O BAIANO QUE VENCEU EM MOSCOU

  • O Partido Comunista Português, considerado ‘profundamente’ stalinista, aproveita a efeméride do centenário da morte de Vladimir Lenin, que ocorre neste 2024, para exaltar os feitos revolucionários dos bolcheviques. Muito mais do que o próprio governo da Rússia de Vladimir Putin – um Cristão Ortodoxo, devoto dos fabulosos ícones bizantinos, salvos de Constantinopla, atual Istambul, e levados para Moscou, após a queda, em 1453, da metrópole do antigo Império Romano do Oriente.
  • Putin, de forma pragmática, comemora, discretamente, sem grandes desfiles militares, ao contrário do passado soviético, a figura do ateu Lenin, líder da Revolução Russa, nascido em 1870 e morto aos 54 anos, que é tido como o mais temido dos comunistas. Menos para o folclórico e temerário Presidente do Bahia, Osório Villas Boas (1914 – 1999), de origem humilde, natural do bairro soteropolitano do Rio Vermelha, um comissário de polícia e vereador na capital baiana, enfim, com perfil ‘populista’.
  • Era membro do PSD (Partido Social-Democrata), dirigido por moderados getulistas mineiros, como Juscelino Kubitschek (1902 – 1976) e Tancredo Neves (1910 – 1985). Villas Boas, cuja foto ilustra a coluna, de fraque e cartola, aceitou, em plena Guerra Fria, em 1957, a proposta de um empresário de futebol, o português José da Gama, e conduziu o seu time a uma temporada à Europa. Incluiu no roteiro um improvável amistoso contra o Spartak, em Moscou, no célebre Estádio Lenin.
  • O Bahia seria o primeiro clube brasileiro a jogar na União Soviética. A equipe baiana foi um sucesso e acabaria por realizar um total de sete partidas no país dos bolcheviques. Ganhou quase todos os embates e fez uma nova excursão três anos depois, em 1960, já como campeão da I Taça Brasil, conquistada meses antes. Obteve outros triunfos.
  • Nas duas passagens por Moscou, como era praxe, Villas Boas teria sido convidado, pela nomenclatura soviética, a visitar o mausoléu de Lenin, na Praça Vermelha, próximo às muralhas do Kremlim – onde o corpo continua embalsamado e exposto ao público. A ida do ‘cartola’ ao túmulo teria custado seu mandato de vereador, em 1969, com base no AI-5, uma série de medidas que consolidaria o golpe militar perpetrado em 1964 no Brasil.
  • No mesmo ano de sua cassação, possivelmente, com receio de ser preso, deixou a presidência do Bahia e só voltaria à política após o início da abertura democrática. Ter ligação com qualquer símbolo comunista, no Ocidente, durante os anos de Guerra Fria, podia, realmente, ser fatal. Principalmente, aqui, nas Américas. Lenin, afinal, foi, sem dúvida, o maior revolucionário do século XX.
  • A insurreição bolchevique de 1917 foi comandada por ele e inspirada nas lutas sociais do século XIX – quando apareceram as denominadas internacionais. A  Primeira, em 1864, na cidade suíça da Basileia, intitulada Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), protagonizada pelo social-democrata alemão Karl Marx (1818 – 1883) e o libertário russo Mikhail Bakunin (1814 – 1876), reunindo, sobretudo, anarquistas.
  • A Segunda aconteceria em 1889, em Paris, com caráter, exclusivamente, social-democrata, tendo como mentor o estudioso alemão Friedrich Engels (1820 – 1896), parceiro de Marx, e precursor do “socialismo científico”. O próprio Lenin, em 1919, em Moscou, criaria a Terceira Internacional, fundadora, a rigor, de todos os partidos comunistas que surgiram no planeta. Uma Quarta Internacional seria estabelecida em 1938, em Paris, liderada pelo russo Leon Trotsky, agrupando dissidentes do stalinismo. A seção brasileira da Internacional trotskista integra, atualmente, com o nome Trabalho, uma das alas do Partido dos Trabalhadores (PT). Um universo esquerdista tão complexo que o populista baiano Villas Boas jamais decifraria.        
  • ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL/ PORTUGAL)
  • Albino Castro é jornalista e historiador

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