
A equipa do Diário de Notícias analisa, em três opiniões curtas, o momento em que o primeiro-ministro, Luís Montenegro, desafiou a oposição a clarificar se o Governo tem ou não condições, sob pena de apresentar uma moção de confiança.
Da vitimização ao ataque que abre uma crise política
Nuno Vinha, Diretor-Adjunto do Diário de Notícias
A comunicação do primeiro-ministro ao país teve dois momentos. O primeiro foi um regresso à vitimização, reafirmando que já tinha dado todas as explicações necessárias sobre o caso; que não pode prejudicar o trabalho dos filhos por serem donos e gerentes da empresa Spinumviva; e afirmando que para alguns as suas explicações nunca serão suficientes.
O segundo começa com uma advertência ominosa: “A crise política deve ser evitada, mas também é preciso dizer que esta poderá ser inevitável”. As frases que se seguiram, essas sim, foram o tiro de partida para uma crise política. Porque Luís Montenegro instou os partidos da oposição a declarar se acham que, com todas estas explicações, o governo continua a ter condições totais para executar o seu programa. Sem essa resposta, sublinhou, o Governo apresentará uma moção de confiança.
Ou seja, Luís Montenegro considera que este caso não vai desaparecer por si, e que apenas pode “lavar” a face com a realização de eleições. Isto porque tanto os partidos mais à esquerda – Bloco de Esquerda, PCP ou Livre – como à direita, especialmente o Chega, com os seus 49 deputados, mais do que provavelmente votariam contra a moção. Como o PS votará, se esta moção avançar, é uma incógnita… mas estará mais perto do chumbo.
Resta saber o que pensa sobre tudo isto o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, nomeadamente se no momento atual assistimos todos “ao regular funcionamento das instituições”.
Dezasseis minutos de defesa e uma provocação final ao PS
Carlos Ferro, editor-executivo
O primeiro-ministro aproveitou os 16 minutos do seu discurso da noite deste sábado para só acrescentar um ponto ao que já se sabia: deixa, tal como a mulher, a empresa Spinumviva, que fica sob gestão dos filhos.
Quanto ao resto do tempo resumiu uma semana de notícias, criticou aqueles para quem “os esclarecimentos nunca serão suficientes”. Garantiu nunca ter cometido “um crime” e lembrou os “portugueses” que têm de “confiar nas pessoas e nas instituições e mecanismos de fiscalização”.
Pelas suas palavras parece que nada se passou nas últimas semanas – diz até que explicou tudo na discussão da moção de censura apresentada pelo Chega e que foi recusada, mas sem referir que a empresa familiar, logo ele por fazer parte da estrutura da mesma, recebeu uma avença mensal de, pelo menos, uma empresa.
Para os últimos minutos Luís Montenegro deixou um cheirinho a campanha eleitoral: enumerou inúmeros dados e ações do Governo que, segundo o líder do executivo, estão a transformar para melhor o país. Não resistiu até a ler no seu discurso que estão a ser construídas 54 mil casas públicas, o que é manifestamente exagerado.
No remate final da leitura aos portugueses ficou o que, de facto, vai ser o tema dos próximos dias: lançou o desafio aos partidos na Assembleia da República para dizerem se consideram que o Governo tem condições para continuar a executar o seu programa. Ou seja, vai surgir uma moção de confiança.
Uma jogada que coloca o ónus da continuação do Governo nas mãos dos partidos, principalmente do PS que agora tem de decidir se apoia ou vota contra e ajuda a fazer cair o Executivo.
Pedro Nuno Santos já disse que não apoiava, mas não seria a primeira vez que mudaria de opinião.
Já quanto a Luís Montenegro, talvez algum dos seus assessores lhe pudesse ter lembrado uma frase muito antiga: “À mulher de César não basta ser honesta, tem de o parecer”.
Uma questão de perceções na maioria confiante silenciosa
Leonardo Ralha, Grande Repórter e jornalista de política
Quando se é o primeiro-ministro português mais minoritário do século, afetado por um “ciclo vicioso” que o próprio assume estar para ficar e ter potencial para gerar novas “insinuações”, pouco mais resta do que contar com o receio da oposição quanto ao resultado de mais uma das eleições legislativas antecipadas que têm marcado a política portuguesa. E assim fez Luís Montenegro, rodeado de todos os seus ministros, após enumerar os processos da governação em curso, da redução de impostos à construção de habitação pública, comunicando a perceção de que a “vontade maioritária dos portugueses” é que a Aliança Democrática tenha condições para cumprir o seu programa de Governo.
Referindo a moção de confiança, de aprovação assaz incerta, tendo em conta o histórico de convergências parlamentares entre PS e Chega, como o possível último recurso para garantir a resolução dos “reais problemas” do país, Montenegro colocou-se nas mãos da perceção que Pedro Nuno Santos e André Ventura tenham dessa suposta maioria silenciosa. Aquilo que ambos dirão e farão nos próximos dias depende, mais do que da relação do primeiro-ministro com a empresa Spinumviva, daquilo que acreditarem poder resultar de umas eleições passíveis de reforçar quem se encontra no poder.
Tudo o resto da comunicação aos portugueses, incluindo a parte em que a vida da família Montenegro voltou a ficar de portas mais escancaradas do que abertas, com considerações de um pai acerca da aptidão dos filhos para a Gestão a serem expostas país inteiro, bem como a tentativa de vitimização de todo o agregado familiar – “tenho o direito de os privar de trabalhar em nome da minha carreira política?”, perguntou Montenegro, de olhos postos naqueles que o viam -, por muito que seja humano, e até compreensível, vale o que vale.
Como sucede desde que arrancou a legislatura, e assim será até ao seu fim, prematuro ou programado, tudo está nas mãos dos dois maiores partidos da oposição e da leitura que farão do que os portugueses pensam. Aliás, o próprio primeiro-ministro, pouco antes de deixar a garantia de que “nunca pratiquei nenhum crime e não tive nenhuma falha ética”, admitiu que “quem não quer perceber vai dizer que não percebeu a explicação”.
NUNO VINHA, CARLOS FERRO E LEONARDO RALHA ” DIÁRIO DE NOTÍCIAS” ( PORTUGAL)