‘Fica evidente o nervosismo que tomou conta da equipe que servia Bolsonaro e estava no entorno do tenente-coronel Mauro Cid’, escreve a colunista Denise Assis
Você pode ler aos pedacinhos. Você pode ler até a metade e ir lá dentro tomar um sal de frutas para conter a ânsia de vômito. Ou você pode ler de um fôlego, tomar um Rivotril e capotar, acordando de ressaca, mas sabendo que está num Brasil muito melhor. O que você não pode é deixar de ler como a um romance, cujo conteúdo nos cobre de vergonha e alívio, por saber que passou!
No relatório elaborado minuciosamente pela Polícia Federal e encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, tornado público nesta segunda-feira, (08/07), pelo ministro Alexandre de Moares, e que trata do inquérito sobre o roubo de joias que deveriam ter sido encaminhadas ao Patrimônio da União, fica evidente o nervosismo que tomou conta da equipe que servia Bolsonaro e estava no entorno do tenente-coronel Mauro Cid.
Entre os dias 13 e 14 de maio de 2023, foi intensa a comunicação por WhatsApp. Ansiosamente eles se teclavam com o fito de reaver o relógio Pateck Philippe, já torrado numa loja especializada, em Miami. A Polícia Federal, através do sistema Metadado, conseguiu abrir as telas e reproduzir os diálogos travados entre: Marcelo Câmara, Crivellatti e Wassef. A conversa deixa mal o empresário Cristiano Piquet, mencionado como alguém que transportou mala com as mencionadas joias, rumo a Miami. E, ainda, uma funcionária do Itamaraty, que serviria de “mula”, levando também uma mala para ser entregue a um dos integrantes da gangue, naquela cidade.
“A Polícia Federal conduz o inquérito policial nº 2021.0052061 (INQ STF 4874-DF) por determinação do juízo, com finalidade de apurar a articulação de pessoas, com tarefas distribuídas por aderência entre idealizadores, produtores, difusores e financiadores, voltada à disseminação de notícias falsas ou propositalmente apresentadas de forma parcial com o intuito de influenciar a população em relação a determinado tema ( também incidindo na prática de tipos penais previstos na legislação), objetivando ao fim, obter vantagens financeiras e/ou político partidárias aos envolvidos”, justifica.
A PF descreve da seguinte maneira: “Para a elaboração do trabalho, a PF estabeleceu cinco linhas de trabalho. “Por ser tratar de investigação que apura a atuação de uma possível organização criminosa, que objetiva a obtenção de vantagens de caráter diversos (políticos, patrimoniais ou não), por meio da prática de várias infrações penais, identificou-se, até o presente momento, cinco eixos de atuação dessa organização criminosa:
a) ataques virtuais a opositores;
b) ataques às instituições ( STF,TSE), ao sistema eletrônico de votação e à higidez do processo eleitoral;
c) tentativa de Golpe de Estado e de Abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
d) ataques às vacinas contra a Covid-19 e às medidas sanitárias na pandemia e;
f) uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens, o qual se subdivide em: f.1) uso de suprimentos de fundos (cartões corporativos) para pagamento de despesas pessoais e; f.2) Inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde para falsificação de cartões de vacina; e f.3) Desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras ao ex-Presidente da República, JAIR MESSIAS BOLSONARO, ou agentes públicos a seu serviço, e posterior ocultação com o fim de enriquecimento ilícito”.
Foco nas joias
Nesse caso específico, o do registro especial nº 2023.0052933 (Pet nº 10.405/DF) o foco foi a investigação em torno do desvio das joias que deveriam ser destinadas ao Estado, mas que foram parar em leilões e casas especializadas em venda de joias em Miami. O material diz respeito aos “novos elementos identificados na análise do material apreendido na data de 03/05/2023, durante a deflagração da fase ostensiva da presente investigação. Tais dados estão relacionados ao eixo denominado “uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens”, uma vez que a análise dos dados armazenados no telefone celular apreendido em poder de MAURO CESAR CID revelou fatos que demonstram que supostamente houve “desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras ao Presidente da República ou agentes públicos a seu serviço, e posterior ocultação da origem, localização e propriedade dos valores provenientes”.
A PF trabalhou com as seguintes hipóteses criminais para cada tipo penal a ser apurado no presente registro especial: “Conforme determinado, foi iniciada a análise do material apreendido após a deflagração da operação VENIRE, conforme determinação do Excelentíssimo Ministro Alexandre de Moraes. Cumpre informar que a análise a ser apresentada não é exaustiva, visto que a investigação ainda está em curso e novos dados podem ser encontrados nos materiais analisados ou decorrentes de novas diligências”.
O relatório trata da análise dos fatos relacionados ao eixo de atuação da ORCRIM – organização criminosa -, ora investigada, denominado “uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens”, especificamente ao subitem “Desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras ao ex-Presidente da República, JAIR MESSIAS BOLSONARO, ou agentes públicos a seu serviço, e posterior ocultação com o fim de enriquecimento ilícito”.
O relatório detalha que: Durante a análise do telefone celular de MAURO CÉSAR BARBOSA CID, fornecido por meio do Laudo Pericial 1294/2023 INC/DITEC/PF, foram encontradas conversas do aplicativo WhatsApp, além de outros arquivos de mídia (áudios, imagens, vídeos etc.) que, até o momento, evidenciam possíveis desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras ao ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro ou agentes públicos a seu serviço, e posterior ocultação da origem, localização e posse dos valores auferidos, fatos relacionados ao eixo de atuação da possível ORCRIM denominado “uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens”.
A PF esclareceu que: “Diante da complexidade e da dinâmica em torno dos fatos investigados, esta equipe de análise decidiu apresentar os fatos em sequência cronológica de forma a facilitar sua compreensão e seu entendimento”.
Respeitando a ordem estabelecida pela PF, relacionamos aqui os fatos, trataremos do primeiro evento a ser analisado e que compreende dois itens, aqui chamados pelos próprios interlocutores envolvidos de árvore e barco. “Pelos fatos até então analisados foram presentes recebidos pelo ex-Presidente da República JAIR BOLSONARO, na condição de Chefe de Estado do Governo Brasileiro, em compromissos oficiais com representantes de outros países. Conforme amplamente divulgado pela mídia, além de notícias em fontes abertas, o Presidente JAIR BOLSONARO, acompanhado de uma comitiva, viajou na data de 30 de dezembro de 2022, utilizando o avião oficial da Presidência da República, de Brasilia/DF com destino a cidade de Orlando, Flórida, nos Estados Unidos da América (EUA). Além disso, uma equipe de escalão avançado (equipe precursora) teria viajado dias antes (28 de dezembro de 2022) para preparar o local para a chegada do Presidente da República segundo notícias de fontes abertas”.
O roteiro
Conforme a descrição do relatório, “MAURO CESAR BARBOSA CID viajou com a equipe do Presidente JAIR BOLSONARO para os Estados Unidos da América no dia 30 de janeiro de 2022, conforme registros de saída no controle imigratório do Brasil”.
E, ainda, de acordo com mensagens identificadas no aplicativo WhatsApp constantes no telefone celular apreendido, “MAURO CESAR CID estaria levando consigo uma mala específica que deveria ter como destino a casa de seu pai, o general da reserva MAURO CESAR LOURENA CID, na cidade de Miami/FL. Entretanto, a chegada da aeronave militar brasileira seria em Orlando/FL. Para que a mala chegasse em Miami, cidade situada a 380 quilômetros de Orlando, MAURO CID realizou algumas tratativas”.
Inicialmente, no dia 30 de dezembro de 2022, MAURO CESAR CID envia mensagens para o contato “Marcela PD – 16892761729”, solicitando um apoio para levar a mala para a cidade de Miami/FL. A interlocutora “Marcela PD”, trata-se de MARCELA MAGALHÃES BRAGA. Notícias em fontes abertas afirmam que MARCELA BRAGA teria sido auxiliar da ex-primeira-dama MICHELLE BOLSONARO e indicada para ocupar cargo no consulado do Brasil em Orlando, nos Estados Unidos. Tal informação justifica o fato de MAURO CID ter cadastrado o nome de MARCELA, seguido das letras “PD”, possivelmente para fazer referência à ex-primeira-dama.
A publicação de MARCELA MAGALHÃES BRAGA para a função ocorreu no diário oficial da União de 08 de novembro de 2022:
As mensagens indicam que MAURO CID tentou usar a estrutura logística do Itamaraty nos Estados Unidos, por meio de MARCELA MAGALHÃES BRAGA, para transportar a referida mala da cidade de Orlando/FL para Miami/FL.
As mensagens a seguir descritas revelaram que MAURO CID não conseguiu usar a estrutura logística do Itamaraty nos Estados Unidos por meio de MARCELA BRAGA, para transportar a mala de Orlando para Miami, informa a PF. “No dia primeiro de janeiro de 2023, MAURO CID conversa com o contato “Cel Camara Assessor parlamentar 556192435152”. Trata-se de MARCELO COSTA CAMARA, nomeado assessor do ex-Presidente JAIR BOLSONARO. Inicialmente, MARCELO CAMARA encaminha uma mensagem para MAURO CID perguntando sobre a “situação de uma mala”, que o “irmão da dona Michelle teria falado” e que já estaria acertado com MAURO CID. Em resposta, após tratar de outros assuntos, MAURO CID afirma que deixou a mala com o Coronel CAMARINHA, médico do ex-Presidente JAIR BOLSONARO e pede para MARCELO CAMARA intermediar a entrega da mala para o PIQUET, para ele levar para a cidade de Miami, diz: “É, eu pensei de deixar com o PIQUET pra ele descer pra Miami com esse material. Tinha Como engrenar aí pra buscar com o Coronel CAMARINHA essa mala e entregar por PIQUET amanhã meio dia?”
A pessoa de nome PIQUET, segundo a PF, é “CRISTIANO PIQUET. Pesquisas em fontes abertas mostram que o brasileiro CRISTIANO PIQUET seria um empresário do mercado imobiliário da região da Flórida. CRISTIANO auxiliou a equipe de servidores da presidência a locar e providenciar a adequação do imóvel para a estadia de JAIR BOLSONARO na cidade de Orlando/FL, conforme dados constantes no material analisado. Em resposta, MARCELO CAMARA encaminha um áudio de um Homem Não Identificado (HNI) confirmando que seria possível pegar a mala com o Coronel CAMARINHA e deixar com CRISTIANO PIQUET. Em resposta, MAURO CID encaminha o contato do Coronel CAMARINHA”. Seguem as mensagens:
DENISE REIS ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)