Eugênia Gonzaga conta ao GGN o drama das famílias das vítimas, que até hoje buscam informações sobre a morte dos entes queridos
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No início de julho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recriou a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, responsável por investigar crimes políticos cometidos durante a ditadura militar e que foi encerrada durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL).
Para comentar os avanços dos trabalho a partir do acordo com o Conselho Nacional de Justiça, o programa TVGGN 20H contou com a participação da procuradora e presidente da Comissão Eugênia Augusta Gonzaga.
Eugênia chama a atenção para a nova fase da comissão, em que o Estado brasileiro, por meio do trabalho da Comissão, consegue informar as condições das mortes das vítimas, que antes tinham na certidão de óbito espaços em branco na descrição do local, data e causa da morte.
“Eram dados muito insuficientes para significar um reconhecimento formal sobre o que, na verdade, vitimou aquela pessoa. Então, essa reclamação existe, por parte das famílias, pelo menos desde o início dos anos 2000. E a Comissão Nacional da Verdade, em 2014, entre as suas 29 recomendações, disse: ‘olha, tem de retificar esses assentos de óbito lavrados nessas condições formalistas’”, explica a procuradora.
A partir de 2018, a Comissão passou a fazer a retificação das certidões, porém de maneira artesanal, segundo a presidente, tendo em vista que o tema era pouco conhecido nos cartórios de registro de pessoas, tanto que alguns se recusaram a fazê-lo. No entanto, as correções foram paralisadas no governo anterior.
“As famílias continuaram querendo as retificações. Eu, no começo, não entendia a importância desse papel para as famílias, como para eles foi muito importante ter esse reconhecimento formal”, emenda a entrevistada.
A partir do acordo com o Conselho Nacional de Justiça, a presidente da Comissão estima que pelo menos 407 documentos serão retificados nessa primeira fase, que deve ser concluída até o final deste ano. Além da retificação, as famílias receberão ainda um pedido de desculpas por parte do Estado.
Desmonte
Eugênia Gonzaga conta ainda que, apesar do desmonte, alguns funcionários e colaboradores permaneceram na Comissão e conseguiram preservar alguns contratos obrigatórios de realização de exame de DNA no exterior.
Já em relação às verbas para financiar as atividades, estas foram destinadas à comissão em 2015 por repasse do Executivo e também de emendas parlamentares, que ficaram protegidas durante a última gestão por estarem vinculadas a uma finalidade específica.
No entanto, a presidente espera que a Comissão conte com uma verba prevista no orçamento do governo federal para o próximo ano, além de repasses de emendas dos deputados que já colaboram com os trabalhos.
Significado
Ainda que atue nesta atividade há mais de 20 anos, Eugênia Gonzaga conta que o trabalho em si já é uma forma de reparação de uma injustiça cometida há tantos anos no país, tanto no crime, quanto no esquecimento das vítimas.
“Mas, no fundo, eu tinha, sim, a sensação que a gente ia comunicava para as famílias, às vezes, alguns avanços, identificações, essas certidões mesmo.
E eu via que elas realmente ficavam emocionadas em conseguir alcançar esses pequenos degraus. Mesmo assim, nada estava bom. Era a sensação que eu sempre tive trabalhando com isso, era que nada estava bom para essas vítimas”, continua a entrevistada.
Em 27 de março, a procuradora perdeu o filho, Vinícius Gonzaga Fávero, de 27 anos. Vinícius tinha síndrome de down e não resistiu às complicações causadas pela dengue.
“Passamos uma situação muito delicada com o Vinícius, em que eu identifiquei erros durante todo aquele processo, erros que começaram já, talvez, desde a dengue lá dentro do hospital. Não é possível afirmar que nenhuma dessas causas isoladas foram responsáveis pelo resultado final, do desfecho, da situação dele. Mas foram erros inescusáveis. Não podia acontecer aquele tipo de erro, a falta de informação sobre as especificidades da síndrome de Down em relação a esse tipo de doença [dengue]”, relata.
Para evitar novas perdas, Eugênia Gonzaga fez uma petição, enviada para órgãos competentes. Ela não almejava indenização, mas sim preservar a vida de outras pessoas com síndrome de Down. O hospital reconheceu os equívocos e melhorou o protocolo interno.
“Aparentemente, foi quase uma vitória. Eu voltei contemplada de algum jeito, mas eu caí de cama. Eu lembro de ouvir isso das outras vítimas, que sempre quando elas passam por essas reuniões judiciais, por essas situações, parece que vem aquela tristeza junto. E, finalmente, eu entendi esse processo. Por que nada está bom? Porque, simplesmente, você não queria ter passado por aquilo. No caso delas, ter uma irmã vítima de tortura, você não queria estar passando por aquela situação. Como eu ouvi depois de um pai: ‘Era para a minha filha estar aqui namorando um genro que eu quero brigar com ele’”, continuou a entrevistada.
Devolução da história
Para reafirmar a importância do trabalho da Comissão e de quão truculento foi o regime militar, a procuradora lembra do caso de Miguel Sabá Noé, um espanhol radicado no país que, devido à distância da família, passou a ter problemas mentais.
Noé passava os dias em uma estação de trem, escrevendo versos sobre a liberdade. Os militares acreditaram que se tratava de uma pessoa subversiva, por isso o prenderam. Teve o azar de ficar com Sônia Ângel e Picalho Lana, reconhecidamente militantes políticos. Foi torturado até a morte.
Depois de um teste de DNA, foi identificado. A família, então, viajou ao país para receber os despojos. “Vocês não estão devolvendo para nós as cinzas do meu pai, vocês estão devolvendo para nós a nossa história, porque nós acreditamos que tínhamos sido abandonados pelo meu pai. Jamais imaginamos que meu pai tinha sido morto num cárcere no Brasil”, disseram os familiares à Gonzaga.
CAMILA BEZERRA ” JORNAL GGN” ( BRASIL)
Confira a entrevista completa na TVGGN: