpite Infeliz”: o samba vem como se tocado numa caixa de fósforos. CC brilha. O suingue desponta. O bom humor de Noel flui na interpretação de um não-sambista, mas que canta como se fosse um. E assim vai até o momento em que Nigro muda a pegada, com acordes eletrônicos repetidos, e chama CC, que se ajunta a ele.
“Três Apitos”: o ritmo marcado repetidamente pelo computador de Nigro deixa CC cantar a saudade do amante rejeitado. Com voz intensa, ele deixa ver que com ela a intenção original de Noel ganha novo e mais triste enredo. Uma pausa teatral antecede o fim do arranjo.
“Último Desejo”: CC vem a capella. Nigro usa sons eletrônicos repetidos, tocados em blocos, que se confundem com ruídos metálicos. Mesmo com algumas notas diferentes da original, com voz sussurrada, CC reforça a dramaticidade dos versos, cantando-os como ainda não se ouvira.
Olha só, Carlos Careqa, certa vez eu escrevi que você, por ser um esquadrinhador irrequieto, um alucinado “desarrumador” de convenções, tem bicho carpinteiro nas ideias. Graças aos deuses, você continua tendo.