DELFIM, UMA MOEDA DE DUAS FACES

CHARGE DE AROEIRA

Há duas maneiras simplistas de definir o economista Antônio Delfim Netto, que nos deixou aos 96 anos: o homem do “milagre brasileiro” na ditadura e o político que buscava se entender com todos (foi conselheiro de Palocci e Lula nos dois primeiros governos, por isso Lula decretou luto oficial). Reconheço um grande mérito a Delfim: sua tese de formatura sobre o café (que representava 80 e 70% das fontes de divisas nos anos 50 e metade dos 60) foi revolucionária e ponto de partida para a diversificação das exportações. Hoje o café, incluindo o solúvel, representa só 3% das vendas externas do Brasil.

Mas Delfim construiu sua fama de “milagreiro” na ditadura recebendo, em 1967, as finanças públicas saneadas pela dupla Campos e Bulhões (em 1965, com a criação do Banco Central em dezembro de 1964, o crédito do BB encolheu pela 1ª vez na história e gerou ‘as falências purificadoras’). Delfim pegou o manche de uma economia saneada e salários arrochados (a estabilidade com 10 anos fora trocada pelo FGTS, com a conta para a “viúva”).

Com empresas quebradas e altos passivos trabalhistas (nem todos se livraram dos encargos com o FGTS, de diluiu as contribuições), Delfim criou benefícios fiscais para fusões (Befiex), pisou no acelerador do crédito – incluindo o imobiliário – e teve reaberto o crédito internacional após a reunião do Fundo Monetário Internacional no Rio de Janeiro, em 1967, usando como sede o Museu de Arte Moderna, no Aterro do Flamengo, e o anexo onde funcionou por muitos anos o Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec).

Tudo em nome do milagre

Com as finanças saneadas, crédito farto (indispensável motor de uma economia que carecia de renda), houve um salto no PIB, chamado de “milagre brasileiro”. As cadeias de automóveis e imóveis, de grande efeito multiplicador, empurraram a economia para a faixa de dois dígitos. Em nome da garantia ao crescimento e a repressão aos protestos contra o arrocho salarial, o governo do marechal Costa e Silva baixou, em 13 de dezembro de 1968, o AI-5, o mais ditatorial dos decretos do regime militar, fechou o Congresso e demitiu ministros do Supremo Tribunal Federal. Delfim foi um dos signatários.

E teve grande liberdade para fazer o que queria na economia, que passou a crescer a dois dígitos. Entretanto, com salários atarraxados, os setores que menos cresciam na economia do “milagre” eram os que dependiam da elasticidade da renda: tecidos, vestuário e calçados. Para tentar corrigir um dos “pés de barro” do “milagre” (o outro veio à mostra na grande seca do Nordeste em 1969-70), mas pode ser resumida na frase do general Garrastazu Medici, na aula inaugural da Escola Superior de Guerra, em março de 1970: “a economia vai bem, mas o povo vai mal”, Delfim criou vários artifícios parafiscais e incentivou a criação das “promotoras de vendas” para vender tecidos, roupas e calçados a prestação. Em 1972, para acelerar o crédito a esses setores, Delfim desviou recursos do PIS, da CEF, para as financeiras. Médici substituíra em outubro de 1969 a junta militar que assumiu o poder após o impedimento do marechal Costa e Silva, que teve um infarto em agosto.

A rigor, o mandato de Médici, em complemento aos cinco anos de Costa e Silva, terminaria em 1972. Mas em nome do “milagre” comandado por Delfim, houve um movimento empresarial, apoiado pelos grandes jornais da época (Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo, O Globo e Gazeta Mercantil – a Folha de S. Paulo tinha baixa influência então –) decidiu-se por dar cinco anos para Médici (seu mandato expiraria em 15 de março de 1974). Para distrair o povão, foi feita a Copa do Sesquicentenário, no país em 1972, e inaugurada a TV a Cores, interligada em todo o Brasil pela Embratel, estatal.

Delfim, que assumira o Ministério da Fazenda com Costa e Silva e, março de 1967, após uma boa gestão como Secretário de Fazenda de São Paulo, pôde completar sete anos no comando da economia, sem maiores contestações. Inclusive, falseando os números da inflação para cumprir as metas. A inflação oficial de 1973 de 13,7% foi metade da real: 27%. Bancos e corretoras, sabendo disso, apostaram em papéis com correção monetária pós-fixada, buscando lucrar com o realismo na inflação no governo Geisel (1974-79).

Delfim II prova a outra face do ‘milagre’

O “milagre” começou a ruir com a 1º choque do petróleo, em setembro de 1973. A economia brasileira já estava superaquecida: havia filas de pedidos por automóveis e as linhas de produção nas montadoras não atendiam à demanda por atraso na entrega de autopeças (vidros e retrovisores, por exemplo). Como o Brasil só produzia 15% do petróleo em 1973, havia uma crise de balanço de pagamentos já contratada e uma inflação reprimida complicando o ajuste da economia. Simonsen pregava um crescimento menor – de 3% a 5% ao ano, alertando: “a inflação aleija, mas o balanço de pagamentos mata”.

Assim, o governo Geisel fez o II PND, um plano estrutural de ajuste do balanço de pagamentos. Havia muitos financiamentos do BNDE (que ficou com dinheiro do PIS para turbinar projetos de substituição de importações). Com correção monetária pré-fixada em 20% ano, muito empresário lançou projetos. Deu certo, em parte. Em 1977-78 a balança comercial voltou a ter superávit após déficit de US$ 4,5 bilhões em 1974. Mas um 2º choque do petróleo, em 1978-79 já estava se desenhando após a queda do Xá do Irã e se materializou em dezembro de 1979 com a guerra Irã-Iraque, dois grandes fornecedores nossos.

Nomeado ministro do Planejamento do general Figueiredo (1979-85), Mário Henrique Simonsen pregava dupla cautela com as contas externas, pois, além da escalada do petróleo (a Petrobras descobriu petróleo na bacia de Campos em agosto de 1974, mas só viria a produzir nos anos 80), os juros da dívida externa tinham quase triplicado quando Paul Volcker, no comando do Federal Reserve, nos Estados Unidos, elevou os juros a 19-20% ao ano, arrasando todos os cronogramas financeiros dos empréstimos externos do Brasil e países emergentes para fazer o ajuste do balanço de pagamentos no 1º choque do petróleo.

No comando do Ministério da Agricultura, já com a soja assumindo a liderança das exportações brasileiras, cada vez menos dependentes do café, e com o tímido, mas progressivo, aumento da participação do petróleo doméstico na substituição de petróleo importado – como as refinarias foram projetadas para refinar o petróleo mais leve importado, a Petrobras vendia o petróleo mais barato de Campos e abatia parte das despesas na importação, situação que passou a ficar confortável com o pré-sal que superou a soja nas exportações), Delfim teve outro parceiro gastador na figura do ministro do Interior, Mário Andreazza, que era virtual candidato à sucessão de Figueiredo (disputou e perdeu para Maluf na prévia do PDS e Maluf perdeu para Tancredo no Colégio Eleitoral em 1984).

Logo percebendo que o general Figueiredo cedia às promessas de Delfim de “encher a panela do povo” – que só veio a ocorrer nos anos 90, com a produção de soja, milho e algodão no cerrado do Centro-Oeste, que ajudou a sanear as contas externas – Simonsen pediu demissão em agosto de 1979 e Delfim virou o czar da Economia, no comando da pasta do Planejamento.

Erros em sucessão

Considero a 2ª passagem de Delfim no comando da economia a reprovação de seus “méritos” no milagre. Ignorando os alertas de Simonsen, seu discurso de posse incitou os empresários a “botar pau na máquina”. Para incentivar o crescimento (quando a inflação já chegava a 77% ao ano, adotou o reajuste salarial semestral) criou um sistema de prefixação da correção cambial em 45% e da correção monetária em 50% para 1980. O PIB mais do que dobrou, mas a economia capotou. A inflação deu mais do que o dobro: 110%. As contas públicas se esgarçaram (o BNH quebrou ao perdoar por duas vezes 50% da correção monetária das prestações da casa própria, esqueleto bilionário.

A economia desacelerou drasticamente em 1981 e em 1982 teve a crise da dívida externa, após a moratória do México, em agosto de 1982. O Brasil só não declarou moratória em setembro, porque as eleições para governadores em novembro (a 1ª para governador desde o AI-5) e para a composição da Câmara e do Senador, desenharia o Colégio Eleitoral para a eleição indireta do sucessor do general Figueiredo.

O Brasil mergulhou numa fase de hiperinflação e de recessão, considerada a década perdida. Para não seguir o conselho de moderação de Simonsen, Delfim convenceu Figueiredo e parte do empresariado de que poderia voltar a fazer “milagre”. Entramos na “década perdida” dos anos 80, o outro lado do milagre. Ou seja, sem repressão política (Lula surge como forte líder sindical em 1978), o economista Delfim não conseguiu mais fazer “milagres”.

Milagre foi a estabilização da moeda com o Plano Real, na Democracia.

Focus reduz dólar e sobe IPCA

A pesquisa Focus, colhida até sexta-feira pelo Banco Central junto a uma centena e meia de instituições financeiras, consultorias e institutos de pesquisa, trouxe uma boa notícia: a previsão para a cotação do dólar em dezembro foi mantida em R$ 5,30. No mercado à vista a cotação caiu pela primeira vez em 45 dias abaixo de R$ 5,50, cotado a R$ 5,4998 às 12 horas, num dia de valorização do dólar contra o iene (0,57%), franco suíço (0,19%), mesma variação contra a lira turca e alta de 1,27% contra o peso mexicano).

Em compensação, as projeções para a inflação voltaram a subir de 4,12% para 4,20% (4,22% nas respostas dos últimos cinco dias úteis). A LCA Consultores está projetando o IPCA deste ano em 4,4% (no limite do teto da inflação – 3,00%+1,50% de tolerância) e de 4,10% em 2025.

Mas o mercado continua apostando que a Selic não sobe este ano, mantida em 10,50% até dezembro (até porque o Fed deve baixar os juros a partir de dezembro), e manteve a aposta de que a Selic não descerá abaixo de 9,75% em 2025.

GILBERTO DE MENEZES CÕRTES” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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