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- Os janízaros formavam a elite dos exércitos imperiais muçulmanos turcas e eram, com efeito, os mais leais guerreiros do sultanato otomano de Istambul – a antiga metrópole cristã Constantinopla, capital do beatíssimo Império Bizantino. A força foi criada em 1365, quase ao final da Idade Média, pelo Sultão Mourad I (1326 – 1389), o primeiro dos otomanos a ter o título de Sultão, em lugar de Bei, ou seja, que não devia vassalagem a nenhum monarca do planeta. As tropas dos janízaros eram constituídos de crianças cristãs capturadas em batalhas, transformadas em escravas e convertidas, forçosamente, ao Islã.
- A triste história dos janízaros coincide, curiosamente, com a infância do destemido Dom João I (1357 – 1453), o célebre Mestre de Avis, propulsor do fabuloso ciclo das navegações lusitanas, que, a rigor, conteve a expansão dos turcos nas Áfricas, na profunda Ásia e no Novo Mundo.Um dos mais notáveis janízaros, modéstia de lado, foi meu tataravô, Raza Roustan (1783 – 1845), de família armênia cristã, nascido em Tbilisi, capital da Georgia, igualmente cristã, no Cáucaso – levado para Istambul e, posteriormente, presenteado ao Califado dos Mamelucos do Cairo, que, por sua vez, o presentariam ao invasor Napoleão Bonaparte (1769 – 1821), em 1798, após conquista francesa do Egito. Raza Roustan tornou-se chefe da guarda pessoal do futuro Imperador e uma das figuras centrais do período napoleônico.
- Descendentes de Raza Roustan mantiveram-se ligados ao Egito, inclusive minha saudosa mãe, Nelly Roustan-Rabay (1929 – 2008), natural de Zahlè e indelevelmente libanesa, tinha, ao mesmo tempo, alma cairota, crescida, com seus irmãos, sob os cuidados de minha avó Marie Roustan, no esplêndido bairro ‘art-déco’ de Heliópolis na capital egípcia.A odisseia dos meninos escravizados pelos maometanos me inspira, há quase 50 anos, a escrever a história do imenso universo dos cristãos orientais, que vivem até hoje como cidadãos de ‘segunda classe’ em sociedades predominantemente muçulmanas, hinduístas e budistas.
- Uma obra que acabo postergando a cada novo episódio crucial a modificar o cenário do vasto Oriente. Tentei produzir o livro, pela primeira, depois de passar dois meses em Beirute, no verão de 1982, cobrindo a longa Guerra Civil, quando os valorosos seguidores de Jesus Cristo padeceram seus piores momentos na única nação do Oriente Médio de maioria cristã. Comecei e não concluí – desolado, sobretudo pelo sistemático extermínio dos lares cristãos no bíblico Líbano. Retomei o trabalho, pelo menos, cinco vezes, nos últimos 40 anos.
- Volto ao desafio, após a chegada ao poder, na milenar Síria, berço da Igreja, dos radicais “rebeldes”, assim batizados no Ocidente, os extremistas maometanos que tomaram de assalto Damasco, estranhamente, sem derramamento de sangue. O derrotado regime dos Assad durou 53 anos e parece ter caído de inanição. Sem apoio militar dos principais aliados, a Rússia, de Vladimir Putin, e a ditadura xiita dos aiatolás do Irã. O que será dos cristãos da Síria? O governo do clã dos Assad, muçulmanos alauítas, sempre lhes garantiu liberdade no país. O que acontecerá agora? Para minha surpresa, tem demonstrado muita sabedoria e tolerância religiosa o novo califa damasceno, Ahmed al-Charaa, líder da frente HTS (sigla que, em árabe, significa Organização para a Libertação do Levante), de 42 anos, nascido em Ryad, na Arábia Saudita, veterano combatente da jihad islâmica. Desejo, ardentemente, que a ascensão de al-Charaa (foto) traga uma época de menos intransigência na Terra Santa. E que eu possa, por fim, escrever a minha história dos cristãos do Oriente sob uma perspectiva mais otimista. Tomara que vejamos, em Damasco, uma outra Revolução dos Cravos.
ALBINO DE CASTRO ” PORTUGAL DE FATO” ( BRASIL/ PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador