O TREM FANTASMA

CHARGE DE CLÁUDIO ( BRASIL)

Esses últimos dias tenho rido muito. Um riso, uma gargalhada meio sem jeito, descabida.

Lembra dos tempos em que os parques de diversões nos ofereciam além da Roda-Gigante o trem-fantasma? Aos oito, dez anos era preciso ter estômago para aguentar aquele circuito em túneis escuros, onde surgiam pessoas decapitadas, monstros com machados nas curvas de um trem que nos parecia sempre a ponto de descarrilhar.

Os momentos finais eram particularmente aflitivos, pois aparecia o esqueleto-morte com um sino a tocar como se nos viesse buscar.

Saíamos da brincadeira rindo para não mijar nas calças e agradecidos por estarmos de volta aos braços de nossas mães a nos apoiar com o sorriso que só mães sabem dar diante de nossos medos e fracassos.

Tive experiência semelhante outro dia ao assistir ao patético encontro entre Bibi e Donald, após as conversações entre o Presidente dos Estados Unidos da América e o Primeiro-Ministro de Israel.

Chamo-os de Bibi e Donald, porque a cena me parecia uma das mais hilariantes que teria sido jamais produzida pelo conhecido programa Saturday Night Live, talvez um dos mais assistidos por uma audiência de milhões, há décadas.

Donald superou em muito Baldwin, frequentemente o ator de cinema que melhor o “interpreta” no programa. Já Bibi, inimitável, deixou fluir rios de pavonice bajulatória diante do Chefe, que agradecia, quase às lágrimas, tanta veneração.

Porém, era de massacre do povo palestino que se falava.

Trump propunha criar na faixa de Gaza uma nova Riviera, cujas terras e espaços pertenceriam aos Estados Unidos e onde se poderia gozar dos maiores prazeres da hotelaria e da cassinagem modernas.

Não escapa a ninguém o conflito de interesses entre Trump e seu passado de agente imobiliário com refregas na justiça americana. Apenas os arquivistas de emendas parlamentares no Brasil imaginam como foram devidamente empurradas para debaixo do tapetão. Crime também é tecnologia: transfere-se, estatiza-se, privatiza-se, monopoliza-se e, obviamente, se recicla. Trump o quer patentear e assim dele tirar “royalties”. Novo capitalismo feudal.

Só que a limpeza étnica era tão evidente, que os próprios senhores do autoritarismo moderno logo anunciaram sua oposição à desgraça criativa de Washington. Arábia Saudita à frente.

Não há como não rir o “fou-rire” dos franceses, o riso à bandeiras despregadas de nossa própria língua, sem o imediato impacto do pavor da morte a nos tocar sininhos ao mesmo tempo.

Funções mais subalternas, Trump delega a seu escudeiro-betacoin, Musk, a tarefa de acabar com agências de assistência ao desenvolvimento e de cassar funcionários públicos. No estilo autocrático de desvario atual, demite-se por email, com o óbulo de oito meses de salário, funcionários com mais de 20, 30 anos de serviço. A alternativa: não aceitar a esmola de oito meses e sair sem qualquer “AU REVOIR”.

Na Geopolítica que a Casa Grande dedica à Senzala, aparentemente o canal do Panamá virou pântano americano. A Groenlândia, na mesma linha da faixa de Gaza, vira centro de ski de inverno do exército americano, e por aí vai.

Enquanto isso, há quem ainda veja neste senhor peripatético, um novo Messias, um pacificador e o diabo a quatro, categoria em que melhor se enquadra.

Embora sejam crescentes as reações internas americanas ao cotidiano abuso da lei e da própria Constituição, Trump tem criatividade destruidora e fiéis seguidores a nos colocar a todos em perigo.

E quando falo a todos, sequer excluo a patotinha superenriquecida que se juntou a Trump nesta mais do que óbvia destruição do Estado de Direito não só no Estados Unidos, mas no resto do Mundo. Estamos rigorosamente no mesmo Titanic. E a menos que queiramos imitar a orquestra que com ele afundou, me parece que uma reação civil se impõe.

Claro, não estou aqui a defender movimentos quixotescos e muito menos atitudes Kamicases.

Parece-me porém mais do que chegada a hora de se botar os pingos nos “is” e recordar que somos intrinsicamente vinculados ao respeito à lei e à ordem. Bem sei que os americanos já nos deram inúmeros exemplos de não aceitar qualquer lei, mesmo as que se comprometeram a honrar. Perguntem aos países em desenvolvimento que ganharam causas contra ele no âmbito da OMC. Não estou sequer mencionando a Corte Internacional de Justiça. Ou a própria ONU. Qualquer dia desses, Trump vai criar caso com o fato de ela ter sua sede à margem do East River. Podem escrever. Vai implicar também com o Secretariado da ONU “abrigar” tantos migrantes inúteis.

A que tipo de barbárie nos pretende levar Trump? Voltar à idade da pedra lascada, quando só ele terá o monopólio dos martelos? Ou nos roubar ate mesmo a capacidade de amar sob qualquer outra forma que não seja a pautada na temível ficção da canadense Margareth Atwood, em ‘Handmaid’s Tale”? Hillary Clinton, quando foi candidata a Presidente, deu um “pitaco” sobre o assunto. Mas, “patriots”, como idiotas, não leem ficção.

A loucura, já nos avisara a própria Associação Psiquiátrica Americana, tem formas e desvios a fazer com que a patologia pareça apenas excentricidade.

Não ouvimos a advertência da Associação: Trump não está capacitado para ser presidente dos Estados Unidos. Et maintenant? Lembram ?

Qualquer hora dessas, os Estados Unidos de Trump recriarão, no modelo da Alemanha nazista, fogueiras de livros. E a obra de Freud será certamente novamente queimada.

Sei que pareço um pregador de ventos. Que seja. Corro o risco do ridículo, sempre menor que o risco de vida. Ou será que também estou a correr?

Não defendo o que em bom português carioca se chama de “porralouquice”. Mas, apoiar políticos, pensadores e sobretudo presidentes de República que se manifestem contra a subversão do Estado de Direito e a ordem internacional baseada na carta das Nações Unidas é o que se impõe. Sem fanatismos,
E, sobretudo sem cinismo. Ninguém aceita e ninguém é trouxa. Às vezes, convém ser desligado. “Pero non tropo”, como diria Maquiavel.

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EM TEMPO: Sexta-feira, por ocasião do discurso dele ao receber das mãos do presidente da FGV, Carlos Ivan Simonsen Leal — a quem tive o prazer de conhecer em encontro na Itália que muito me iluminou — o prêmio daquela Fundação destinado a honrar excelsos servidores, públicos ou não, do Brasil, começando com Mauro Vieira, o Chanceler brasileiro disse, dentre outras reflexões a merecer registro, estas que abaixo transcrevo: “Com a erosão da ordem e a tentação da desordem, o mundo atravessa uma era de acentuada imprevisibilidade. Mais do que nunca, é preciso refletir sobre as coordenadas básicas do Brasil no mundo buscando a compreensão de nossas circunstâncias geográficas e de nossas especificidades históricas.( ….)

“O próprio patrono da diplomacia nacional, José Maria da Silva Paranhos do Rio Branco (…..) afirma a boa disposição do Brasil para tratar com as grandes potencias, advertindo: Não entendemos, porém, de amizade incondicional, especialmente com para os fortes”.

Com esta frase, Mauro Vieira, com primoroso toque, nos recorda a verdadeira tradição do Itamaraty.

2. Registro com prazer a seriedade e a importância do programa “Central de Debates“, da GloboNews, desta última quinta-feira passada, quando se jogou luz sobre as emendas parlamentares. Jornalismo sério e de interesse do contribuinte. Que venham outros.

ADHEMAR BAHADIAN ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

Adhemar Bahadian é embaixador aposentado

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