A EMPRESA DO PRIMEIRO-MINISTRO DE PORTUGAL PRESTOU SERVIÇO À DONA DO JORNAL CORREIO DA MANHÃ, MAS NÃO REVELA DETALHES

Caso da Spinumviva, Lda suscita algumas dúvidas, fazendo a oposição pedir mais explicações. Mas fonte oficial de São Bento recusa dar mais esclarecimentos, incluindo sobre a única atividade que, segundo Montenegro, a empresa teve e que envolveu a Cofina

Quando foi confrontado pelo Correio da Manhã com o facto de a sua mulher e os seus filhos deterem uma empresa com interesses no setor imobiliário, o primeiro-ministro respondeu que nunca teve atividade nessa área, acrescentando que “do vasto objeto social dessa empresa apenas a prestação de consultoria no âmbito da proteção de dados pessoais teve execução; por ironia do destino, o grupo de comunicação social que integra o Correio da Manhã foi um dos clientes”. A VISÃO procurou obter mais informação sobre esta prestação de serviços, mas fonte oficial do gabinete de Luís Montenegro diz que não vai dar mais respostas sobre este tema.

A empresa em causa chama-se Spinumviva, Lda e foi criada em janeiro de 2021, cerca de um ano depois de Rui Rio ter vencido, à segunda volta, Luís Montenegro na corrida à liderança do PSD. Montenegro tinha saído do Parlamento em 2018 e foi por essa altura que se dedicou mais a fundo à advocacia na Sociedade de Advogados Sousa Pinheiro & Montenegro (SP&M), que fundou em 2014, e através da qual celebrou dez contratos por ajuste direto com as câmaras de Espinho e de Vagos, ambas governadas pelo PSD.

Quando chegou à liderança do PSD, a 28 de maio de 2022, Luís Montenegro vendeu a sua quota na SP&M e renunciou à gerência da Spinumviva, Lda, da qual deixou de ser sócio a 30 de junho desse mesmo ano.

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Consultoria de proteção de dados só pode ter sido feita por Montenegro

A Spinumviva, Lda continuou a ser da sua mulher, Carla Montenegro, e dos seus filhos Hugo Montenegro, agora com 22 anos, e Diogo Montenegro, de 18.

O filho mais velho, que se apresenta no Linkedin como trabalhador nas áreas de “Entrepreneurship & AI”, revela nessa rede social que trabalha “a tempo integral” na Spinumviva, Lda e tem uma licenciatura em Gestão de Empresas da Universidade Católica no Porto. A mulher, que é técnica de Educação numa IPSS em Espinho, tem duas licenciaturas, ambas na área da Educação.

Tendo em conta as habilitações académicas dos familiares de Montenegro que são sócios desta empresa, apenas Luís Montenegro, por ser jurista, estaria habilitado a prestar a “consultoria no âmbito da proteção de dados pessoais” à empresa dona do Correio da Manhã, que o próprio primeiro-ministro revelou àquele jornal ter sido a única atividade da Spinumviva, Lda.

A VISÃO quis, por isso, perceber qual a empresa do grupo dono do Correio da Manhã a que a Spinumviva, Lda prestou esse serviço e em que data. São Bento não quer dar mais esclarecimentos sobre o caso, mas uma fonte próxima de Montenegro assegura que esse trabalho foi prestado “no âmbito da aplicação do RGPD [o regime legal de proteção de dados] à Cofina”, antes de esta empresa ser a MediaLivre, e antes de Montenegro ser eleito líder do PSD, sem precisar a data.

Não é, contudo, claro o motivo pelo qual esse serviço está sido prestado à Cofina pela Spinumviva, Lda e não pela sociedade de advogados que Montenegro fundou em 2014 e da qual só se desvinculou quando chegou à liderança do PSD em 2022.

Segundo a informação financeira consultada pela VISÃO, a Spinumviva, Lda teve em 2023 um volume de vendas e prestações de serviços no valor de 235 216 euros, tendo um ativo total de 417 521,52 euros e um passivo de 66 150,70 euros. Em 2022, último ano em que Montenegro foi sócio, a empresa teve um total de vendas no valor de 415 100 euros.

De acordo com o registo comercial, a empresa tem como objeto “as atividades de consultoria de gestão e exploração agrícola, turística e empresarial; consultoria, orientação e assistência operacional às empresas ou a organismos (inclui públicos) em matérias muito diversas, tais como: planeamento, organização, controlo, informação e gestão; reorganização de empresas; gestão financeira, estratégica e organização de eventos; consultoria sobre atividade seguradora, proteção de dados pessoais, segurança e higiene no trabalho; objetivos e politicas de marketing; gestão de recursos humanos; gestão e comércio de bens imóveis próprios ou de terceiros, o arrendamento e outras formas de exploração dos mesmos, bem como o alojamento local; exploração de recursos naturais e exploração e produção agrícola, predominantemente vitivinícola”.

Os 49 prédios rústicos de Montenegro…

Segundo uma notícia do Correio da Manhã, publicada em agosto de 2024, Luís Montenegro declarou à Entidade para a Transparência ter um património financeiro e imobiliário de valor superior a 1,17 milhões de euros, que inclui cinco prédios urbanos e 49 prédios rústicos no montante de mais de 641.000 euros, de acordo com a avaliação feita pela Autoridade Tributária para efeitos de pagamento de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI).

É precisamente este património e o facto de a Spinumviva, Lda ter no seu objeto social “o comércio a gestão de bens imóveis” que fez Pedro Nuno Santos, líder do PS, pedir mais esclarecimentos ao primeiro-ministro e o líder do Chega, André Ventura, ameaçar com uma moção de censura, caso Luís Montenegro não dê mais explicações sobre o caso.

É que este Governo está, com o acordo do PS, a alterar a Lei dos Solos, simplificando a conversão de terrenos rústicos em urbanos, permitindo assim que sejam urbanizados, com uma simples autorização da câmara municipal para o efeito, valorizando em muito imóveis que até agora estavam muito desvalorizados.

E a “imprudência” de Hernâni Dias

Segundo as explicações que Luís Montenegro, deu ao Correio da Manhã, o objetivo da constituição da empresa foi incorporar na sociedade património herdado dos pais, revitalizando-o na vertente agrícola e turística. “Esse projeto acabou por nunca se realizar, porque entretanto regressei à vida política ativa”, justificou-se o primeiro-ministro, recusando qualquer conflito de interesses entre a sociedade detida pela sua família e o cargo que ocupa. A empresa continua na mão de Carla Montenegro e dos filhos, mas estando Montenegro casado com comunhão de adquiridos, o património herdado dos pais não pertence à sua mulher.

Montenegro acrescentou mesmo que “nunca foi, não é e não será objeto da atividade da empresa qualquer negócio imobiliário ligado à alteração legislativa” feita na Lei dos Solos. A resposta é muito semelhante à que foi dada por Hernâni Dias, que se demitiu do lugar de secretário de Estado, precisamente por ter constituído com a mulher e as filhas uma sociedade imobiliária já depois de ser governante, mas asseverando que não iria beneficiar da mudança na lei pela qual também foi responsável no Governo. Uma atitude que Montenegro classificou como “uma imprudência”, quando foi confrontado com o caso pela oposição no último debate quinzenal no Parlamento.

De resto, Luís Montenegro considerou, em declarações ao Correio da Manhã, não haver “nenhuma necessidade” de alterar o objeto social da Spinumviva, Lda no sentido de eliminar os negócios imobiliários, para assim excluir qualquer conflito de interesse. “Não há nenhuma necessidade disso porquanto não foi nem vai ser atividade da empresa qualquer operação imobiliária geradora de conflito de interesses. Repito, essa insinuação é absurda e injustificada”, disse ao diário.

REPORTAGEM DA REVISTA VISÃO ( PORTUGAL)

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