LULA DEVE SE ACALMAR, POIS SUPERA BOLSONARO

CHARGE DE MIGUEL PAIVA ( BRASIL)

Há muito tempo digo que os presidentes e governantes brasileiros, em vez de terem em seus jardins (seja no Palácio da Alvorada ou na Granja do Torto) aves do cerrado, como as emas, seriemas ou exóticas, como pavões, faisões e araras, deveriam ter, como um exercício prosaico de humilde autocrítica, um bando de galinhas d’Angola. As aves, do porte de uma galinha, com as penas pretas e brancas, em estilo xadrez, têm como hábito comer insetos, bichos peçonhentos, como escorpiões e carrapatos. Mas, sua principal característica é o canto matinal com o som de “Tô fraco, tô fraco”. Seriam muito mais eficientes para que os governantes fizessem autocrítica permanente ao despertarem, do que relatórios de ajudantes de ordens e de assessores que trazem um resumo do que se fala dos governantes na imprensa e/ou nas mídias sociais.

O presidente Lula, um homem com muita experiência de vida, já deve estar calejado contra os bajuladores e as situações emergentes. No auge das denúncias do mensalão, quando chorou numa entrevista à TV, em 2005, a ponto de muitos expectadores imaginarem que poderia renunciar, mas deu a volta por cima. Assessores criaram o mote “deixa o homem trabalhar”, a fervura da água baixou e acabou reeleito em 2006. Terminou o 2º governo com recorde de popularidade e a economia crescendo 7,5% em 2010, após queda de 0,2% em 2009, como reflexo da crise financeira mundial de 2008, e ainda elegeu Dilma Roussef como sua sucessora (que ajudou a reeleger em 2014).

Mas parece que agora o presidente, sem uma base sólida de apoio no Congresso (Câmara e Senado, e dependendo de Gleisi Hoffmann baixar o radicalismo como ministra negociadora política), anda abalado não só com as pesadas críticas orquestradas pela oposição nas redes sociais. Mais ainda, o presidente da República parece estar obsessivamente preocupado em derrubar a inflação num passe de mágica, para recuperar a popularidade, que tem se esvaído nas últimas pesquisas de opinião pública.

É verdade que os preços dos alimentos dispararam – pela ocorrência de uma “tempestade perfeita”: choques climáticos (no Brasil e no exterior) e a escalada do dólar desde setembro, quando a candidatura de Donald Trump parecia imbatível (o que se confirmou), empurraram para cima os preços do leite e seus derivados, do café (por causas domésticas e pela quebra das safras devido à falta de chuvas no Vietnã, o 2º maior produtor, e na Indonésia, o 5º produtor). Mas houve também a disparada dos preços da laranja, do limão e outras frutas, além da carne bovina (que arrastou para cima os preços das carnes suínas e de frango, porque a quebra das safras da soja e do milho em 2024 encareceu os custos das rações animais, com impacto também nos ovos (situação que se repetiu nos Estados Unidos, atacado por gripe aviária). Esta não chegou ao Brasil, maior exportador de carne de frango do mundo. Mas todo cuidado é pouco.

Um dos focos da escalada, a disparada do dólar, que chegou a atingir R$ 6,3144 em meados de dezembro, já chegou a reverter 10%. Na sexta-feira, com nova turbulência mundial nos mercados de câmbio, causados pelas idas e vindas de Donald Trump sobre a aplicação de tarifas, o dólar voltou a subir um pouco e fechou a R$ 5,7005, o que representa uma baixa de 8,3% em relação ao pico de dezembro, e teve influência na reversão dos preços no atacado. O problema é a baixa demora a chegar ao varejo e ao bolso dos consumidores, que já acordam com a sensação de inflação em alta já no café da manhã.

Entretanto, Lula devia ter sido informado por seus assessores econômicos (um de seus “espíritos santos de orelha” era o ex-ministro Delfim Netto, cuja máxima é de que governo tem de ser igual a uma quitanda: abrir cedo com as berinjelas expostas). E saber esperar pela colheita das boas notícias no campo da inflação, que deve dar um salto em fevereiro (a LCA Consultores está prevendo IPCA de +1,27%, depois que a prévia do IPCA-15 deu +1,23%), pela alta da energia elétrica (repique de uma baixa contábil da tarifa de Itaipu, em dezembro e janeiro) e pelo aumento sazonal com Educação. Os alimentos começam a desacelerar (com exceção do café), sobretudo, leite, carne e frutas cítricas. E tende a baixar em março e abril como a movimentação da safra recorde de grãos (mais de 10% na soja).

Gordo, Delfim apreciava pratos com berinjelas, pois ajudavam a baixar o colesterol. Outro assessor econômico que Lula ouvia com assiduidade era o economista Luiz Gonzaga Belluzzo. Palmeirense e calmo, Belluzo se dava bem com o corintiano e tinha a vantagem de ter uma visão estruturalista bem ampla da economia e das suas implicações na política. Se se deixar guiar pelas manchetes dos jornais e editorias de Economia, que privilegiam hoje gestores de carteiras de investimentos (que visam o mais rápido retorno das aplicações financeiras, com defesa dos juros altos), Lula pode se irritar. Ele tinha motivos para criticar os juros altos com Campos Neto e continua tendo com Gabriel Galípolo, porque os banqueiros (inclusive o Banco Central) me lembram Eça de Queirós a pregar sempre contra o Bei de Túnis, à falta de um Judas à mão para malhar…

Mas Belluzzo há de ponderar a Lula que o estado geral da economia não podia ser melhor em seu 3º governo. O PIB cresceu 3,4% em 2024, acumulando 6,7% em dois anos, mais do que os 5,63% dos quatro anos de Bolsonaro. O desemprego nunca esteve tão baixo e a renda das famílias cresceu 8,1% em dois anos, contra 6,84% nos quatro anos de Bolsonaro. Esfriada a inflação, o horizonte oferece ótimas perspectivas para a reeleição de Lula.

As grades da separação

Já Bolsonaro, está inelegível e às voltas por se defender das cinco pesadas acusações do Procurador Geral da República, Paulo Gonet, de conspirar, em fins de 2022, contra o Estado Democrático de Direito, incluindo atentados contra a vida de Lula, do vice, Geraldo Alkimin, e do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, ministro-relator do processo contra o 8 de janeiro de 2023. O processo deve desgastar sua popularidade junto a camadas da sociedade, sobretudo por posar de perseguido.

Mesmo que a economia desacelere este ano e no próximo (as estimativas dos bons economistas são de expansão em torno de 2% este ano e de pouco mais de 1,7% em 2026), o Produto Interno Bruto terá crescido 10% no seu governo. Lula acha que pode mais (tem liberado recursos, como o saque do FGTS para as famílias acertarem dívidas pendentes), e reduziu tarifas de importação de produtos da cesta básica. Se a economia crescer 11,4% no 3º governo, terá sido mais que o dobro da fase Bolsonaro.

Mas em economia, o que vale é a sensação de bem-estar. Comida mais barata ou sem subir muito (como os 1,03% em 2023, contra 7,6% no ano passado) já seria um ótimo cabo eleitoral. Com a ressalva de que o crescimento a qualquer custo, em meio às turbulências da guerra comercial de Donald Trump, pode esgarçar as contas externas. Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Mas também é preciso não mexer no PIX sem antes anunciar ampla e previamente o porquê das mudanças.

‘Ilusões econômicas de Trump já prejudicam a América?’

Com este título instigante, e o subtítulo “O presidente e a realidade estão se afastando”, a respeitada revista britânica “The Economist” faz um breve balanço de advertência dos incompletos primeiros 50 dias do governo de Donald Trump, desde a posse do presidente americano, em 20 de janeiro. Transcrevo, a seguir, a observação do editor da revista:

“Desde que este artigo foi publicado, Donald Trump anunciou que as tarifas sobre produtos mexicanos e canadenses cobertos pelo acordo comercial norte-americano (aproximadamente metade de suas exportações totais para a América, de acordo com a Casa Branca) seriam suspensas até 2 de abril. Aumentos pesados de tarifas e incerteza significativa, portanto, ainda pairam sobre a economia mundial — precisamente o que nosso líder discute”. E ele menciona a ilustração da capa pelos efeitos inflacionários dos choques tarifários de Trump: o presidente carregando um galão de gasolina sobre montes de maços de dólares.

Eu, com a distância ainda maior do Brasil do centro da economia mundial – a revista, como vários sérios economistas e empresários americanos, teme uma profunda desorganização da cadeia de suprimentos mundiais (com integração de várias economias no processo), maior do que a gerada pela crise da Covid-19 em 2020 e 2021 – chamo a atenção para um fato que deveria deixar os americanos mais conscientes de cabelo em pé: o “leitmotiv” do governo Trump, o bilionário Elon Musk, que está encarregado de liderar o SPA para submeter o Estado americano a uma violenta dieta emagrecedora, acaba de amargar esta semana um segundo gigantesco fiasco de sua SpaceX em menos de dois meses.

Por enquanto, a única consequência prática da explosão, na quinta-feira à noite, do segundo estágio do superfoguete SpaceX Starship, poucos minutos após o lançamento das instalações da Starbase da Space X, no sul do Texas, com a nave espacial montada no topo de um foguete propulsor Super Heavy de 71 metros de altura. Em dois minutos e meio de ignição, o propulsor Super Heavy se separou, como planejado, do estágio superior da Starship, preparando-se para um pouso bem-sucedido dentro dos braços de “pauzinhos” da “Mechazilla”, ou a torre de lançamento da SpaceX perto de Brownsville, Texas. É a terceira vez que a SpaceX executa, com sucesso, a captura do propulsor pelos pauzinhos.

Mas menos de 10 minutos após o voo, a nave Starship, que havia continuado em direção ao espaço, começou a apresentar problemas. Vários motores do veículo desligaram visivelmente durante a transmissão ao vivo, e a nave começou a girar antes que a SpaceX perdesse contato com a base. A perda de sinal ocorreu aproximadamente no mesmo ponto durante esta missão que no voo de 7 de janeiro, quando a Starship explodiu sobre ilhas povoadas em Turks e Caicos, espalhando detritos. Não se sabe, exatamente onde o foguete explodiu, mas a explosão foi visível de partes da Flórida e sobre o Caribe.

Fissura entre Trump e Musk?

A ironia do caso é que coube à Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA) – um dos órgãos públicos criticados por Trump e Musk – interromper os voos para os aeroportos de Miami, Fort Lauderdale, Palm Beach e Orlando, na noite de quinta-feira, devido a “detritos espaciais caindo” até 20h ET (22h no horário de Brasília).

Coincidência ou não, enquanto mais uma aventura da SpaceX, amparada por bilionárias verbas oficiais, explodia no espaço, a imprensa americana, à frente o “The New York Times”, noticiava um quebra-pau entre Musk e altos funcionários estatais no Gabinete Presidencial na Casa Branca. A novidade é que Trump não cerrou 100% fileiras junto às posições de Elon Musk, rebatidas pelo Secretário de Estado, Marco Rubio. Segundo o “NYT”, “o presidente Donald Trump orientou os membros do gabinete na quinta-feira a se envolverem mais na decisão de quais funcionários do governo serão demitidos, em vez de esperar por diretrizes de Elon Musk”, uma mudança sutil, mas importante, na reformulação da força de trabalho federal que ele e seu conselheiro bilionário defenderam.

Trump realizou a reunião do Gabinete após semanas de tensões crescentes entre seus principais oficiais políticos, que às vezes tinham pouco ou nenhum conhecimento prévio das ações do US DOGE Service, e Musk, que alardeou seus poderes para fazer cortes abrangentes no governo. O presidente surgiu dizendo que queria que os membros de seu Gabinete “fossem os primeiros”, mantendo aqueles que consideravam eficazes em seus empregos e demitindo outros, enquanto alertava que Musk ainda detinha autoridade significativa.

“Não quero ver um grande corte onde muitas pessoas boas são cortadas”, disse Trump após a reunião, do Salão Oval. Ele acrescentou: “Elon e o grupo vão observá-los, e se eles puderem cortar, é melhor. E se eles não cortarem, então Elon fará o corte”.

A mensagem de Trump é a mais recente de uma série de medidas que sinalizam uma mudança tática, já que seu governo busca se proteger contra possíveis contestações legais em sua próxima rodada de cortes na força de trabalho federal — enfatizando que os líderes das agências têm ampla liberdade para interpretar suas proclamações abrangentes direcionadas aos trabalhadores federais, pelo menos no papel.

Ora direis, ouvir satélites…

Os versos originais de “Ora direis ouvir estrelas” são do soneto Via Láctea, do poeta Olavo Bilac, mas foram musicados parcialmente pelo cearense Belchior e gravados por vários conjuntos, como o Legião Urbana. Fiz, a propósito, a troca de estrelas por satélites ao levar um susto ao saber, em artigo do Goldman Sachs Research, a divisão de estudos e pesquisas do banco Goldman Sachs, que, nos próximos cinco anos, nada menos que até 70.000 satélites de órbita terrestre baixa (LEO) seriam lançados no espaço. Instalados em altitudes de 100 a 1.200 milhas e circulando a Terra a cada 90 minutos, esses satélites podem complementar os requisitos de dados de telefonia celular, banda larga, marítimos e de aviação. Por isso, os testes de Elon Musk e da Amazon são importantes.

Segundo a GS, a previsão do cenário-base dos analistas do banco é que o mercado de satélites cresça para US$ 108 bilhões até 2035, acima dos atuais US$ 15 bilhões. No cenário mais otimista, o mercado pode crescer até US$ 457 bilhões no mesmo período. Cerca de 53.000 dos 70.000 lançamentos estimados na próxima meia década provavelmente serão da China. Os satélites evitam “algumas das dificuldades enfrentadas pela infraestrutura terrestre tradicional – como terreno difícil ou fronteiras nacionais. Mas ainda há alguns obstáculos – como altos custos de lançamento e problemas de latência – a serem superados para a substituição dos sistemas atuais de telecomunicações. Este é outro cenário da guerra EUA-China, que envolve o mercado de chips e a IA.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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