Entre os oitenta do Chico e os trinta do Plano Real meu coração não titubeia: fico com os “olhos nos olhos”, uma das líricas mais antimachistas já produzidas por um poeta da língua portuguesa.
Chico chega aos oitenta com toda a pinta que ainda nos vai deleitar com outras mais de suas canções que fizeram dele o bardo de nossa libertação, bem mais, muito mais, do que o nobelizado Bob Dylan.
Quanto ao Plano Real, já meio lelé aos trinta, vem procurando virar o abra-te-sésamo da economia brasileira e seus pais, já meio avoengos, andam por aí a deitar falação . Reeditou-se até uma “conversa com economistas brasileiros”, livro que a meu juízo, traz três coisas que merecem registro.
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A primeira delas, uma citação do Embaixador Roberto de Oliveira Campos – o avô – que afirma ser o primeiro passo após o equilíbrio financeiro a retomada do crescimento econômico, coisa que saiu do mapa. O segundo registro é sempre o prazer de reler Celso Furtado com sua clareza meridiana. O terceiro é o indispensável artigo de Lara Resende que desnuda o que sempre se soube e “sempre será”: a identificação genética entre o Poder e a Economia e sobretudo entre o Poder hegemônico e a economia do hegemon.
Lição fundamental, sem o que muito se fala e pouco se explica e sobretudo promove o tiroteio geral em que estamos envolvidos neste Brasil em que obscuras e polpudas emendas parlamentares assumiram ares de estratégia de Estado-Maior. Da empulhação .
Mas, eis que Marcos Nobre, cientista político, talvez um dos mais argutos de nossos tempos, publica na Revista Piauí deste mês um artigo realmente (sem trocadilho) digno de nossa maior atenção .
Quando digo “nossa”, me refiro aos cidadãos brasileiros seja qual for sua ideologia ou preferência política.
Trata-se, se assim me permitiriam os psicanalistas de plantão, um” insight”, uma iluminação que transforma num “antes” e num “depois” o debate político.
Com o sugestivo título de indagar” sobre o que virá depois do neoliberalismo”, Marcos Nobre convida a uma reflexão ecumênica não só sobre nosso futuro, mas também sobre os futuros, muitos deles mais futuros do pretérito de que futuros simples, de nossa passagem e a de nossos filhos neste planeta.
Dirão que exagero. Talvez, mas há horas em que só uma freada de arrumação como a de Nobre, é mais gritante que um toque de silêncio.
Cheguei a pensar em fazer aqui um resumo do artigo e alinhar algumas de minhas dúvidas e até algumas sugestões. Desisti da ideia, por duas razões: a primeira; não tenho competência para resumir num artigo curto como são os deste espaço toda a riqueza e nuances do texto de Marcos, um mestre também na concisão de conceitos.
A segunda, seria tirar-lhes o prazer da leitura e releitura de um dos textos mais densos já escritos sobre o momento geopolítico que estamos a viver no mundo Ocidental. E o artigo de Marcos Nobre aborda com a profundidade de um filósofo político o que a nós aparenta ser um caos generalizado sem pai nem pai. Marcos, ao contrário, nos dá seguras pistas sobre em que arquivos poderíamos encontrar não só a filiação do caos, mas seu CPF e sua carteirinha de atleta.
Diante disso, pensei: talvez o melhor seria apenas anunciar que no próximo domingo pretendo estender-me sobre o que vejo no artigo de Nobre, à luz não só do texto em si mas de leituras outras que me perecem indispensáveis para inauguramos- os que desejam sair do debate meio estéril do ódio e da polarização – uma rodada em que possamos efetivamente contribuir para sairmos dos impasses sobre os quais somos bombardeados nas redes sociais, mas não só nelas. Convido meus leitores e seus amigos a lerem o artigo de Marcos.
Ao mesmo tempo, eu de minha parte, já tenho encontro marcado com colegas e amigos interessados em chegar a uma linha de pensamento tão construtiva quanto possível sobre os caminhos esboçados por Marcos Nobre, a quem de público agradeço por seu iluminado artigo.
Até domingo; como diz o Chico: “Vai Passar”.
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EM TEMPO: Estou lendo com proveito as “ Memórias “de Rubens Ricupero. Rubens dá continuidade dentre outras coisas à memorabilia de grandes figuras do Itamaraty dentre os quais tb recomendo o livro de meu fraterno amigo Eduardo dos Santos, cujo apelido entre nós desde os seus primeiros dias de carreira era “eficiente”.
2. Dizem que Roberto Abdenur, de quem sou compadre e tive o prazer de ser chefe de seu gabinete ,quando ele era Secretário-Geral do Itamaraty, estaria a escrever a sua. Tomara.
ADEMAR BAHADIAN ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)