Amei, à primeira vista, duas metrópoles históricas do universalismo europeu – símbolo do cosmopolitismo do continente que iluminou o renascimento do planeta na Idade Moderna (1453 – 1789). A primeira foi Lisboa, no fervor dos anos seguintes ao 25 de Abril de 1974, quando lá desembarquei, na estação de comboios de Santa Apolónia, no amanhecer de uma quinta-feira, vindo de Madri, onde residia.
Perambulei, deslumbrado, um dia inteiro, por avenidas, becos e vielas da cidade que, desde a infância, à distância, do outro lado do Atlântico, aprendi a amar. Ao passar tardes a folhear livros e jornais na biblioteca do Gabinete Português de Leitura da Bahia, um prédio em arquitetura neo-manuelino, no Jardim da Piedade, no centro de Salvador, próximo ao Palácio das Joias, de propriedade de meu querido e saudoso pai – um espanhol galego com fortes inclinações republicanas.
A segunda foi a maravilhosa Nápoles, numa manhã de sábado, na data em que completei 29 anos, em 10 de maio de 1978, saindo de carro de Roma, aonde havia sido enviado pelo diário O Globo, de Madri, para cobrir, durante dois meses, o sequestro e assassinato do líder democrata cristão Aldo Moro, aos 62 anos, pelo grupo terrorista esquerdista Brigadas Vermelhas. Ele articulou a aliança com os comunistas, denominada “Compromisso Histórico”, e foi encontrado morto em nove de maio, dentro de um automóvel Fiat, na região central da Cidade Eterna.
Cheguei a Nápoles, portanto, exausto, depois do ‘Caso Moro’, no entanto, profundamente feliz por poder conhecer, finalmente, a cidade mais irrequieta da Itália – capital do fabuloso Reino das Duas Sicílias (1816 – 1861). Faziam parte das Duas Sicílias nada menos do que sete das 20 províncias italianas: Abruzos, Basilicata, Calábria, Campânia (onde fica Nápoles), Molise, Apúlia e Sicília.
O Reino das Duas Sicílias surgiu após o fim dos reinos de Nápoles (que existia desde 1282) e da Sicília (criado em 1130) – suprimidos pelo Congresso de Viena de 1816. Nápoles ainda hoje é apaixonante. Tenho um carinho muito especial por seus edifícios e monumentos, e a espontaneidade dos habitantes. Da Baía de Nápoles emerge a ameaçadora visão do imenso e traiçoeiro vulcão Vesúvio que, no ano 79, da Era Cristã, entrou em erupção e soterrou várias povoações, dentre as quais, a célebre Pompeia.
Essa extraordinária Nápoles é o tema da nova publicação, em dois volumes, do historiador Durval de Noronha Goyos – cuja mãe, da família Sabella, era natural de Campobasso, capital do Molise, uma das regiões que integravam as Duas Sicílias. A obra se chama “Breve História da Imigração Meridional Italiana no Brasil” – incluindo uma extensa lista de aforismos napolitanos. O Reino das Duas Sicílias, a rigor, não existe mais, entretanto, continua a vigorar sua Casa nobiliárquica – à qual pertencia a venerável napolitana Dona Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias (1822 – 1889), esposa de Dom Pedro II (1825 – 1891), grande impulsora da emigração do ‘Bel Paese’ para o Brasil, que comemora 150 anos neste 2024.
Os herdeiros da Coroa das Duas Sicílias possuem o título de Duque de Castro – localidade ao Norte de Roma, entre as províncias do Lácio e da Úmbria. O atual Duque de Castro é Carlos de Bourbon-Duas Sicílias, cujo foto ilustra a coluna, nascido em 1963 e um dos sobrinhos descendentes de Dona Teresa Cristina. O Reino das Duas Sicílias, sobrevive até os nossos dias, principalmente, no espírito inconformista dos napolitanos e dos demais povos exaltados por Durval de Noronha Goyos, dono de sobrenomes nobres lusitanos, da linhagem paterna, porém de coração arrebatado pelo sangue peninsular materno dos Sabella.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador