Em algum momento próximo ou distante vai cair a ficha de Lula sobre a relevância desse pacto da produção e desse desenho do futuro.
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O jogo atual tem as seguintes peças:
Peça 1 – as oportunidades em jogo
O país ingressa em um período em que os ventos mundiais são favoráveis, especialmente através da nova política industrial induzida pela transição energética.
Tem condições de definir novas políticas industriais, uma nova industrialização, ter um papel central na nova etapa de desenvolvimento, por dispor das seguintes características:
- produção de energia limpa;
- existência de minerais estratégicos;
- um sistema de inovação que resistiu a dois governos predadores;
- uma figura política da dimensão de Lula.
Por outro lado, enfrenta os seguintes problemas:
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- uma direita irracional, que continua a botar água no moinho da ultradireita;
- uma mídia que não aprendeu nada com 6 anos de destruição e com a bocarra escancarada da ultradireita;
- o esgarçamento do sentimento de Nação, fazendo com que interesses individuais invadam todos os poros da República.
Peça 2 – o papel de Lula
Uma das grandes dúvidas é sobre o papel que Lula vai desempenhar, como Lula se vê nesse jogo.
No primeiro terço do mandato viu-se um presidente acuado pelo Congresso, temeroso em relação às Forças Armadas, tentando recompor uma administração pública arrasada por 6 anos de esbórnia e saques.
Seu modelo de sobrevivência política, até agora, não mostra futuro. Se continuar a ceder a todas as pressões, vai chegar ao fim do mandato sem sofrer impeachment, mas sem capital político para encher meio quarteirão da Paulista.
Apenas nas últimas semanas viu-se um Lula mais combativo.
No entanto, ainda não encontrou a embocadura. Ou comete esse primarismo de falar em Jesus para tentar conquistar evangélicos. Ou limita-se a um discurso crítico – necessário, saliente-se – contra a Faria Lima, mas sem conseguir apresentar um projeto de futuro.
Não se minimize a importância de colocar Roberto Campos Neto no centro do fogo. Nos últimos dias, a crítica de Lula foi um divisor de águas. Há um modelo torto de política monetária – com as tais metas inflacionárias -, mas há um sabotador lotado no Banco Central. Graças ao primarismo de Campos Neto – tão irresponsável quanto qualquer garoto iniciante da Faria Lima – esse boicote ficou expresso.
Mas não basta a crítica: tem que haver o projeto.
É curioso! Já existe o embrião desses projetos – na Neoindustrialização e no programa de Transição Energética -, algumas medidas tomadas, mas Lula ainda não se deu conta desse potencial para se aproximar do setor produtivo, do capital produtivo nacional e até das pequenas e micro empresas.
Em algum momento próximo ou distante vai cair a ficha de Lula sobre a relevância desse pacto da produção e desse desenho do futuro. Mas ainda não caiu.
Peça 3 – os responsáveis pela alienação de Lula
O machismo decretou que a responsabilidade pela falta de vontade de Lula é de sua esposa Janja. Ou seja, um estadista do porte de Lula, de dimensão internacional, com quase 80 anos, sendo enrolado por uma jovem esposa. Contem outra!
O problema de Lula é outro.
Lula é um ouvinte voraz de cenários. É capaz de passar horas ouvindo o interlocutor apresentar todas as variáveis de determinado problema para, depois, tirar a conclusão mais sábia e objetiva. Todos os que trabalharam com ele sabem disso.
A diferença é que nos governos anteriores havia dois Ministros-Chefes da Casa Civil peso-pesados: José Dirceu e Dilma Rousseff (sim, Dilma foi uma baita Ministra-Chefe da Casa Civil), ambos com bom nível intelectual e com capacidade de captar as questões essenciais e expor a Lula todos os lados. Em cima dessas exposições, Lula tomava suas decisões.
Agora, tem-se dois problemas.
O primeiro atende pelo nome de Rui Costa. Ex-governador da Bahia, Costa é um político provinciano – e não tome o “provinciano” como manifestação de desdém: adoro os provincianos e caipiras. Escrevi a biografia de um banqueiro que admirava a sabedoria caipira, daqueles que são capazes de, a partir do seu pedaço, entender o mundo.
Não é o caso de Rui Costa. Sua visão está limitada a uma Bahia pós-carlista, não a Bahia de Rômulo de Almeida e sua visão de futuro, mas de ACM, e seu estilo de mando. E ele é o principal filtro das informações para Lula e uma influência perigosa quando se alia aos lobbies do Ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, que aplica a mesma falta de limites de Arthur Lira, mas operando no centro do governo.
Esse ensaio da cegueira teve Lula a acreditar que, conduzindo o governo da maneira atual, a economia chegará bombando em 2026 e ele será reeleito.
Não se deu conta das mudanças fundamentais ocorridas entre 2008 e 2024 e do desenho do novo país. Os dois primeiros governos foram uma continuidade humanizada de FHC. Foi um FHC com Dona Ruth, com Antonio Palocci assumindo o papel de Pedro Malan, Henrique Meirelles o de Gustavo Loyola. Foi só quando explodiu a crise de 2008 que apareceu o Lula estadista, comandando a resistência brasileira e saindo da crise como o grande estadista mundial.
A dúvida que fica é se 2008-2010 foi um acidente de percurso na biografia de Lula ou foi o ensaio de Lula estadista, essencial para a salvação da democracia brasileira em 2026.
Peça 4 – a neoindustrialização
Uma política de neoindustrialização precisa contar com a ação sincronizada dos seguintes instrumentos:
- política fiscal;
- política creditícia;
- política de comércio exterior;
- Política de inovação.
Há um objetivo a ser perseguido que deveria ser claro: a definição dos setores prioritários; a avaliação individual de cada grande projeto, o espaço que cabe ao capital nacional e à geração de emprego; a necessidade maior ou menor de proteção comercial.
É a partir dessas definições que haverá maior ou menor estímulo fiscal, creditício, defesa comercial etc.
No Plano de Metas, JK definiu claramente que a indústria automobilística teria que ter sócios brasileiros e a indústria de autopeças ser de capital nacional. Conseguiu mobilizar o capital financeiro para a nova empreitada.
Até agora, pouco se viu da política neo industrial. Há medidas positivas, fruto da parceria do MDIC com a Fazenda, de Fernando Haddad – sim, Haddad tem sido essencial para os programas que saíram até agora, mas é conhecido apenas pelo saco de maldades dos cortes. Mas, mesmo no MDIC, há conflitos de visão de industrialização, entre um grupo mais liberal da Câmara de Comércio Exterior e o grupo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial. Hierarquicamente, a Câmara tem posição superior ao CNDI, quando deveria ser mais um instrumento de implementação da neoindustrialização.
O caminho será um Grupo Executivo – como tenho salientado aqui há muitos meses -, juntando todos os setores do governo e da sociedade civil, mas consolidando planos, com cronograma, responsabilidades e prazos. E com o executivo do Conselho reportando-se diretamente ao Presidente da República.
Uma hora Lula vai se dar conta de que esse formato – e a ampliação do horizonte, para além do padrão Rui Costa – lhe dará uma condição única de elaborar o discurso da construção do futuro. E, a partir dele, trazer de volta o sentimento de Nação, destruído pela irresponsabilidade generalizada das instituições na década perdida de 2010.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)