A manutenção da Selic em patamares elevados impõe um custo a todos os tomadores de crédito e um ganho a todos os detentores de capital.
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O Ministério Público das Contas, ligado ao Tribunal de Contas da União (TCU) anunciou a abertura de investigações sobre a possível manipulação das taxas Selic.
Em 2010, ocorreu especulação semelhante no mercado de câmbio global, envolvendo diversas instituições financeiras, incluindo bancos renomados como o Barclays, o Royal Bank of Scotland (RBS) e o UBS.
As investigações revelaram que traders dessas instituições agiram em conjunto para manipular a taxa de câmbio da libra esterlina (GBP) em relação ao dólar americano (USD) entre 2008 e 2010.
Eles se valiam de uma prática conhecida como “negociação em tandem” (no Brasil, antigamente, era conhecida como zé-com-zé). Consiste nos traders coordenarem ordens de compra e venda entre si. No caso, para influenciar a taxa de câmbio da libra em relação ao dólar, especialmente durante a janela de fixação da taxa Libor (London Interbank Offered Rate), um benchmark global para taxas de juros.
O resultado foram multas bilionárias para as instituições envolvidas e sanções disciplinares para os traders.
A operação é idêntica ao que ocorreu no Brasil nas últimas semanas.
Havia uma regra de redução da taxa Selic a cada reunião do Copom (Comitê de Política Monetária). A maneira do BC orientar o mercado é através da chamada “forward guidance”, ou orientação futura. São indicações sobre o comportamento futuro do banco, levando o mercado a antecipar os movimentos.
Ao mercado não interessa saber se o BC está certo ou não nos seus movimentos: o mercado ganha quando consegue emular o BC, errar tanto ou acertar tanto quanto o BC.
O ponto central é que as mudanças de rumo do BC precisam ser discutidas, antes, internamente. O que Roberto Campos Neto fez, em evento financeiro nos Estados Unidos, foi apontar para uma mudança de ventos sem ter discutido internamente com a diretoria do banco.
Foi uma decisão individual, que influenciou diretamente o mercado.
O primeiro passo do MP de Contas seria investigar as circunstâncias desse anúncio antecipado de Campos Neto. Para tanto, deveria ouvir diretoria e equipe técnica do banco.
Depois, analisar o cenário econômico naquele momento e os argumentos invocados por Campos Neto. E comparar com as projeções e análises de outros bancos centrais, especialmente de países emergentes.
O segundo passo será abrir os dados da Pesquisa Focus e identificar quais as instituições apostaram em 8% de inflação nos próximos meses. É uma projeção totalmente descabida, com o claro propósito de influenciar a formação das médias do Focus e a definição da taxa Selic.
Para reforçar as investigações, poderia recorrer a gráficos que mostram que a especulação com o real começou entre operadores brasileiros. Há boas análises de economistas estrangeiros apontando para esta manobra.
Finalmente, investigar as operações de taxa futura e de juros e de câmbio nos últimos dias. Há claramente uma corrida contra o real. O segredo está em identificar quem deu início à corrida e cobrar explicações.
Finalmente, poderia ir atrás de denúncias de que Campos Neto entrou em contato com operadores e grandes empresários reforçando o discurso negativo contra o país.
Há dois enfoques nessa investigação.
O primeiro, de direito econômico, de formação de cartel interferindo nos preços. E não se trata apenas de um perde-ganha entre comprados e vendidos. A manutenção da Selic em patamares elevados impõe um custo a todos os tomadores de crédito e um ganho a todos os detentores de capital.
O segundo, de direito penal, abrindo as contas da offshore de Campos Neto e de Paulo Guedes. No seu tempo de Ministro da Fazenda, Guedes foi flagrado com um terminal da Bloomberg ao fundo, próprio não apenas para consultas, mas para operações.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)