AS PRÉ-PRESIDENCIAIS EM PORTUGAL

MARCELO RABELLO DE SOUSA, ATUAL PRESIDENTE DA REPÚBLICA DE PORTUGAL, NA VISÂO DE PEDRO RIBEIRO

Como se previa, 2025 será o ano das pré-presidenciais. É aquele preâmbulo de 12 meses, em que todos os cavalos de batalha, torres, bispos, reis e rainhas aspirantes se colocam no tabuleiro de xadrez.

Aeleição de 2026 é, num sistema semipresidencialista de vertente parlamentar, uma campanha que se diria híbrida, no conteúdo e nos propósitos.

Se, por um lado, o PR não possui nem poderes executivos nem legislativos, nem define ou conduz a política geral do Estado, deve pensar e dizer algo sobre o ideal e os objetivos daquela.

É que a função presidencial de controlo dos diplomas da AR e do governo, através da promulgação, envio para o TC ou veto, exige conhecimento da matéria a analisar, e pressupõe que o Chefe do Estado tenha uma opinião sobre ela. Da habitação à defesa, das finanças à diplomacia, nenhuma aprovação ou rejeição de medidas é, ou deve ser, cega, surda e muda.

Por outro lado, um candidato precisa, em primeira linha, de conhecer as suas competências, as zonas de ação vedadas e o campo de poderes ou parapoderes cinzentos, que variam conforme a interpretação do cargo, sempre limitada pela CRP. Esta tem assim de ser conhecida, no espírito, forma e matéria, pelo concorrente a Belém.

Por fim, e no que toca ao múnus próprio, o PR é a face suprema de Portugal, na hierarquia constitucional.

A sua figura surge antes dos outros órgãos de soberania, logo no Título Segundo da Lei Básica.

A isto corresponde um leque de atribuições importantes, na paz, na guerra e no que fica entre as duas: por exemplo, nos estados de exceção.

A isto corresponde a chefia suprema das forças armadas, a designação de altos cargos, o poder permanente de mensagem, a acreditação de embaixadores estrangeiros em Portugal, entre outros domínios.

A isto corresponde a necessidade fundamental de exprimir a sua ideia da Nação, da sua posição do mundo, da sua identidade, da sua estratégia, do entendimento do passado, do presente e dos projetos coletivos.

Não se pode, assim, criticar Gouveia e Melo por, ainda CEMA, ter por várias vezes digredido sobre a geopolítica nacional, a posição talassocrática da nossa história, o papel da Defesa num mundo em transição, o entendimento do que pode uma força armada fazer em conflito típico, e fora dele.

Mas esta é apenas uma parte do que um candidato deve dizer.

Por outro lado, quem quer ser Presidente de todos, para além dos partidos (não em sua substituição), sem ser acantonado à direita ou à esquerda, deve ter o cuidado de não ser colado a grupos de influência mais ou menos públicos, mas restritos. Grupos que, no entusiasmo/frenesim de uma adesão, reduzam o campo de manobra do navio. Um gigante não é uma soma de anões.

E não se pode ainda criticar André Ventura por falar sobre o mundo do governo e do parlamento. Mas deve dizer-se que, como com Gouveia e Melo, essa é apenas uma fração do que tem de ser revelado.

O que se torna mais enfraquecedor nesta pré-candidatura é outra coisa: a desistência e a demissão. Na verdade, ainda ecoam as palavras do líder do Chega quando dizia, sem embargos, que queria ser primeiro-ministro de Portugal.

Por outras palavras: ou não acredita que chega a Belém, e a candidatura surge como aventura não séria, ou sabe que não chefiará qualquer governo, nesta encarnação.

A área do PSD e da AD terá, por seu lado, vários candidatos em potência: Marques Mendes, Carlos Moedas, Passos Coelho, eventualmente Santana Lopes e Durão Barroso. Saber se serão aceites como naturais ou contranatura, ou se desejam mundos diferentes, é outra questão.

A outra metade do centro, o PS, já ferve também em projetos, ideias e sugestões. Centeno, Vitorino, Seguro, Santos Silva são os mais falados. Mas quais podem verdadeiramente considerar-se figuras de relevo nacional, para além dos imensos méritos de cada um, ou todos somados?

Nos mentideros fala-se, claro, da possibilidade de António Guterres decidir uma candidatura quase à boca das urnas, sem terminar o segundo mandato na ONU (que acaba em janeiro de 2027).

Mas transportaria aos ombros uma herança discutível e discutida. O que pode ser um trunfo, ou um inferno.

Aí, definitivamente, a doutrina divide-se.

Pré-presidenciais (2)

Também as esquerdas têm nomes em carteira: repetições de cruzadas laicas, nomes que vão tentar quadrar o círculo, ultrapassando o velho marxismo-leninismo sem o hostilizar totalmente, micropartidos social-democratizados no discurso, embora baseados nas fidelidades do costume, e vários tribunos e tribunas que esperarão pelas condições do terreno.

Na verdade, as presidenciais dar-se-ão numa altura em que, presumivelmente, se conhecerão as primeiras consequências, em Portugal, do governo minoritário, e, para a Europa, de um fim da questão ucraniana e da presidência Trump.

E o clima de campanha dependerá ainda da forma como acabar o corrente mandato. Pode assim haver surpresas de 25ª hora.

No domínio dos homens

Em altura de acordos e desacordos, às vezes inesperados, sobre o alargamento dos prazos para a IVG, três textos.

Primeiro, Tom Holland, com Dominion, sobre o papel revolucionário do Cristianismo na história, e a influência geral, nem sempre admitida, desta Fé, no mundo contemporâneo, por simpatia, mimetismo e oposição.

Depois, o pequeno conto de ficção científica de Philip K. Dick, The Pre-Persons (1974). Num futuro remoto, o governo teocrático revisionista dos EUA decide, por lei federal, quando uma forma de vida se torna uma “pessoa”.

Por fim, a Pastoral do atual Patriarca de Lisboa. Lembrei-me da passagem: “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, mas o maior destes é o amor.”

Todos os sentidos

Um Gato É um Gato, de Amélia Muge, admirável evento poético-musical, meio livro meio disco, onde as cordas devolvem a vida às coisas. No pós-free jazz, um novo projeto demencial de Zíngaro/Madeira/Borges: Trizmaris.

Nos livros, Michael Sheridan, O Imperador Vermelho, sobre Xi Jinping, o clássico Julian Barnes, com O Papagaio de Flaubert, José Eduardo Agualusa, Um Estranho em Goa, sobre um mistério aparente, Aqui, de Richard McGuire, ilustração dos dinossauros à IA, o sucessor de Le Carré, Nick Harkaway, Karla’s Choice, e Administração Pública 1974-2024: Reflexões Políticas, edição da DRGAEP. A sedimentação de um funcionalismo técnico, permanente e apartidário não é, não foi e não será fácil.

NUNO ROGÉRIO ” REVISTA SEMANAL SÁBADO” ( PORTUGAL)

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