O Federal Reserve Bank, o Banco Central dos Estados Unidos, dará o pontapé inicial num ciclo de flexibilização da política monetária dos EUA na reunião do comitê de mercado aberto (FOMC), cujo resultado será anunciado às 15h. Nos últimos dias, os mercados se inclinaram (66%) a apostar que o Fed começará o ciclo de flexibilização com um corte de 50 pontos-base. Porque o balanço de riscos para a inflação e o mercado de trabalho parece mais equilibrado; e a política monetária encontra-se em terreno claramente restritivo.
Para a LCA Consultores, o cenário base continua a contemplar uma redução da taxa básica de juros dos EUA (hoje em 5,25%-5,50%) para a faixa entre 3% e 3,25% ao ano num ciclo que deverá se estender por cerca de um ano. A Consultoria também espera que o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), que se reuniu ontem e hoje, como o FOMC, anuncie às 18:30 o aumento da taxa Selic de 10,50% para 10,75%.
Juros ajudam os incêndios?
O governo Lula e os empresários da economia real condenam a medida porque a 6ª queda seguida da cotação do dólar em reais e ante outras moedas (refletindo a expectativa de queda de 0,50% nos EUA) – hoje o dólar, que fechou ontem em queda de 0,50%, cotado a R$ 5,4825, abriu cotado a R$ 5,4833, mas não resistiu e às 12 horas a moeda era negociada a R$ 5,4747, com queda de 0,14%, acumulando baixa de 3,34% em uma semana.
Essa queda no câmbio desarmou um dos fatores de pressão inflacionária para o qual o remédio seria a alta dos juros no Brasil para atrair mais dólares para fazer arbitragem de taxas de juros. Se o Fed baixar os juros em 0,50% e o Copom em 0,25%, haverá um ganho extraordinário para os rentistas internacionais de 0,75%. Será necessário isso, já que o mundo está em desaceleração (EUA e China), o que reduz os preços das commodities?
É inegável que a economia brasileira está aquecida, como revelou o crescimento do PIB em 1,4% no 2º trimestre (e a LCA elevou de 2,6% para 3,1% a projeção do PIB deste ano), que o mercado de trabalho está aquecido e que a evolução das expectativas de inflação permanece acima do centro da meta (3,00%, mas dentro do teto 4,50%).
Só que as pressões inflacionárias eram causadas pela alta do dólar (que está se dissipando) e os efeitos da estiagem e dos incêndios sobre a energia elétrica e os alimentos não serão combatidos com alta de juros. Ao contrário, esse remédio ortodoxo vai esgarçar as finanças públicas, com forte aumento nos gastos com juros, mas tornará mais difícil a geração de superávits fiscais primário (receitas menos despesas, sem contar os juros da dívida) por o remédio amargo vai desacelerar a economia (as receitas e as contribuições previdenciárias tendem a murchar) sem afetar as causas das pressões inflacionárias de curto prazo.
Para a LCA, a seca e as queimadas pressionam os preços de alimentos e energia, mas o ciclo de alta da Selic deve ser limitado a 150 pontos-base, dado o comportamento da inflação corrente e o cenário de políticas monetárias mais flexíveis nas economias centrais sem recessão. Continuo a ver um paradoxo elevar juros para combater a inflação, pois só aumenta o déficit.
STF revê Reforma da Previdência
Quem examina as contas públicas brasileiras – à parte fraudes no Bolsa Família e no seguro-desemprego/licenças médicas bancadas pelo INSS e no Benefício de Prestação Continuada (BPC), que precisam ser continuamente revisadas – sabe que a questão estrutural vem do rombo da Previdência Social. Quando Getúlio Vargas criou a aposentaria, a expectativa de vida dos brasileiros era baixa, daí as mulheres podiam se aposentar com 45 anos e os homens com 55 (a expectativa era de 63 anos).
Mais da metade da população vivia no campo e não se pensava nos colonos. Com a geada do café em 1975, em SP e PR, os cafezais foram erradicados e acabou o colonato, que cultivava milho, feijão e mandioca nas “ruas” do café. Houve um tremendo desequilíbrio no abastecimento (caiu a produção e as famílias que produziam para si mesmo foram para a cidade). Os fazendeiros inscreveram os colonos no Funrural (para receber meio salário-mínimo da previdência sem nunca terem contribuído). Isso desequilibrou o INSS e o rombo piorou quando a Constituinte dobrou o piso para um salário-mínimo.
Desde a Constituição de 1988, com o SUS e avanços na medicina, a expectativa de vida aumentou muito e hoje caminha para 78 anos para os homens e 80 para as mulheres. No Brasil e no mundo todo o fenômeno do aumento da expectativa de vida conduz à elevação na idade mínima para as aposentadorias. Do contrário, faltará recursos para os aposentados. Boa parte do rombo das finanças do INSS é coberto com emissão da dívida pública.
Na Reforma da Previdência de 2019 ficaram pendentes alguns pontos que o Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a revisar e podem impactar as finanças públicas. A Corte já formou maioria para derrubar dois dispositivos que poderiam reduzir o déficit do INSS. Essas ações impedirão que a União acione mecanismos, estabelecidos na Reforma de 2019, destinados a conter o déficit atuarial do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). O impacto estimado da derrubada desses gatilhos é de R$ 126,5 bilhões.
O 1º dispositivo permitia, em caso de déficit, a ampliação da base de cálculo da contribuição de aposentados e pensionistas do setor público. A regra atual estabelece que essa base não pode exceder um salário-mínimo. Com o veto a esse mecanismo, o governo estima perder a oportunidade de reduzir o déficit atuarial em R$ 55,1 bilhões. Caso a ampliação da base de cálculo fosse insuficiente para equilibrar as contas, haveria a possibilidade de instituir uma contribuição extraordinária para inativos e servidores públicos. A perda dessa medida pode inviabilizar uma redução adicional do déficit em R$ 71,4 bilhões, segundo dados da Advocacia-Geral da União (AGU).
Outra decisão será a revogação de um dispositivo da reforma que estabelece cálculos diferenciados para as alíquotas de contribuição de mulheres no regime geral e no regime do serviço público. Conforme nota técnica da AGU, a decisão pode acarretar impacto fiscal de R$ 6,1 bilhões ao RPPS.
Caberá ao Ministro Gilmar Mendes decidir sobre a validade das alíquotas progressivas para a contribuição social de servidores públicos no RPPS, cujo impacto financeiro estimado é de R$ 73,8 bilhões. No momento, o julgamento está empatado no plenário do Supremo. As decisões do STF têm o potencial de agravar ainda mais o cenário fiscal da Previdência, que enfrenta déficits crescentes. Entre os fatores que contribuem para esse quadro está a política atual de valorização do salário-mínimo.
Diante desse contexto, o cumprimento das metas de resultado primário estabelecidas no arcabouço fiscal se torna mais desafiador, o que pode resultar em maior pressão sobre as taxas reais de juros e os prêmios de risco. E o pior dos mundos é a elevação dos juros além do necessário pelo Banco Central.
Cada um ponto a mais na Selic gera custo de R$ 53 bilhões para o Tesouro Nacional, transferido aos rentistas, inclusive estrangeiros, que vêm ganhar com os juros da dívida brasileira. Isso sem falar dos impacros nas empresas e famílias.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)