UM PAPAGAIO DE PIRATA À FRENTE DA CÂMARA

CHARGE DE NANI ” BRASIL)

Papagaios de piratas são caricatos. Não pensam por si mesmo, mas falam (em língua canhestra) repetindo o que ouvem. Como geralmente ouvem mais imprecações do pirata, seu dono e feitor, aprendem mais palavras chulas e bobagens do que se fossem “educados” por um filósofo, por exemplo – se bem que filósofos não são dados a pensar em voz alta… Mas, o fato é que desde 1º de fevereiro de 2025, com as eleições das mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, temos dois novos personagens na vida pública brasileira: os presidentes da Câmara e do Senado (o conhecido senador Davi Alcolumbre, que retorna ao posto, e o novato Hugo Motta, na Câmara).

Eleito com 444 votos, votação só inferior ao recorde do mentor, o presidente anterior da Câmara, Arthur Lira, que teve 464 votos em fevereiro de 2023, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), 35 anos, o mais precoce presidente do cargo que o põe em 2º lugar na linha de sucessão da Presidência da República, danou a dar entrevistas aos mais variados meios de comunicação para mostrar seu pensamento. Antes de ser eleito presidente da Câmara, Motta passou por um curso intensivo de treinamento com aconselhamento de economistas e cientistas políticos, além de sessões de “mídia-training” para falar com desembaraço em entrevistas ao vivo na TV, internet ou para os veículos de rádio e a imprensa tradicional (jornais e revistas). Está repetindo bem os ensinamentos dogmáticos, sobretudo em economia e questões políticas. Mas, o conteúdo carece de credibilidade porque, antes de tudo, Hugo Motta precisa ter jogo de cintura e adaptar seu raciocínio às mudanças da conjuntura (teria de ter um “coach” para evitar deslizes nas entrevistas, como nesta sexta-feira, em sua terra natal).

No fim do ano passado, quando estava em campanha, o mundo estava apreensivo com as mudanças tarifárias (inflacionárias) defendidas por Donald Trump, que levaram o Federal Reserve Bank a pausar a baixa dos juros, houve escalada do dólar em todo o mundo, com especulação contra duas moedas: o iene japonês e o real brasileiro. Esta escalada, em meio ao cenário de estiagem e incêndios no Sudeste e Centro-Oeste, turbinou os preços dos alimentos e alimentou a especulação do mercado financeiro contra o dólar. E um dos argumentos recorrentes era de que a alta do dólar tinha origem na desconfiança do mercado financeiro quanto ao desequilíbrio fiscal. Ao fim de 2024, o tal déficit fiscal primário, estimado de 1% a 1,5% do PIB (R$ 200/150 bilhões) não chegou a 0,1% do PIB, ou R$ 43 bilhões, porque foi menor e o PIB cresceu o dobro do que previa o mercado. E, nos três últimos meses, as receitas cresceram mais do que as despesas.

Em economia, passado já não conta

Como Trump não adotou de imediato o choque tarifário, desde meados de janeiro e especialmente após a sua posse, em 20 de janeiro, o dólar vem caindo em todo o mundo e em especial no Brasil. Depois de ter escalado 27% em 17 de dezembro, quando atingiu o pico de R$ 6,3144, o dólar não para de cair. Baixou no fim do ano e perdeu 5,6% contra o real em janeiro. Na sexta-feira, chegou a cair a R$ 5,75, mas reagiu à tarde para a faixa de R$ 5,79. Uma baixa de 8,2% desde 17 de dezembro.

É esta reversão que o presidente Lula está querendo nos preços dos alimentos, que subiram no embalo do dólar e ganharia mais velocidade no recuo se os consumidores resistissem aos preços altos. Sexta-feira a Fundação Getúlio Vargas divulgou o IGP-DI de janeiro (o IBGE divulga o IPCA, a inflação oficial de janeiro terça-feira, dia 11): após subir 0,87% em dezembro, os preços tiveram alta de só 0,11% em janeiro. A baixa foi acentuada nos preços por atacado que subiram 1,00% em dezembro e apenas 0,02% em janeiro. Falta vir para o consumidor.

Mas vejam a síntese de bobagens que disse Hugo Motta em entrevista a jornais, rádios, internet e TV em seu estado: o presidente da Câmara voltou a cobrar que o governo faça a lição de casa para resolver o problema da alta dos alimentos: “Governo tendo mais responsabilidade com corte de gastos e despesas é o caminho”. E reiterou: “A solução para resolver a situação da alta dos alimentos no nosso país, ela não passa, na minha avaliação, por decisões simples, fáceis. Ela requer de nós decisões mais duras, passa pelo fiscal”.

Pelo visto, Hugo Motta ainda não se desligou das planilhas de treinamento e anda repetindo, como papagaio um “script” que alguns comentaristas políticos também repetem na TV, mesmo quando o dólar está mudando a realidade do cenário e o déficit fiscal está sob controle. Hugo Motta precisa atualizar a assessoria para não fazer carreira caricata como alguns antecessores oriundos do Nordeste.

Não cabe a comparação com o pernambucano Severino Cavalcanti (PP-PE). Eleito em fevereiro de 2005, como uma “zebra” – o PT quis concorrer com Luiz Eduardo Greenhalgh contra um candidato do Centrão, mas não teve maioria no 1º turno e perdeu no 2º turno, por 300 a 195 votos para Severino. O presidente da Câmara teve de renunciar em setembro, acusado de receber R$ 10 mil mensais para renovar a concessão do restaurante da Casa.

A figura caricata a que me refiro é a do presidente da Câmara no governo José Sarney, Sebastião Paes de Andrade (MDB-CE). Como Sarney assumiu a presidência como vice de Tancredo Neves, de fevereiro de 1989 a fevereiro de 1991, quando presidiu a Câmara, nas viagens de Sarney ao exterior, o cearense de Mombaça assumiu a Presidência da República e levou vastas comitivas de políticos e jornalistas para exercer o cargo na terra natal. O máximo da jequice política.

Hugo Motta está começando mal, ao associar desequilíbrios fiscais à alta dos alimentos, causada pelas mudanças climáticas e pelo dólar de Trump.

Mas o pior de tudo é que quer passar pano na ação dos golpistas que levou ao 8 de janeiro de 2023…

Socorro, Sérgio Dourado toma conta do mundo
Os leitores mais jovens não devem saber a quem estou me referindo. Mas quem nasceu nos anos 60 e transitou pela Zona Sul associa imediatamente a figura do corretor Sérgio Dourado à especulação imobiliária que atingiu os baixos de Ipanema, Leblon, Jardim Botânico, Gávea e Lagoa, além de parte de Botafogo e São Conrado. Sérgio Dourado deu poucos passos na Barra (quebrou antes do “boom” imobiliário local). Copacabana tinha sido tomada nas décadas anteriores. A construção dos túneis Santa Bárbara, ligando o Catumbi a Laranjeiras, e os dois túneis Rebouças, ligando o Rio Comprido à Lagoa, atraiu a classe média da Tijuca e regiões da Zona Norte para a Zona Sul. E a erradicação das favelas (como as áreas das antigas favelas da Praia do Pinto, da Catacumba e do Parque Proletário da Gávea), para 50 a 100 km distante, gerou a conquista de novos espaços para a construção de imóveis para a classe média. Como todo especulador imobiliário, Sérgio Dourado tinha estética extravagante e fazia de tudo para valorizar os imóveis (mesmo que não valessem o que pedia).

Era o protótipo, em escala nacional, do que viria ser Donald Trump ao herdar os negócios de seu pai, Fred Trump. Morto em 1999, Frederick Christ Trump fez sucesso em empreendimentos imobiliários para a classe média baixa nos bairros do Queens e do Brooklin, em Nova Iorque, contando com subsídios e incentivos governamentais. Era como os financiamentos do BNH nos anos 60 e 70 no Brasil. A estética da especulação imobiliária fez a festa na vasta planície da Barra, Recreio e Jacarepaguá. Mas a “indústria imobiliária” em todo o mundo vive da transformação de uma área erma em um condomínio ou conjunto habitacional. Com suporte de verbas públicas para transporte, arruamento, água e esgoto, energia, gás e serviços de telecomunicações, os projetos decolam e privatizam lucros.

No caso do Rio de Janeiro, o “boom” de três décadas se alavancou nas áreas removidas das favelas da Zona Sul, enquanto outras áreas se desvalorizavam no sentido inverso, se os arredores contemplavam a expansão de comunidades pobres. Tinha um grande amigo, já falecido, que dizia que, se dependesse do Sérgio Dourado Lopes, morto em 2018, a Lagoa Rodrigo de Freitas seria aterrada para criar novas áreas para a construção (as lagoas da Barra tiveram as margens aterradas). Certa noite tive um pesadelo: Sérgio Dourado tinha virado prefeito do Rio e estava acabando com as praças (antigos viradouros dos bondes, que foram preservados e arborizados) e arrasando morros para construir prédios…

Pois não é que, desde 20 de janeiro de 2025, o pesadelo virou global?! O novo Sérgio Dourado, com cabeleira mais vistosa que as das perucas do original, está ameaçando o mundo todo. Donald Trump nunca escondeu que seu instinto predatório de corretor/empreendedor imobiliário guia seus passos na política. No primeiro governo, queria intervir no Federal Reserve Bank (absolutamente independente nos Estados Unidos) para forçar a rápida redução dos juros. Como se sabe, juros altos, além de combater a inflação, são ruins para as especulações imobiliárias e o mercado de ações. O patrimônio imobiliário de Trump, e dos americanos em geral, tomou um tombo com a crise financeira mundial de 2008, originada da dupla e tripla hipoteca dos imóveis que desaguou no estouro da bolha imobiliária do subprime. Os imóveis ainda não recuperaram os níveis de preços de 2008, e Trump já deixou escapar sua gana na baixa dos juros.

Mas a desfaçatez do presidente americano, que quer repetir a política do “big stick” implementada no começo do século passado na América Latina e Caribe pelo presidente Theodore Roosevelt Jr, que aplicou a Doutrina Monroe do século anterior, com as bravatas de incorporar o Canadá com o 51º estado norte-americano, de assumir o controle do Canal do Panamá, e de tomar conta da Groelândia, vasto território gelado da Dinamarca, rompeu todos os limites da ética, da moralidade e da humanidade ao propor, esta semana, a transformação da Faixa de Gaza num grande projeto imobiliário.

A grandeza americana foi construída entre a primeira e a segunda guerra, quando, sob o comando de Franklin Roosevelt, emergiu como nação hegemônica no Ocidente, e que teve mais força (ou o senso de oportunidade, como considero) de fazer o Plano Marshall, para reconstruir as economias europeias destruídas pela 2ª guerra, para que os EUA tivessem com quem comerciar no mercado europeu. Mas isso está sendo destruído rapidamente pelo mote do MAGA (Make America Great Again). Donald Trump evocou uma ideia do genro especulador Jared Kushner, marido da filha Ivanka Trump, extravasada em março de 2024, de transformar a Faixa de Gaza, reduzida a escombros por Israel, em uma nova “Riviera Francesa”. Ou seja, a completa limpeza étnica dos quase dois milhões de palestinos que viviam em Gaza, para dar lugar a empreendimentos que atraíssem turistas de todo o mundo para a orla de Gaza, no Mediterrâneo. Quem teria paz de espírito para desfrutar o lugar?

As nações com um mínimo de pudor reagiram na hora. Os alemães e os países europeus jamais pensaram em transformar os espaços ocupados pelas câmaras de gás do regime nazista em empreendimentos imobiliários. As câmaras de gás de Auschwitz, Treblinka e demais campos na Polônia e na própria Alemanha, como Dachau, na área de Munique, foram preservadas para que a humanidade nunca se esqueça do horror do Holocausto. Mas Trump não teve vergonha de desembrulhar sua ideia nos Estados Unidos, ao lado do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Os estômagos das pessoas éticas e com o sentido do amor de Jesus Cristo reagiram indignados. O presidente Lula, tão criticado por ter dito que o massacre de Israel aos palestinos na Faixa de Gaza lembrava os métodos de perseguição nazista aos guetos judeus, manifestou suas críticas a Trump e a Israel de Netanyahu. Muita gente se calou, desta vez.

O que vem além dos imóveis?
Mas, aqui para nós, diante dos planos expansionistas de Trump, que ignora princípios morais e éticos, para criar uma nova Dubai ou um Balneário Camboriú na Faixa de Gaza, não seria exagero aprofundar nas investigações em torno dos planos de Jared Kushner para o Oriente Médio. No governo anterior de Trump, que perdoou as 18 condenações criminais do sogro da filha, Charles Kushner, o primeiro genro andou em tratativas com o Catar, Arábia Saudita, Emirados, Israel e Jordânia para um acordo de paz no Oriente Médio. A missão envolvia planos de expansão do projeto do gasoduto do Catar (maior produtor de gás do mundo) para o sul da Europa, em concorrência aos gasodutos que levavam o gás russo à Alemanha e ao norte da Europa. Mas havia uma pedra no caminho: a Síria, de Bashar Al Assad, defendida pela Rússia de Putin. Com a derrota de Trump para Biden, os planos foram esquecidos.

Mas com a invasão da Rússia pela Ucrânia, que completa três anos este mês, o Exército russo teve de concentrar o foco na Ucrânia, amparada por pesados armamentos e ajuda financeira do Ocidente. Sem o farto dinheiro da venda de gás (os russos estão fazendo operações triangulares com China e Índia para escoarem o gás e o petróleo, que voltam à Europa), Putin deixou o Estado Islâmico derrubar a ditadura Síria. Sem os palestinos em Gaza, os gasodutos e oleodutos poderiam cortar a região e a Síria, rumo ao sul da Europa (Romênia, França e Itália). Num mundo sem ética e limites, tudo seria possível. Quem sabe Israel venha a propor o reassentamento dos palestinos nos condomínios construídos por Israel nas últimas três décadas para ocupar as colinas de Golan?

E, por aqui, os êmulos trumpistas podem muito bem se empolgar com a “Riviera de Gaza” e atrair projetos semelhantes para áreas ainda intocadas do litoral brasileiro e levar adiante a ideia da privatização das praias. “Vade retro” os laranjas que são os patronos do projeto.

O lado bom da ‘Deep crise’
Tenho uma coluna de economia de segunda a sexta-feira que tem o nome de “O Outro Lado da Moeda”, para ajudar a entender a economia por outra ótica. Vejam o que diz o codiretor global do banco de Investimento do Goldman Sachs, Kim Posnett, sobre as reviravoltas provocadas pelas soluções de baixo custo da DeepSeeek, que funcionaram como “um barata voa” no Vale do Silício e no mundo da alta tecnologia: “Esta é uma notícia inequivocamente boa”, diz, que vê aspectos positivos no fato de que “o custo da computação está caindo drasticamente. O preço por token está caindo drasticamente. Isso significa que esses modelos estão se tornando mais econômicos. É ótimo para o mundo que isso seja mais barato para todos nós”

O surgimento de modelos de IA de menor custo também promete maneiras mais eficientes de treinar IA em grandes conjuntos de dados, diz George Lee, codiretor do Goldman Sachs Global Institute e ex-CIO da empresa. Esses modelos podem “prometer maneiras muito mais eficientes de pré-treinamento”, diz Lee, e “reduzir a quantidade de capital que temos que alocar para pelo menos parte desse ecossistema”. Embora o declínio no capital potencial e nos custos simbólicos pareça repentino, “isso é parte de uma história repetida da maneira como a tecnologia acontece”, diz Lee. “É um pequeno e mensurável ponto em uma curva geral em declínio acentuado”.

A Nvidia e os investidores em papéis líderes da TI podem estar preocupados. Mas é a evolução da tecnologia que, como na história da Terra, tem ciclos. Dinossauros e espécies que viraram fósseis e fontes atuais de petróleo e gás testemunham a evolução. Na nossa existência recente, quem imaginaria que a gigantesca IBM seria engolida com seus grandes computadores pelos softwares da Windows e outras empresas? Pois agora estamos entrando em outra era de substituição. Que vençam as melhores soluções e de menor custo.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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