O IMORTAL KANT E A MORTE NA PRÚSSIA

É quase impossível estudar os grandes descobrimentos marítimos da Idade Moderna  (1453 – 1789), impulsionados pelos valorosos lusitanos, sem um conhecimento mínimo da língua portuguesa – consolidada, no século XVI, na obra “Os Lusíadas”, do poeta Luis de Camões (1524 – 1580), onde se encontram os mais eloquentes versos de nosso idioma.

Tão impossível e improvável quanto estudar Filosofia sem qualquer iniciação ao vernáculo alemão do extraordinário Immanuel Kant (1724 – 1804), autor da “Crítica da Razão Pura”, publicada em 1787, e pai do pensamento contemporâneo, nascido há 300 anos na esplêndida Königsberg, capital da heroica Prússia – ícone da germanidade e do universalismo do Sacro Império Romano Germânico, berço da Alemanha, país inspirador e âncora da União Europeia.

A pátria de Kant, no entanto, não existe mais. Nem mesmo no mapa da Europa e muito menos na União Europeia. Os territórios da antiga Prússia, que se estendiam, ao longo das águas geladas do Mar Báltico, de Königsberg à Danzica, integrada, hoje, à Polônia, com o nome de Gdansk, foram fatiados, após a Segunda Guerra (1940 – 1945), entre a então União Soviética (1917 – 1990) e o regime comunista de Varsóvia. A Königsberg de Kant passou a ser denominada, por ordem de Moscou, como Kaliningrado e, se mantém um enclave da Rússia de Vladimir Putin dentro dos limites da União Europeia – um punhal cravado no coração da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que tutela, militarmente, a Europa Ocidental, desde a década de 1950, no auge da “Guerra Fria”.

A metástase prussiana da Segunda Guerra nunca foi questionada por Washington ou Bruxelas. Ao contrário do que ocorre há dois anos com a Ucrânia, defendida com unhas e dentes na União Europeia, bem como na OTAN e pelo ‘progressista’ governo democrata dos Estados Unidos, do presidente Joe Biden e da vice-presidente Kamala Harris, contra a ocupação putinista de áreas da velha república soviética, que, a rigor, pertenciam à Rússia Czarista. O ditador bolchevique  Jozef Stalin, natural na caucasiana Georgia, promoveu uma implacável ‘limpeza étnica’ no interior das antigas fronteiras prussianas e, atualmente, nos seus territórios, praticamente já não se fala o alemão.

Um elo germânico perdido no ‘Corredor Polonês’, de triste memória, que unia as duas cabeças da mesma águia, símbolo da Prússia do mítico Frederico II O Grande (1712 – 1786). Os alemães foram os pioneiros a juntar, no século XVIII, duas matérias que fazem todo sentido, isto é, Geografia e Política, com o viés, indelevelmente, histórico, criando, assim, o conceito de Geopolitik. Foi na Alemanha, que, pela primeira vez, há quase 250 anos, implantou-se o curso de Geografia no ensino fundamental e médio. Até então, no resto do continente, a disciplina era reservada, exclusivamente, aos soberanos.

Os teutos começaram a se dedicar à Geopolítica para entender e conviver, em um só Império, com povos e religiões diferentes. O próprio Kant foi por décadas professor de Geografia – na mesma escola, aliás, na qual estudou, entre os anos 1930 e 1940, o meu já saudoso sogro, o prussiano-alemão Oskar Kurt Wolfgang von Wasielewski-Rogalla (1932 – 2024) – padrasto da querida Dona Andrea, minha esposa. Wolfgang von Wasielewski, como era conhecido, chegou ao Brasil, em 1956, para ser gerente da Siemens – comandando, aqui, as sucursais do Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife, tornando-se, posteriormente, em São Paulo, diretor de todas as filiais. Também liderou, na Argentina, pela Siemens, a construção da usina atômica de Atucha, na Província de Buenos Aires – a primeira da América Latina. Morreria frustrado, no dia 11 de janeiro deste ano, por não ter visto o ressurgimento de sua Prússia kantiana.      

   ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM  FOCO” ( BRASIL/ PORTUGAL) 

Albino Castro é jornalista e historiador


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