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- Um precioso trabalho do magistral mestre da Sociologia da História, o erudito pernambucano Gilberto Freyre (1900 – 1987), publicado postumamente, em 1988, tem como título “Nós e a Europa Germânica” – e mostra o quanto, inclusive no Nordeste, sobretudo em Pernambuco e Bahia, em pleno século XIX, os alemães tiveram um papel importantíssimo na vida cotidiana da região. E não só, portanto, nas regiões do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Espírito Santo.
- A grande protetora dos povos germânicos, no Brasil, foi a Imperatriz Dona Leopoldina (1797 – 1826), Princesa da prestigiosa Casa dos Habsburgo de Viena d’Áustria, esposa do Imperador Dom Pedro I (1798 – 1834), O Libertador. Ela foi determinante para convencer o marido a proclamar a Independência do Brasil. Foi também a irrequieta Habsburgo a estimular, há 200 anos, a emigração para o Brasil de várias populações de língua alemã, a partir de junho de 1824, depois do empobrecimento, devido aos conflitos napoleônicos, de diversas regiões do Sacro Império Romano Germânico. Desembarcariam aqui, até meados do século XX mais de vinte mil teutos.
- Só no Rio de Grande do Sul, entre 1824 e 1830, se estabeleceram cinco mil, que criaram fortes raízes e fundaram, entre outros empreendimentos, um dos clubes de futebol mais populares do País, o legendário Grêmio, de Porto Alegre. Descende de família desses pioneiros nas terras gaúchas, por exemplo, é minha querida esposa, Dona Andrea Wolffenbüttel, nascida no Rio de Janeiro, jornalista, como eu e o meu sogro, o escritor gaúcho Fausto Wolff (1940 – 2008). Foto da caríssima Dona Andrea, na República Tcheca, em 2022, ilustra a coluna.
- Esses valorosos imigrantes, trazidos por Dona Leopoldina, ajudaram na árdua tarefa de construir a nova nação e, hoje, curiosamente, o segundo idioma mais falado em todo o País é o alemão – de acordo com levantamento da universidade americana Olivet Nazarene, do Illinois. E não o espanhol, inglês ou italiano. Mais curioso ainda porque sabemos que o Brasil é o principal líder do bloco de países de habla castelhana integrantes do Mercosul. Gilberto Freyre, em sua obra póstuma, ressalta a habilidade dos artesãos germânicos, àquela época, na marcenaria, fabricantes, principalmente, de pianos e móveis domésticos – como cadeiras de braço, camas de casal e guarda-louças.
- Ao contrário do que aconteceu nos estados do Sul, inclusive no Espírito Santo, onde se dedicaram mais à agricultura e assim, preservaram a língua em comunidades profundamente isoladas do resto do País. Foi somente no período final do regime de Getúlio Vargas (1882 – 1954), em 1943, com a entrada do Brasil na Segunda Guerra (1940 – 1945), que as inúmeras colônias teutas foram obrigadas a estabelecerem escolas em português para formação de suas crianças. Meu sogro, por exemplo, só aprenderia o idioma de Luis de Camões (1524 – 1580) aos 12 anos. Até então expressava-se, exclusivamente, na língua do romântico Johann Wolfgang von Goethe (1749 – 1832).
- Já nos Estados Unidos, o alemão quase se tornou o vernáculo oficial, pouco após a Independência, em 1776, quando um plebiscito decretou que o inglês seria o vencedor, com uma pequena margem de vantagem. Aqui no Brasil, o idioma de Dona Leopoldina está presente em diversas versões que vão desde o Hochdeutsch, o alemão clássico, até o Pomerano, uma variedade do baixo-alemão, falado na região norte, junto ao Mar Báltico, e todas essas versões da língua germânica são consideradas parte importante do nosso riquíssimo patrimônio linguístico.
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ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador