Líbano sofreu uma onda de explosões entre terça e quarta-feira, quando milhares de bipes, handies e outros dispositivos eletrônicos explodiram em um ataque atribuído a Israel que deixou 14 mortos e 2.800 feridos. O incidente aprofundou ainda mais a já frágil e tensa relação entre o Hezbollah e Israel, e agora ameaça desencadear uma perigosa escalada militar na região. As detonações começaram às 15h30 (horário local) de terça-feira em diferentes partes do Líbano e da Síria, quando milhares de bipes, usados por membros do Hezbollah para evitar serem rastreados, explodiram simultaneamente. Embora não se saiba exatamente como Israel conseguiu acessar os dispositivos, segundo fontes de segurança libanesas, o Mossad teria inserido placas com explosivos dentro dos dispositivos, que teriam sido ativados remotamente por meio de uma mensagem codificada. As detonações foram suficientemente poderosas para causar danos e feridos massivos e o Hezbollah prometeu uma vingança “única e sangrenta” após o que foi visto como uma das operações mais sofisticadas da guerra paralela entre o grupo terrorista e Israel. Isto é o que sabemos até agora.1Quem está por trás dos ataques?ver2Como Israel conseguiu modificar os bipes?ver3De onde vieram os bipes?ver4Por que o Hezbollah usa bipes e não telefones celulares?ver5O que sabemos sobre os manuais e outros dispositivos eletrônicos envolvidos?ver6Como os bipes explodiram?ver7Por que os bipes dispararam neste momento?ver8Israel realizou ataques semelhantes?ver9Por que é tão importante e que implicações tem?ver
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Quem está por trás dos ataques?
As autoridades israelitas permaneceram em silêncio e nem o exército nem o gabinete do primeiro-ministro emitiram declarações sobre o assunto. No entanto, múltiplas fontes de segurança apontaram a Mossad, a agência de espionagem israelita, como a principal responsável pela operação.
Especificamente, relataram que a Unidade 8200, uma divisão de inteligência das Forças de Defesa de Israel (IDF), esteve envolvida na fase de planejamento técnico, desenvolvendo formas de inserir os explosivos durante o processo de fabricação dos dispositivos.
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Como Israel conseguiu modificar os bipes?
Especialistas explicam que o sucesso da operação dependeu da combinação entre a inserção de explosivos no sinal sonoro e o ajuste de seu firmware – o software pré-instalado de fábrica – para gerar a explosão. Isso não pode ser feito sem acesso físico aos dispositivos.
Portanto, suspeita-se que estes sinais sonoros, fabricados pela empresa taiwanesa Gold Apollo e distribuídos pela empresa húngara BAC, tenham sido interceptados em algum ponto da cadeia de abastecimento. O segredo é descobrir como eles tiveram esse acesso para modificá-los.
Existem teorias sobre como isso poderia ter acontecido: uma opção é que Israel substituísse os dispositivos por outros modificados durante o trânsito ou acessasse diretamente a mercadoria em um porto ou navio.
Está descartado que a explosão tenha sido causada por uma bateria defeituosa ou superaquecida. A hipótese mais provável é que os explosivos tenham sido instalados junto com o firmware modificado, permitindo a ativação remota das detonações por meio de uma mensagem codificada.
Uma importante fonte de segurança libanesa disse à Reuters que agentes israelenses colocaram os explosivos dentro dos dispositivos cinco meses antes das detonações de terça-feira. Um funcionário dos EUA disse ao The New York Times que fez afirmações semelhantes, acrescentando que os dispositivos foram adulterados antes de chegarem ao Líbano. Aparentemente havia material explosivo escondido em cada localizador próximo à bateria, junto com um interruptor que poderia detonar o dispositivo remotamente.
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De onde vieram os bipes?
Os sinais sonoros envolvidos nas explosões faziam parte de um lote de 5.000 localizadores encomendados pelo Hezbollah. Esses dispositivos foram comercializados pela Gold Apollo, empresa com sede em Taiwan, e fabricados pela BAC Consulting, empresa com sede em Budapeste, Hungria.
De acordo com fontes de inteligência libanesas e relatórios da Reuters, eles foram importados para o Líbano na primavera de 2024. A Gold Apollo, embora tenha autorizado o uso de sua marca nos dispositivos modelo AR-924, diz que não fabricou diretamente os bipes que explodiram.
O Ministério dos Assuntos Económicos de Taiwan disse que a empresa não tinha registos de exportações directas para o Líbano, sugerindo que os dispositivos podem ter sido adquiridos através de intermediários. A BAC Consulting, por sua vez, garantiu que o seu papel na transação foi apenas o de intermediário, negando qualquer participação na fabricação ou modificação dos beepers.
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Por que o Hezbollah usa bipes e não telefones celulares?
O Hezbollah usa bipes e dispositivos manuais para evitar a vigilância tecnológica e o rastreamento pelos serviços de inteligência israelenses. Os telefones celulares são mais vulneráveis à interceptação de comunicações e ao rastreamento de localização.
O pager é um pequeno dispositivo sem fio que pode receber e, em alguns casos, enviar mensagens, mas não fazer chamadas. Popular nas décadas de 1980 e 1990, seu uso diminuiu rapidamente no início dos anos 2000 com o surgimento dos telefones celulares.
O líder do Hezbollah, Hasan Nasrallah, já havia alertado seus seguidores em diversas ocasiões que os telefones celulares podem atuar como “agentes” a serviço de Israel, devido à sua capacidade de rastreamento com precisão. Por outro lado, beepers e handies, embora menos funcionais, oferecem maior nível de anonimato em comparação aos telefones celulares.
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O que sabemos sobre os manuais e outros dispositivos eletrônicos envolvidos?
O ataque não envolveu apenas sinais sonoros, mas também houve explosões em dispositivos manuais, painéis solares e outros dispositivos electrónicos utilizados pelo Hezbollah para comunicar, sugerindo que o nível de infiltração nos equipamentos de comunicação do grupo é significativo.
Os handies, utilizados pelo Hezbollah para as suas comunicações internas, foram modificados de forma semelhante aos beepers. Imagens das explosões examinadas pela Reuters mostraram um painel interno rotulado “ICOM” e “made in Japan”.
De acordo com seu site, a ICOM é uma empresa de radiocomunicações e telefonia com sede no Japão.
No entanto, a empresa disse que a produção de vários modelos do rádio portátil ICOM foi descontinuada, incluindo o IC-V82, que parecia corresponder muito às imagens do Líbano na quarta-feira e que foi descontinuado em 2014.
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Como os bipes explodiram?
Fontes de segurança libanesas e americanas confirmaram que os sinais sonoros explodiram após receberem uma mensagem codificada que ativou os explosivos inseridos nos dispositivos.
Estima-se que cada bip continha cerca de três gramas de explosivos, que passaram despercebidos durante meses. As explosões ocorreram quase simultaneamente, o que reforça a teoria de uma activação coordenada pelos serviços de inteligência israelitas.0 segundos de 17 segundos Volume 90%
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Por que os bipes dispararam neste momento?
A decisão de ativar os explosivos neste momento continua a ser um tema de debate. Algumas fontes sugerem que Israel estava à espera de um momento mais oportuno para detonar os dispositivos, possivelmente pouco antes de um grande ataque militar ao Hezbollah.
No entanto, o acúmulo de milhares de bipes modificados representava um risco potencial de serem descobertos antes de serem utilizados, o que pode ter acelerado a operação.
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Israel realizou ataques semelhantes?
Israel realizou ataques semelhantes no passado, embora a escala e a sofisticação do recente ataque por sinal sonoro o tornem especialmente notável. Nas últimas décadas, a Mossad e a Unidade 8200 estiveram envolvidas em várias operações de sabotagem, ataques cibernéticos e assassinatos seletivos.
Entre os mais conhecidos estão o uso de explosivos em telemóveis para assassinar altos funcionários de organizações como o Hamas, bem como o ataque do vírus Stuxnet em 2010, que sabotou as centrifugadoras nucleares do Irão.
Além disso, Israel utilizou tecnologia avançada para realizar assassinatos remotos, como o assassinato do cientista nuclear iraniano Mohsen Fakhrizadeh em 2020, utilizando uma arma controlada por satélite.
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Por que é tão importante e que implicações tem?
Este ataque é chocante porque representa um dos golpes mais significativos contra o Hezbollah em anos, tanto em termos de vítimas como de violações da sua segurança. A operação demonstrou que nem mesmo os métodos de comunicação mais rudimentares do grupo, como os sinais sonoros, estão a salvo da sofisticação tecnológica de Israel.
“Se Israel for realmente responsável, o ataque do sinal sonoro foi sem dúvida um dos movimentos mais originais, surpreendentes e dolorosos desta guerra sombria. “Este é o tipo de operação reservada para uso apenas em casos de emergência”, disse Ronen Bergman, analista do jornal israelense Yediot Aharonot, ao El País.
REPORTAGEM DO ” LA NACION” ( ARGNTINA)