Alex Solink conta como foi sua entrevista com Delfim Netto
Era minha primeira entrevista com Delfim Netto. Eu não sabia direito como ele ia me receber, afinal, eu tinha tirado muito sarro dele nas historinhas do “Bar Brasil”, que eu fazia com o genial Paulo Caruso na “Senhor” do Mino Carta e, sabe como é, charge esculhamba mesmo com os personagens, sobretudo os mais poderosos, como ele, e também os mais difamados, também como ele, sobre quem pairavam inúmeras lendas, muitas contraditórias: havia quem garantisse que era gay e outros sustentavam que tinha duas esposas e duas famílias.
Eram 7 da manhã (seu horário preferido para entrevistas), ele estava vestindo calças pretas, sustentadas por um par de suspensórios, camisa branca com mangas arregaçadas, sem gravata e a primeira coisa que me disse foi:
“É uma alegria recebê-lo”.
Fiquei mais tranquilo quando ele disse isso, acompanhado por um sorriso e já pedindo café para nós dois.
Antes de sentarmos, reparei que os quadros que cobriam as paredes de alto a baixo, da esquerda para a direita não eram óleos nem gravuras de mestres famosos, como seria de esperar do local de trabalho de um cara que recebia ali estrelas do jetset, bilionários, políticos cinco estrelas de cinco continentes.
Pedi licença para me aproximar da parede. Estavam ali, cercadas por belas molduras, charges dos nossos maiores artistas. Um Ziraldo ali, um Jaguar acolá, Claudius, Fortuna, Miguel Paiva, Chico Caruso e tantos outros.
E o personagem das charges era o próprio Delfim, sempre escrachado, não só por tudo o que fez (ou que diziam que fez), mas em razão de sua anatomia, um cara baixo e gordinho, naquela época ninguém falava em gordofobia.
Comecei a simpatizar com ele. Além de não processar os chargistas (o que poderia fazer, era o todo poderoso da ditadura), exibia as charges como troféus, para todo mundo ver. Enquanto tomamos café, ele disse que tinha muito mais, estavam guardadas no depósito, na parede não cabiam todas.
“E como as conseguiu? Ganhou de presente?”
“Não. Quando sai na imprensa alguma charge minha, eu mando meu secretário telefonar para o artista e oferecer um bom dinheiro pela obra. Quase todos vendem”.
Muitos anos e muitas entrevistas depois, no mesmo escritório decorado com charges, ele me contou o que sabia sobre a vida e a morte:
“O coração é um relógio que Deus programa, quando a gente nasce, para a hora de parar de bater. Só que a gente nunca sabe a hora”.
A dele foi ontem. E isso não dá charge.
ALEX SOLNIK ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)
A dele foi ontem. E isso não dá charge.