TESOURO LUSO EMERGE NO SOLIMÕES

Durante o esplendor lusitano na Idade Moderna (1453 – 1789), quando a Coroa de Lisboa, mais do que nunca, deu mundos ao mundo, Portugal espalhou-se pelos quatro continentes com suas cidadelas, fortalezas e feitorias. Presentes na Europa, desde a região flamenga, então denominada Reino de Flandres, no porto da cosmopolita Antuérpia, ao Norte da Bélgica, até o Extremo Oriente, onde estão Goa, na Índia, Macau, na China, e Nagasaki, no Japão.

Feitorias, como a da ilha de Arguim, diante da atual Mauritânia, bem como cidadelas, como a de Marzagão, no Marrocos, e fortalezas, como a de São Jorge da Mina, na costa de Gana, marcaram, igualmente, a presença nas Áfricas da fabulosa Casa de Avis – sucedida, após a Restauração Portuguesa, em 1640, pela dinastia da Sereníssima Bragança. Só ao longo do litoral africano, ponto de início da navegação de cabotagem, ou seja, com escala de porto em porto, foram erguidas 50 fortificações. 

Evidente que também o imenso Portugal das Américas, o futuro Brasil, passaria a ser povoado a partir dos fortes. Um desses tesouros, as ruínas de uma histórica fortaleza lusitana no País, a de São Francisco Xavier, emergiu, entre agosto e setembro deste 2024, devido à seca do Rio Solimões, um dos afluentes do Amazonas, na localidade de Tabatinga, à margem esquerda, na divisa com a Colômbia e o Peru. O monumental forte foi edificado, em 1776, ao lado de uma aldeia fundada pelos jesuítas, delimitando a fronteira noroeste do Brasil. A obra consolidou a expansão da Coroa de Avis na Amazônia, estabelecida no Tratado de Madri, de 1750, assinado pelos reis de Portugal, Dom João V (1689 – 1750), O Magnânimo, e Espanha, Fernando VI (1713 – 1759). A fortificação foi utilizada até 1932, quando desabou, em meio às enchentes provocadas pelo degelo da Cordilheira dos Andes. 

Ao contrário dos fortes, construídos com o objetivo exclusivo de proteção, as feitorias eram entrepostos de negócios, instalados nas zonas costeiras, defendidos militarmente, e tiveram uma importância fundamental na ampliação do grande império comercial português. Ficavam concentrados, ali, os produtos locais à espera da logística para transportá-los à Metrópole e, posteriormente, enviá-los a Antuérpia.

As feitorias, expressão que vem do latim facere, tinham múltiplas funções. Eram mercado, armazém, apoio à navegação e mesmo alfândega. À controlar todos estes movimentos estava a figura do “feitor”, com poder de transacionar as mercadorias em nome do Rei e, inclusive, cobrar os famosos “quintos” – o imposto da Coroa. A Feitoria de Antuérpia era o maior entreposto da Europa e fazia o comércio e a entrega dos artigos vindos do Oriente. Portugal chegou a manter diversas feitorias menores, na Europa, para distribuição de suas vendas, entre outras, na inglesa Bristol, em Istambul, Veneza e Sevilha.

A concepção dos entrepostos fortificados deve-se ao visionário Infante Dom Henrique (1394 – 1460), dono do epíteto de O Navegador, criador da Escola de Sagres e um dos filhos do legendário Mestre de Avis, Dom João I (1357 – 1433), O de Boa Memória, conquistador, em 1415, da marroquina Ceuta. Seria o próprio Dom Henrique quem comandaria a construção da primeira das feitorias lusitanas, a de Arguim, levantada em 1448, na altura do Cabo Branco. O entreposto na ilha da Mauritânia foi determinante para as operações comerciais com as populações muçulmanas da região – promovendo a aquisição de ouro, goma-arábica e escravos em troca de tecidos e trigo.

Muitos desses entrepostos, ainda que em ruínas, como o Forte de São Francisco Xavier, na Amazônia, testemunham, hoje, em todo o planeta, a grandeza da pequena nação mais Ocidental da Europa.    

ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)

Albino Castro é jornalista e historiador

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