BEM FORMOSO E NÃO SEGURO

Rua do Benformoso, a desembocar no soberbo 1908 Lisboa Hotel, para quem vem de sul, ou na Rua da Mouraria, outrora marco do fado lisboeta, se chegarmos da direção meridional? Conheço, como as palmas das mãos.

Lembro, palmilho e sinto. Não o posso ignorar. Vivo há décadas nas imediações da Almirante Reis, conheço todas as áreas ditas problemáticas, desde a Praça de Londres até ao Martim Moniz, passando pelas múltiplas ruas e becos paralelos, onde se incluem glórias e misérias da Lisboa pós-pombalina.

Os nossos passos imaginam as revoluções ganhas e falhadas do século XIX, os terramotos urbanísticos e batalhas de conceitos herdados da Primeira República, os movimentos migratórios inesperados ou previsíveis, feitos de gente que quer ficar e daqueles que apenas olham a urbe como ponto de encontro, desencontro, ou partida para nenhures.

Tudo isto é parte de uma cidade desproporcionada, manta de retalhos como já um dia – cito outros exemplos onde vivi ou testemunhei de dentro – foram Nova Iorque e Filadélfia. Sai-se de uma rua de famílias fraternas, de instituições seculares, de obras comuns, para outra de selva mais ou menos asfaltada. De um largo pitoresco e pacífico para labirintos degradados, com vestígios das instalações, expulsões e retomadas de delinquências diversas. Dos bairros sociais aglomerados junto aos prédios e moradias da velha alta burguesia, uns e outros violados por bandos de desespero, conquista e mera demonstração territorial, crime rentável e pequena pilhagem.

No Porto há problemas iguais, mas provavelmente menos conhecidos, ou mais localizados, ou mais segregados, e o comércio milionário da droga é apenas um dos grandes problemas do polvo que se agita , no subterrâneo das nossas vidas e mortes.

São retalhos de um Portugal diferente, onde os números não mentem, mesmo que se queira agravar uns e esconder outros, simplesmente para provar um argumento. O Relatório de Segurança Interna referente a 2023, o último conhecido (esperamos que a actualização de 2024 surja em maio), não relaciona crime e população estrangeira, mas ainda assim fornece dados relevantes quanto a delitos denunciados, ou provados, nos dois campos.

No primeiro, aponta para um aumento de 68% nos crimes de tráfico de pessoas, e de 158% no auxílio à imigração ilegal.

No segundo, aponta para um aumento de 20% no crime grave ou violento, com mais 14,4% em 2022 e mais 5,6% em 2023, sendo certo que o mesmo crime tinha descido abruptamente entre 2014 e 2021, se bem que houvesse subido 3% em 2019. A queda total até 2022 foi de mais de 51%, o que mostra que é possível contrariar as tendências, com as políticas e as polícias certas.

Para 2024, só sabemos por enquanto que o crime violento/grave subiu 2% em relação ao ano anterior, nos meses de janeiro-maio, mas que isso se deu com uma queda abrupta (44%) na proatividade policial (em princípio por falta de meios humanos e materiais), isto é, no combate aos crimes que não existiam publicamente, se não fossem revelados por ações de segurança preventivas ou repressivas.

Não há ainda dados suficientes para vislumbrar outro ponto: que percentagem do crime grave/violento se dá em Lisboa desde 2022, sendo certo que, no ano passado, relatórios parcelares mostram, por exemplo, um aumento preocupante das detenções por roubo, em flagrante delito, na capital.

Tudo isto mostra que é legítima a preocupação com a insegurança crescente em áreas delituosas sérias, com maiores consequências sociais negativas, e que essa apreensão se estende à situação das comunidades migrantes, também cada vez mais praguejadas com a infiltração de circuitos criminosos de tráfico de carne humana e de incentivo à fuga às normas a que obedece a maioria.

Voltando ao começo, não há assim relação direta entre crime violento e migração, mas há a subida de crimes quer no aspeto da gravidade, quer na manipulação dos estrangeiros.

Face a isto, não precisamos nem de falsas cruzadas que generalizam culpas, a pretexto dos gangues, ou que desculpam delitos, a coberto da humanização, nem do discurso oportunista que tenta acicatar a agressão policial, ou a agressão contra a polícia.

Milionários e imperadores

Só desde 1900, foi tradicional a presença transnacional de grandes interesses individuais, ou familiares, às vezes com mais poder do que os estados (sobretudo os pequenos e médios).

São potentados que estabeleceram, para além da atividade principal, instituições de beneficência, investigação, apoio social, comunicação, lobbying.

O aparecimento de políticos estrangeiros nas campanhas eleitorais é comum.

Torna-se, no entanto, necessário saber se os multimilionários se limitam a expressar opiniões, ou se violam leis nacionais no que toca a subsídios, criação de perfis falsos ou atos delituosos mais sérios, como a corrupção.

É essa a questão: a transparência deve imperar, entre os imperadores.

Os inimigos permanentes

Em conversas de fim de vida, François Mitterrand meditou sobre a expressão “inimigos tradicionais”.

Muitos países da Europa, a começar por França, combateram quase todos os estados do continente, mas às guerras sucederam-se concórdias e cooperações. Poderá acontecer o mesmo entre a Ucrânia e a Rússia?

Sabemos, de antigos inimigos tornados aliados, que a paz implica, na maior parte dos casos, grandes concessões, reformas e revoluções. O recomeço de um mundo destruído, noutros termos.

E implica a transformação dos elementos agressivos, incluindo a sua eliminação.

E envolve, na maior parte dos casos, gerações inteiras capazes de esquecer.

E exige uma paz justa. Sem isso, não será duradoura.

Distopias cristãs

Há livros, publicados em português de cá ou do Brasil, que, na área entre a “ficção especulativa”, a história hermética e a “utopia negativa”, falem da “visão cristão do mundo”? Sim. Indico alguns, que não são propriamente tradutores da ortodoxia, mas que levantam problemas importantes sobre livre arbítrio, Bem e Mal, fé, amor ao próximo e perseguição religiosa, ou presunção totalitária laica.

Ei-los, uns mais alucinantes do que outros.

O Senhor do Mundo, Hugh Benson.

Cântico para Leibowitz, Walter Miller Jr.

Vorazmente Teu, C.S. Lewis.

A Última Palavra, Graham Greene.

Silêncio, Shusaku Endo.

O Napoleão de Notting Hill e O Homem Que Era Quinta-Feira, de G. K. Chesterton.

A Invasão Divina, Philip K. Dick.

Mais crónicas do autor

NUNO ROGÉRIO ” REVISTA SÁBADO” ( BRASIL)

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