CEM ANOS DA MÍSTICA CELESTE OLÍMPICA

  • O futebol é um universo movido pela magia e paixão – desde seus primórdios, na segunda metade do século XIX, no Reino Unido, fruto da Revolução Industrial (1760  -1840). O mais popular dos esportes consolidou-se, rapidamente, nas periferias das cidades inglesas do ‘Triângulo Industrial’, formado por Liverpool, Birmingham e Manchester, e, antes de cruzar o Canal da Mancha, e desembarcar na França, atravessou o Atlântico e chegou ao Rio da Prata.
  • Primeiro, em Buenos Aires, e, poucos anos depois, em Montevidéu. Justamente no Uruguai, outrora província lusitana Cisplatina, o ‘nobre e viril esporte bretão’ veria surgir a mais mítica das seleções de todo o planeta – a arrebatadora Celeste Olímpica, que há 100 anos, em 1924, conquistou, em Paris, de maneira heroica, o título dos Jogos Olímpicos, correspondente, à época, à Copa do Mundo, que só viria a ser disputada em 1930.
  • Os uruguaios surpreenderam os europeus com a vitória e, se superaram, ao repetir o feito nas Olimpíadas de 1928, em Amsterdam, e triunfar no Mundial de 1930, em Montevidéu, no legendário Estádio Centenário. Também venceriam a Copa do Mundo de 1950, no Maracanã, diante do Brasil. A consagração se deve à perseverança do médico pediatra, Atilio Narancio (1883 – 1952), nascido em Montevidéu, numa família de origem italiana genovesa. Integrou o grupo de jovens que fundou, em 14 de março de 1899, o querido Nacional, talvez, o mais uruguaio dos clubes uruguaios – grande fascínio do escritor Eduardo Galeano (1940 – 2015), celebrado autor de “Las Venas Abiertas de América Latina”, a quem tive a honra de entrevistar algumas vezes. 
  • Tornei-me, aliás, próximo de Galeano, após publicar um artigo no semanário carioca “O Pasquim”, em 1975, no qual narrava a história da Celeste Olímpica, como volto a fazer hoje, e exaltava a figura extraordinária de Narancio (cuja foto ilustra a coluna), a quem os compatriotas reverenciam com o epíteto de ‘El Padre de la Victoria’.
  • Ele havia sido Presidente da AUF (Associação Uruguaia de Futebol), equivalente à CBF no Brasil, e seria o principal responsável pela escalada épica do escrete do Uruguai. Tudo começou em 1923. Durante uma preleção, como dirigente da AUF, ele prometeu a seus craques que, caso conquistassem a Copa América, sediada, naquele ano, em Montevidéu, os levaria aos Jogos de Paris de 1924. Ganharam o título continental e Narancio cumpriu a promessa – hipotecando, inclusive, sua casa para pagar a viagem da delegação à Europa.
  • A própria AUF se colocou contrária à ida e o Peñarol, histórico rival do Nacional, recusou-se a ceder jogadores ao selecionado. Até estrear no torneio na França, com atletas só do Nacional e do Bella Vista, fez uma vitoriosa série de partidas pela Espanha – iniciada na cidade galega de Vigo contra a equipe local do Celta. Venceram o tradicional time vigues e derrotariam ainda o Athletic de Bilbao, o Atlético de Madrid e o Barcelona.
  • Na hora de disputar as Olimpíadas, apesar do êxito já alcançado, a AUF, pressionada pelo Peñarol, não permitiu que fosse utilizada a camisa oficial branca da seleção. Narancio comprou, às pressas, no comércio popular parisiense, alguma outra camisa que pudesse remeter às cores do Uruguai. Encontrou um conjunto de cor celeste, a bom preço, arrematou todas e determinou, para sempre o símbolo maior do esporte em seu país.
  •  Com aquelas camisas os uruguaios encantaram o mundo e, por isso, foi erguido um busto de Narancio nos jardins do Estádio Centenário. Expressa a gratidão de sua pátria pela memorável trajetória inaugurada há um século. O futebol uruguaio estará ausente, este ano, nos Jogos Olímpicos, realizadas novamente em Paris, com abertura marcada para o próximo dia 26. A Celeste de Narancio não conseguiu se classificar e a competição perdeu um mítico protagonista.       

ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)

Albino Castro é jornalista e historiador

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