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Não é lenda urbana. É fato – e fotos da época comprovam. Vários soldados que tomaram de assalto o Rio de Janeiro, sob as ordens do caudilho gaúcho Getúlio Vargas (1882 – 1954), na manhã de 24 de outubro de 1930, cumprindo uma promessa do início da marcha militar, amarraram seus cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco, erguido em 1906, então às margens da Baía da Guanabara, para festejar a ampliação e a modernização do centro da capital federal, promovida pelo prefeito Francisco Pereira Passos (1836 – 1913). Contudo, ainda hoje, a chegada do “Pai dos Pobres” ao poder, há 95 anos, apesar de marcada pela grosseria de suas tropas, é comemorado em diversas partes do País.
Principalmente pelos sindicalistas. Vargas foi o responsável pela implantação das Leis Trabalhistas, que vigoram até os nossos dias, inspiradas na legislação fascista italiana de Benito Mussolini (1883 – 1945). Nascido em São Borja, a pioneira das cidades fundadas pelos Jesuítas, no século XVII, nos antigos territórios dos Sete Povos das Missões, nos contrafortes do Rio Grande do Sul com a Província argentina de Corrientes, se tornaria, em diferentes momentos, um ditador implacável nos 15 anos de seu regime. Despachando e residindo entre os palácios do Catete e da Guanabara, ambos de arquitetura neoclássica, foi idolatrado por milhões de brasileiros.
Sorria generosamente, porém, era um homem austero e considerado exemplar pai de família – casado com a conterrânea Dona Darcy (1895 – 1968), de um abastado clã da região, de sobrenome Sarmanho. Ela teve um papel destacado, como Primeira-Dama, ao liderar os projetos assistencialistas do governo – que gozava da fama de ser honesto na administração pública. E, talvez por isso, conseguiria, após a redemocratização do País, eleger-se Presidente da República, em 1950. Voltou ao Catete, literalmente, nos braços do povo, entretanto, quatro anos depois, em 1954, acabaria se suicidando no leito no palácio, amargurado e encurralado pelos inimigos políticos sob o “mar de lama” de denúncias de corrupção.
Mas também cairia por terra sua imagem de bom pai de família, devido à publicação de seus próprios diários, em 1995, pela neta Celina Vargas, e, agora, com o livro do jornalista Delmo Moreira, meu querido amigo, riograndense como Vargas, “A Bem-Amada – Aimée de Heeren, a última dama do Brasil”, no qual o “Bom Velhinho” teria vivido, entre 1937 e 1938, um romance extraconjugal com uma senhora da alta sociedade, a paranaense Aimée Sotto Maior de Sá (1903 – 2006).
Ela estava radicada no Rio de Janeiro e, então, esposa do chefe de gabinete de Vargas, Luís Simões Lopes, outro gaúcho. O sobrenome de Heerem só viria posteriormente, em um segundo matrimônio, com o milionário americano Rodman Arturo de Heeren, herdeiro de um grande magazine. Seria ela, afirma Moreira, a “bem-amada” que consta nos diários do caudilho. Ou, como aparece na capa da obra “a última dama do Brasil”. O caso amoroso secreto teria sido facilitado pelo marido gaúcho e aconteceu num período de muita tensão, assinalado por dois eventos relevantes. Primeiramente, a criação do “Estado Novo”, em 1937, seguido pela tentativa de golpe dos direitistas integralistas de Plínio Salgado (1895 – 1975), em 1938.
Foi durante o furtivo romance, curiosamente, que Vargas teria sido mais duro com seus adversários. O regime getulista foi sustentado por uma temível polícia política, que tinha como nome a sigla DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). O órgão perseguiu comunistas e integralistas, e sobreviveu até o final da ditadura militar – encerrada em 1985. O DOPS foi, sem dúvida, o legado trágico da Era Vargas.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador