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A crise decorre do fato de que setores importantes da sociedade questionam a confiabilidade do que o governo faz e diz
Que o governo Lula passa por uma crise, parece não haver dúvidas. O importante é dimensionar a natureza e a amplitude dessa crise para que possíveis soluções possam ser buscadas. A maioria dos analistas, quase unanimemente, classifica a crise do governo como uma crise de confiança. Essa crise de confiança também pode ser entendida como uma crise de credibilidade ou de confiabilidade.
A crise de confiança decorre do fato de que setores importantes da sociedade, notadamente os agentes econômicos e os consumidores em geral, questionam a confiabilidade do que o governo faz e diz, especialmente em relação à economia. Isso eleva os níveis de desconfiança e incerteza, causando efeitos danosos em diversos aspectos econômicos, como a retração de investimentos e a elevação dos juros pagos pelo governo ao captar recursos no mercado para financiar seus gastos.
Por exemplo, embora haja inflação acima da meta, o pagamento de juros reais pelo Tesouro, como IPCA + 8%, reflete, em parte, uma crise de credibilidade. A sociedade não acredita na política econômica, na contenção da inflação e na redução do gasto público. Quanto maior for a desconfiança sobre a capacidade do governo em controlar os gastos, mais altos serão os juros que ele terá de pagar. Há, na esquerda, uma crença de que é possível aumentar o endividamento público e, ao mesmo tempo, reduzir a taxa de juros. No entanto, nas condições do Brasil, isso é uma ilusão.
O papel do governo na crise de credibilidade
A crise de credibilidade foi gerada pelo próprio governo. O presidente Lula e alguns líderes do PT fizeram discursos considerados inconsequentes, que minaram a confiança no governo. Mesmo quando Gabriel Galípolo e alguns diretores do Banco Central, indicados pelo atual governo, votaram a favor da elevação da taxa de juros, Lula e esses líderes continuaram a acusar o então presidente do BC de ser um “traidor do Brasil”. Essa postura gerou incoerências: afinal, como ficariam Galípolo e os diretores que seguiram na mesma linha? Esse tipo de conduta enfraquece a credibilidade do governo.
Em determinado momento, parecia que Lula queria apostar contra o mercado. Embora esses erros tenham sido corrigidos no final do ano, o estrago já estava feito.
Problemas na comunicação e na condução política
Dois desastres subsequentes agravaram a situação. Primeiro, o anúncio do pacote fiscal. Lula não deu aval para que a equipe econômica realizasse um ajuste mais rígido. Além de não deixar claro o que pretendia, desautorizou sua própria equipe econômica, submetendo o ajuste a ministros que não têm foco na área econômica, como Luiz Marinho e Carlos Lupi. Ambos ameaçaram pedir demissão caso seus ministérios fossem impactados. Essa situação evidenciou não apenas a falta de comando e credibilidade, mas também atingiu a autoridade de Lula.
Outro desastre de comunicação foi o episódio da isenção do Imposto de Renda e da possível taxação do Pix. A Receita Federal adotou medidas sem calcular as consequências políticas negativas. Quando vídeos começaram a circular alegando que o governo poderia taxar o Pix ou multar pequenos comerciantes, a reação foi desastrosa. O governo recuou sem coordenar uma narrativa clara, o que passou a impressão de que havia algo errado e que a medida poderia, de fato, ser implementada no futuro.
Uma oposição fortalecida
A crise de credibilidade criada pelo governo foi amplificada pela oposição bolsonarista, que tem explorado os erros com eficiência estratégica. É ingenuidade acreditar que a oposição não aproveitaria essas oportunidades. Em política, não há espaço para ações espontâneas; cada passo precisa ser cuidadosamente planejado, considerando os riscos e as consequências.
Se o governo não reverter rapidamente essa crise com medidas eficazes e confiáveis, a caminhada até 2026 será de agonia. O projeto político poderá ficar em risco, e a possibilidade de retorno de um governo de direita será concreta.
Elementos de crise governamental
As crises de credibilidade, quando não estancadas, podem evoluir para crises governamentais. Essas, por sua vez, dizem respeito ao funcionamento do governo. Governos mais homogêneos e com base de apoio sólida são menos suscetíveis a essas crises, enquanto governos heterogêneos e com apoio frágil, como o atual governo Lula, são mais vulneráveis.
Quando a oposição percebe sinais de crise governamental, tende a levar a disputa para as ruas, como aconteceu no impeachment de Dilma Rousseff. Embora ainda improvável, não se pode descartar a possibilidade de manifestações contrárias ao governo Lula.
A passividade das esquerdas
Por fim, destaca-se a passividade dos partidos democráticos e de esquerda diante da polarização política. Nos Estados Unidos, o governo Biden teve oportunidade de deslegitimar politicamente Trump após o episódio do Capitólio, mas não o fez. No Brasil, o bolsonarismo segue forte e em ofensiva, apesar dos inúmeros erros do governo Bolsonaro.
Essa passividade decorre de uma transformação das lideranças de esquerda em políticos de gabinete, que perderam sua conexão com as bases populares. Enquanto Lula e Biden pregam união e paz, é necessário que, nos bastidores, seus governos adotem estratégias mais combativas para enfrentar inimigos que investem na polarização.
ALDO FARNAZIERI ” BLOG BRASIL 247″/ ” JORNAL GGN” ( BRASIL)
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder