Com o Congresso em recesso desde 18 de julho – e suas excelências deputados (as) e senadores (as) só retornam ao batente em 5 de agosto, depois de darem impulso a seus candidatos nas eleições municipais -, as próximas semanas (com o Judiciário também em recesso) terão as atenções voltadas para as ações do governo Lula, em especial do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que divulga nesta 2ª feira, 22 de julho, junto com o relatório de receitas e despesas do 2º trimestre, o detalhamento de onde virá a contenção orçamentária de R$ 15 bilhões, antecipada na noite de 5ª feira para esvaziar as especulações com o dólar. Acompanho, desde os anos 60, os czares da economia no Brasil (Delfim, Simonsen, Malan e Paulo Guedes) e me surpreendo a cada dia com a tranquilidade e a eficiência do ministro Haddad para cumprir as promessas, de modo calmo e providencial, sem se abalar ou abalar os agitados mercados.
Segundo antecipou o ministro, R$ 11,8 bilhões serão bloqueados para respeitar o limite de despesas públicas para este ano, e os outros R$ 3,2 bilhões serão contingenciados para que a projeção de resultado primário do ano fique dentro da banda de tolerância da meta fiscal. Os dois mecanismos reduzem, na prática, os recursos disponíveis para gastos pelos ministérios. Para o Itaú, “as iniciativas para conter os gastos são vitais para evitar o rompimento do limite de gastos em 2024 e para sinalizar a sustentabilidade do quadro fiscal”. Mas o maior banco privado do país considera “necessário um congelamento orçamentário maior, de cerca de R$ 25 bilhões, idealmente R$ 30 bilhões, para que o governo cumpra a meta fiscal deste ano”.
O mercado financeiro tem sempre visto com ceticismo as medidas tomadas por Fernando Haddad para inverter a carga fiscal do país – revertendo o peso dos impostos indiretos no consumo, que onera os mais pobres e a classe média, e ampliando a tributação sobre aplicações financeiras de bilionários (fundos exclusivos no país que eram isentos de impostos) e milionários brasileiros que mantêm empresas “off-shores” no exterior. O Arcabouço Fiscal prometido por Haddad também focava na recuperação de impostos devidos por grandes empresas. Esta semana, o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa de quase R$ 200 bilhões à União. O que terá forte impacto nas contas públicas. Mas o sistema financeiro, vale dizer, a Faria Lima, segue cobrando cortes nas despesas do governo para justificar as apostas contra o real.
O banco Itaú projeta um déficit primário de 0,6% do PIB para 2024 (R$ 75 bilhões) e de 0,9% do PIB para 2025 (R$ 105 bilhões). Em meio às elevadas incertezas fiscais, o real ficou pressionado durante a semana. Na 5ª feira (18), a moeda encerrou o dia cotada a R$ 5,58/dólar, e fechou na 6ª feira em R$ 5,60, com o dólar subindo em todo o mundo. Na semana anterior, fechou em R$ 5,43, depois de atingir recorde de R$ 5,70 no meio da semana.
O MMA de Trump…
O tom “paz e amor” do discurso lido no “teleprompter” por Donald Trump na convenção republicana no Milwaukee Arena, no Wisconsin, parecia obedecer ao “script”. O marqueteiro até rebaixou e desbastou o topete tradicional que denotava arrogância. Embora o ex-presidente estivesse mesmo emocionado por ter sobrevivido, por um triz, aos tiros de AR-15 disparados pelo jovem Thomas Matthew Crooks, que só atingiram sua orelha direita, mas a convocação do empresário do UFC (Ultimate Fighting Championship), Dana White, para fazer um dos principais discursos de saudação na arena, mais para o tom belicoso do calendário de MMA, sigla em inglês para a organização de Artes Marciais Mistas, revelou muito mais do que as aparências.
E ao fugir ao “teleprompter” e falar de improviso na segunda – e mais demorada parte do discurso – Trump, que convocou da plateia um famoso lutador de “telecatch”, só faltou vestir calção e botas de lutador para entrar no ringue. De terno e gravata, distribuiu uma saraivada de duras ameaças que ampliam em larga escala a convocação à luta que fez a seus apoiadores para invadir o Capitólio em 6 de janeiro de 2021 (ato que causou a morte de seis pessoas) para impedir, na marra, a diplomação do presidente eleito, Joe Biden, e da vice, Kamala Harris, pelo vice-presidente (e presidente do Congresso) Mike Pence. A história dirá, breve, se concorrerá contra Biden ou Harris.
Além de dizer que fará faxina no governo se eleito, retirando quadros que serviram a outras administrações, virou as costas para a globalização, prometendo impor pesadas barreiras tarifárias a produtos importados chineses e estrangeiros em geral, e compensar o aumento da arrecadação com redução de impostos para os ricos e empresas, e ainda prometeu fechar as fronteiras dos Estados Unidos à invasão de imigrantes (faria exceção aos ricos). O risco de, eleito, ignorar, como um ditador, o Congresso e o Judiciário, é alto.
Para fechar o rol de medidas de retrocesso tiradas do fundo do baú, disse que vai ignorar os protocolos ambientais (vale dizer o Acordo de Paris), para a redução das emissões de CO2, reativar os incentivos à indústria do petróleo e gás e, coroando o retrocesso na roda da história, proibir o ingresso de carros elétricos nos Estados Unidos. O curioso é que um dos alvos atingidos por essa medida é a fábrica de carros elétricos da Tesla na China, controlada por um dos seus principais apoiadores financeiros, o bilionário sul africano com cidadania americana Elon Musk. A Tesla, que nasceu na Califórnia e se mudou para a China sonhando produzir mais barato, perdeu competitividade para os fabricantes chineses altamente robotizados, e decidiu voltar aos EUA (no Texas). Pelo visto, há um jogo de cartas-marcadas entre Trump e Musk.
…e o ‘telecatch’ de Maduro
Enquanto o pronunciamento solene e belicoso de Trump na Milwaukee Arena tinha clima de MMA, na véspera, em discurso na Venezuela, o ditador Nicolás Maduro, que corre atrás nas pesquisas eleitorais (de transparência duvidosa), apelou para um clima de “telecatch”. Em cenário de comédia pastelão, Maduro me lembrava o veterano e temido “Verdugo”, que acabava apanhando do “mocinho” Ted Boy Marino nos “telecatchs-marmeladas” das TVs nos anos 60, ao ameaçar que, se for derrotado, a Venezuela poderá mergulhar, no futuro, em um “banho de sangue”. Espero que em 28 de julho vença a Democracia.
ZFM é pedra no sapato da Reforma Tributária
Um estudo do Banco Mundial do ano passado apontou as distorções que a Zona Franca de Manaus produz na vida brasileira. Criada em 1967, o regime de incentivos fiscais, que foi prorrogado por mais 50 anos (!) não se limita só a Manaus (7ª capital brasileira, com mais de 2 milhões de habitantes). Ele se estende a duas cidades do Amazonas (Tabatinga e Itacoatiara) e aos estados de Roraima, Acre, Rondônia e a duas cidades do Amapá (Macapá e Santana). A presença de um time de três senadores em cada bancada destes cinco estados forma um esquadrão de 15 senadores capitaneados pelos poderosos David Alcolumbre (do União-AP e futuro presidente do Senado) e Eduardo Braga (MDB-AM), com apoio das bancadas de deputados federais. No ano passado, o país abriu mão de R$ 30 bilhões em incentivos fiscais para empreendimentos locais. Falta transparência para medir a eficiência da renúncia fiscal.
Há de tudo, desde benefícios para a produção de carros, motos aparelhos eletroeletrônicos e celulares, a incentivos para as multinacionais dos refrigerantes (como Coca-Cola e Ambev) produzirem em Manaus os concentrados de refrigerantes (xarope) para distribuição para engarrafadores de todo o Brasil. O país levou um susto há duas semanas com os alertas de que os pães de forma contêm álcool (pela fermentação), mas é sabido que em dupla com os pães de forma e outros alimentos processados com alto teor de gordura trans e sódio, os refrigerantes são vilões que conduzem a população para a obesidade que gera grandes problemas de saúde e onera as redes do SUS com filas e despesas financeiras desnecessárias.
A aprovação da PL 68/2024 pela Câmara dos Deputados promete aumentar benefícios fiscais, ao ampliar as disparidades no mercado de refrigerantes. Era de se esperar que o adiamento das decisões no Senado para agosto permitisse tempo para um estudo mais racional. Mas há uma teia de interesses que permite o passeio de quase R$ 10 bilhões em notas fiscais frias da ZFM para outros estados do país. Nos refrigerantes, a bancada dos refrigerantes no Senado está desfalcada do ex-senador Tasso Jereissati, um dos maiores engarrafadores de Coca-Cola do mundo, que atua em mais de 10 estados. Mas o “lobby” segue forte até na discussão de mais ou menos açúcar nas bebidas.
IA ou burrice natural
Já brinquei, por aqui, que a Inteligência Artificial há de prosperar mais diante da “burrice natural” em algumas regiões do globo. Mas nunca ia supor que os computadores se revoltariam como o Hall de “2001, uma Odisseia no Espaço”.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)