DE OLHO NA VENEZUELA, LULA ESQUECE OS PROBLEMAS DAQUI

CHARGE DE AROEIRA

O fim dos trabalhos do Congresso antes do recesso de julho já tinha indicado o risco de clima beligerante dos deputados e senadores da oposição em relação ao governo Lula, na volta dos trabalhos legislativos, a partir de 5 de agosto. Na semana passada, ainda entretido com o “beco sem saída” em que se meteu ao tentar mediar uma solução democrática para a Venezuela e acreditar que Nicolás Maduro ia cumprir o acertado no Acordo de Barbados de outubro de 2023, Lula esqueceu do principal: formar trincheiras para refrear o ímpeto oposicionista do Congresso, onde é minoria na Câmara e no Senado. Mas não há dúvidas: a questão da Venezuela, com a dubiedade da nota de apoio do PT e a cobrança de Lula pelas atas a Maduro, vai pesar na eleição municipal.

Tempestade em copo d’água tenta livrar Bolsonaro do STF

Assim como na semana anterior um parecer do ministro nomeado por Jair Bolsonaro para o Tribunal de Contas da União (TCU) em 2020 pretendeu igualar não só as horas dos relógios de Lula (recebido quando era presidente em 2006, da Cartier, na França) e dos relógios vendidos nos Estados Unidos por emissários de Bolsonaro (recebidos da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, depois que o TCU criou, em 2016, regras rígidas quando ao uso de presentes presidenciais), mas isentar Bolsonaro de crimes, nesta semana a divulgação de um obscuro “dossiê” tentou melar os inquéritos das “fake News” conduzidos no Supremo Tribunal Federal pelo ministro Alexandre Moraes.

Uma troca de mensagens recolhida no celular do perito aposentado do STF, Eduardo Tagliaferro, então chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em setembro de 2022, e o juiz auxiliar de Moraes no STF, Airton Vieira, tenta equiparar, segundo dossiê publicado na Folha de S. Paulo pelo jornalista Glen Greenwald, o fato como o mesmo que ocorreu nos trechos divulgados por Greenwald nos casos de conluio entre o Juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava-Jato.

Acontece que, em setembro de 2022, o presidente do TSE era o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, que exercia, como ocorre no sistema de rodízio dos ministros do STF, a presidência do TSE por dois anos. Moraes sucedeu a Luís Edson Fachin em 16 de agosto de 2022 e ficou no cargo até 3 de junho de 2024, quando a presidência do TSE passou a ser exercida pela ministra do STF Cármem Lúcia Antunes Rocha. Detalhe, o presidente do TSE comandou o julgamento que declarou Bolsonaro inelegível por oito anos pelo uso da máquina pública na reunião com os embaixadores, em julho de 2022, quando espalhou a versão de que as urnas eletrônicas não eram confiáveis. Após atingir Moraes, é anular o julgamento?

Os dois chapéus de Moraes

Como relatou Moraes, não fazia sentido, na pressa de coibir delitos eleitorais e “fake News” que visavam desacreditar a credibilidade das urnas eletrônicas, que ele, que usava o chapéu de presidente do TSE e de ministro que comandava os inquéritos das “fake News”, burocraticamente oficiasse a si mesmo (na outra função), para determinar procedimentos, já que ele encarnava a dupla responsabilidade.

Será que queriam que Moraes fizesse – para valer – a fraude combinada entre a deputada Carla Zambelli (PL-SP) e o “hacker” Walter Delgatti, que, para espalhar a versão de que o sistema eleitoral era vulnerável, invadiram, com login e senha de um funcionário do Conselho Nacional de Justiça, o site do CNJ, e forjaram uma ordem de prisão do ministro do STF, Alexandre de Moraes, contra o presidente do TSE, Alexandre de Moraes?

Como o jabuti subiu na árvore?

Já dizia um velho ditado nordestino. “Se jabuti aparece em árvore, ou foi enchente (raríssima no árido sertão nordestino) ou mão de gente”. No caso, Zambelli e Delgatti estão sendo processados. Mas o que chama a atenção no caso do vazamento da troca de mensagens entre Tagliaferro e Vieira é que quem teve acesso ao seu celular, no inquérito em que a ex-mulher o acusava de agressões e invocava a proteção da Lei Maria da Penha, foi a Polícia Civil do Estado de São Paulo. Tagliaferro foi exonerado do TSE em maio de 2023, após ser preso e acusado por violência doméstica contra a esposa.

Por acaso, a Polícia de São Paulo está sob o comando do governador Tarcísio de Freitas. Eleito em 2022 pelo Republicanos, o braço político da Igreja Universal do Reino de Deus do bispo Edir Macedo, Tarcísio de Freitas foi ministro da Infraestrutura de Jair Bolsonaro e é seu principal aliado. Não é preciso ser um gênio, nem contratar o melhor e mais eficiente “hacker” para saber que uma troca de mensagens por “whattsapp” interessa e muito ao ex-presidente e às centenas de golpistas processados por Moraes na tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023, para desgastar o ex-presidente do TSE que garantiu que a vontade do eleitor fosse respeitada em 3 e 30 de outubro de 2022. Alegar a mesma contaminação do que a de um juiz trocar e pedir fabricação de provas a um promotor, vai uma enorme distância. Tão grande entre democracia e golpe.

Mas, como sublinhou meu amigo Ricardo Noblat, em seu blog no site “Metrópoles”, o tiro dado em Alexandre de Moraes poderá levá-lo a dobrar a aposta. E a bala de festim vai dar em nada: sem “impeachment” do ministro, sem revisão da inelegibilidade de Bolsonaro, sem recuo da Justiça.

Lira barganha pelo Orçamento Secreto

Já o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), decidiu sexta-feira, 16 de agosto, dar andamento a mais uma proposta de emenda à Constituição (PEC), em resposta à decisão da Corte de suspender o pagamento de emendas impositivas, nas quais estão incluídas as chamadas “emendas Pix”, cuja proibição fora determinada por liminar do ministro Flávio Dino. Enquanto destravava uma PEC aprovada pelo Senado em novembro, que já fora criticada pelos 11 ministros do STF, por limitar decisões monocráticas (individuais) no Supremo e em outros tribunais superiores, caso ocorra a suspensão da eficácia de leis aprovadas pelo Congresso, Lira deu andamento a outra PEC que estava na gaveta para momento oportuno.

Para mostrar que faz questão de manter o poder do Orçamento Secreto conquistado no governo Bolsonaro, e que já supera R$ 59 bilhões, o presidente da Câmara despachou para a Comissão de Constituição e Justiça, comandada pela bolsonarista Carol de Toni, a PEC nº 28/2024, de autoria do deputado Reinhold Stephanes (PSD-PR), apresentada em junho, que permite ao Congresso derrubar decisões tomadas pelo Supremo pelo voto de dois terços da Câmara e do Senado. Na prática, isso significa 342 (dos 513) deputados, e 54 (dos 81) senadores. “Se o Congresso Nacional considerar que a decisão exorbita do adequado exercício da função jurisdicional e inova o ordenamento jurídico como norma geral e abstrata, poderá sustar os seus efeitos pelo voto de dois terços dos membros de cada uma de suas Casas Legislativas, pelo prazo de dois anos, prorrogável uma única vez por igual período”, diz o texto.

Mas a PEC também diz que o STF só poderá manter a decisão caso haja apoio de 9 dos 11 ministros da Corte. Como dois ministros foram indicados por Bolsonaro, teoricamente teria de haver unanimidade dos ministros mais antigos. Para mostrar a coesão dos ministros antes mesmo do julgamento em plenário, os ministros decidiram, nos plenários virtuais de três casos de mérito dos votos de Flávio Dino contra emendas impositivas, apoiá-lo por unanimidade. O tiro saiu pela culatra: três estrondosos 11 a 0.

O fato é que o impasse entre parte do Congresso e o Judiciário – no caso, com Flávio Dino sendo visto como a “longa manus” do governo Lula – pode emperrar o andamento de temas de interesse do governo antes das eleições. Na Câmara, até 31 de agosto, além da Reforma Tributária, o governo precisa apresentar, até 31 de agosto, a Proposta de Orçamento da União para 2025. Resta saber se o governo está pronto para a queda de braços. E no Senado, além da questão da compensação à redução de encargos trabalhistas e da renegociação das dívidas dos estados (ambos podem pressionar o Orçamento de 2024 e de 2025 em diante), o ambiente não pode ser hostil às indicações que o governo Lula pretende fazer do novo presidente do Banco Central, possivelmente Gabriel Galípolo, atual diretor de Política Monetária, e de seu eventual substituto e de dois diretores cujos mandatos, como o do atual presidente, Roberto Campos Neto, vencem em 31 de dezembro.

A discreta vida pessoal de Delfim Netto

O ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento, Antônio Delfim Neto, que morreu esta semana, aos 96 anos, conseguiu, quem sabe devido ao poder que sempre desfrutou, manter enorme discrição sobre sua vida pessoal.

Com fama de ser um personagem enigmático (pelo estrabismo acentuado) e assexuado, o ex-ministro, que tinha um grupo de jovens economistas assessores, chamados maliciosamente de “Delfim-boys”, foi casado, por longos anos, com D. Mercedes Saporski Delfim, que morreu em 2011, aos 93 anos.

O temor das retaliações de Delfim (pesadas quando acionava a Receita Federal ou o Conselho Interministerial de Preços) contra as empresas de algum empresário que viesse a criticá-lo publicamente, levou, certa vez, o já extinto “Jornal do Commercio” do Rio de Janeiro a jogar no lixo uma edição de mais de 15 mil exemplares, para mudar o título que poderia ser mal interpretado pelo então ministro do Planejamento do governo Figueiredo.

Empregados da Mercedes-Benz em São Bernardo do Campo (SP) estavam em greve contra demissões. O movimento sindical, no qual pontificava o hoje presidente Lula, pressionava o governo para a empresa recuar. Delfim foi cobrado sobre que posição o governo iria tomar. Disse que não poderia interferir. A manchete, dita maliciosa, foi: “Delfim não faz nada com Mercedes”.

Pois, na mesma época, Delfim já tinha um “affair”: Gervásia Diório, com quem teve uma filha, Fabiana Delfim, que virou empresária do mundo da moda e lhe deu o neto Rafael. Delfim apareceu numa foto divulgada em 2007, com Gervásia, quando D. Mercedes ainda era viva.

Confesso que, no final do ano de 1980,estava na casa de meus pais, que moravam na Rua Codajás, atual Jardim Pernambuco, e ouvi uma conversa de minha mãe com uma candidata a copeira-arrumadeira. Quando ela disse que podia dar referências dela e da mãe, que “trabalhava na casa da D. Gervásia, mulher do ministro Delfim Netto”, na Rua Embaixador Graça Aranha – que ficava por cima da nossa casa e na qual foi vendida a mansão mais cara do país, há duas semanas -, fiquei quieto e sorri malicioso.

Quando a moça saiu, brinquei com minha mãe. “Se ligar vão atender com uma voz cavernosa: “Gervásio falando”. Pois era mais um “milagre” do Delfim Netto.

Por que SS ganhou uma TV

No governo Geisel, como parte do processo de distensão e “abertura lenta, segura e gradual” do regime militar, estava em jogo a concessão de dois canais de televisão. Um deles estava reservado ao JORNAL DO BRASIL, que teve a concessão revogada por JK, em represália a uma infeliz legenda de foto (isso é outra história), mas o vice-presidente do JB, M.F. do Nascimento Brito, alegava que não poderia concorrer com a poderosa Globo, que já tinha rede nacional. Geisel aproveitou a falência da Tupi para rearrumar duas redes de extensão nacional. Além do JB, entraram no páreo os grupos “Estadão” e Abril.

Sentindo-se ameaçado, Roberto Marinho começou a incutir nos militares que era um risco entregar dois canais de TV, em rede nacional, para grupos que poderiam fazer oposição ao governo. A ideia colou. As cartas foram reembaralhadas e os canais foram concedidos, no final do governo Geisel, a dois grupos que supostamente não fustigariam o governo.

O grupo Bloch criou a Rede Manchete, que teve jornalismo independente; Silvio Santos ganhou o SBT, que lançou uma bajulação dominical no começo do governo do general Figueiredo, criando “a semana do Presidente”. Era parte do esforço de marketing de Said Farah, ministro das Comunicações, para “tirar” a farda do general e criar a figura do “João do Povo”, que tomava cafezinho no Leblon. Tudo veio abaixo quando Figueiredo foi provar feijão-soja, que iria fazer parte da merenda escolar, e na frente do ministro Amaury Stabile, que sucedeu a Delfim Netto na Agricultura, cuspiu no prato e exclamou: “que droga”.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES””( JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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