AS TARIFAS E A QUEDA DA POLÍTICA EXTERNA DOS ESTADOS UNIDOS

Se as tarifas não representam o declínio americano, representam pelo menos o declínio da política externa americana

ICL Notícias

CHARGE INTERNACIONAL

Talvez o pior nas tarifas sejam as razões invocadas. Ouçam bem, que a explicação oficial dá vontade de rir: “a extraordinária ameaça colocada pela emigração ilegal e pelas drogas ilegais, incluindo o mortífero fentanil, constitui uma emergência nacional”. Ameaça e emergência nacional, dizem. É desta forma canhestra que contornam as regras do comércio pretendendo estar acima da lei internacional — a lei que eles próprios propuseram e aprovaram. Acima dos outros, basicamente. Não, não são tarifas, são uma espécie de tributo imperial. Como se todo o mundo tivesse de pagar para que os Estados Unidos existam.

As tarifas não são uma decisão econômica legítima, mas uma absurda imposição fundada em explicações infantis. Elas têm um duplo efeito — ambos maus para os próprios Estados Unidos. O primeiro é que afeta o prestígio americano e torna o país pouco fiável. O segundo é que as tarifas nunca foram a boa receita para melhorar a competitividade das empresas americanas — o resultado mais óbvio é que, no fim de contas, acabarão por representar mais um imposto sobre os consumidores americanos.

Mas deixemos de lado os aspectos econômicos das tarifas e concentremo-nos no seu significado político. A pergunta é a seguinte: são elas a expressão de uma América forte ou são, pelo contrário, a manifestação do seu declínio? Inclino-me para a segunda. A violação das regras econômicas internacionais, a imposição unilateral, a ausência de explicação decente, a forma grosseira e agressiva como são anunciadas, não é própria de um país confiante — são próprias, isso sim, de um país inseguro. As tarifas protecionistas são filhas do desespero, não da confiança.

Não sou dos que comunga da ideia do declínio americano. Não sou. Nem acho que a América precise de ser grande outra vez. Mas acho que a ascensão econômica da China tornou os Estados Unidos num país temeroso. É muito triste vermos um país que aspira à liderança mundial receber o êxito econômico alheio como uma ameaça. A resposta ao sucesso dos outros não é impedi-los de trabalhar na sua prosperidade, mas fazer melhor do que eles, se conseguirmos.

Não, a China não é uma ameaça, pode ser um concorrente, mas não é um inimigo. Nos últimos quarenta anos nenhuma guerra no mundo teve a participação chinesa e o mesmo não podemos dizer dos Estados Unidos. Os Estados Unidos têm mais de 750 bases militares no mundo, a China tem uma em Djibouti. A China é uma potência mundial com quem o Ocidente tem o dever de cooperar na resolução dos problemas mundiais.

Esta política, baseada na ameaça econômica permanente, é uma política de poder, não de justiça. É uma política infantil. É uma política de força, não uma política de respeito pelos outros. Esta política ri-se do mundo — ri-se das suas regras, ri-se das suas instituições, ri-se de tudo o que de bom construímos depois da Segunda Guerra Mundial. Esta política empobrece o mundo. Se as tarifas não representam o declínio americano, representam pelo menos o declínio da política externa americana. Esta política diminui a América, não a torna grande.

JOSÉ SOCRATES ” ICL NOTÍCIAS” ( PORTUGAL / BRASIL)

Ericeira, 3 de fevereiro de 2024

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