A BEATRIZ DO NASSIF

Bibi, Cacá e Dodó

Agora, na Embraer, minha brasileirinha vai ajudar mais ainda na construção do país, trabalhando em uma empresa que é o símbolo nacional

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Nunca tive vida parada. A imagem da casa da minha infância me acompanhou a vida inteira. Escrevi um livro de crônicas sobre isso. Quando Dilma Rousseff era Ministra de Minas e Energia, toda vez que ía a Brasilia, combinávamos: meia hora para falar de trabalho, meia hora para falar das tias mineiras. A lembrança da casa da sua infância também a acompanhou vida afora. 

Mesmo depois que engatei na vida profissional, havia uma ansiedade louca me empurrando. Quando fui para o Jornal da Tarde, tinha tudo para me equilibrar: bom ambiente de trabalho, espaço relativo para trabalhar e escrever, embora meu cargo fosse de chefe de reportagem da Economia. Mas a cada 4 anos vinha o fantasma da ansiedade me perseguindo e obrigando a mudar o rumo de minha vida. 

Foi assim na Folha. Tinha a coluna Dinheiro Vivo, um programa na TV Gazeta de boa penetração no mercado – a ponto de me levar a recusar um convite da TV Globo. Mas aí veio o fantasma da ansiedade, que me fez entrar em guerra mortal com Saulo Ramos, Ministro de José Sarney. Custou-me o emprego na Folha, mas a consolidação da imagem. 

Tinha um medo pânico de chegar aos 60 acomodado. 

Os únicos momentos de relaxamento, de olhar a vida, foi com minhas filhas. Quando chegou Mariana, eu voltava todo final de tarde do Jornal da Tarde ouvindo “Valsa para uma menininha” e “O filho que eu quero ter”, ambas de Vinicius e Morais e Toquinho. 

Emoção semelhante senti com a vida da Luizinha, em ambos os casos planejados, curtidos. 

Depois foi quase uma década sem filhos, um casamento desfeito e a surpresa inesperada, a melhor surpresa da minha vida, da chegada de Beatriz e, depois da Dora e da Cacá,  a neta que Mariana me deu, da mesma idade das caçulas. E, agora, a caçulinha Catarina, da Luizinha.

Reservo para cada uma um amor intenso e em rodízio. Cada semana é para curtir as lembranças e o orgulho que sinto de cada uma, suas histórias de infância, adolescência, a entrada na vida adulta. 

Está semana é da Bibi, que herdou algumas características do pai, e nenhum de seus defeitos. A característica é o orgulho de ser brasileira, de ser da Poli e, agora, ter alcançado o sonho de vida, de tornar-se engenheira da Embraer. A ausência de defeitos é o foco e a disciplina de mergulhar em temas técnicos sem se dispersar. 

Acompanhei a gestação de Bibi de longe, a mãe em Ribeirão Preto. E sugeri o nome Beatriz, em homenagem à Beatriz de  “O grande circo Místico”, de Chico e Edu. 

Mal tinha cinco anos, tornou-se consumidora voraz de livros, passando a impressão de que seguiria as ciências humanas. E não queria saber de livro digital. Queria sentir o cheiro do papel. 

Com 8 anos e pouco montou seu diário, em um blog. Foram tempos bicudos, em que enfrentei a revista Veja e fui alvo de ataques implacáveis, baixos, mas contando com a solidariedade comovente dos leitores. O blog da Bibi era um oásis. Lá, ela contava as pequenas peripécias familiares e se descrevia, como “uma menina gentil”, que saía de casa, cumprimentava o porteiro do prédio vizinho, depois o jornaleiro que tinha banca no caminho da escola.

Uma das redações dizia que o pai era um “ser híbrido, de máquina e gente”, por conta do meu envolvimento com computador. Em uma viagem à Paraiba, colocou na minha tela um post-it: “Papai, fale comigo”, para desviar minha concentração de um texto no computador.

Com 9 anos e pouco, foi matriculada em uma escola bilingüe. Já encontrou as coleguinhas dominando os fundamentos do inglês e, mais ainda, uma sala insuportavelmente indisciplinada. Nos primeiros meses, sair de casa para ir à escola era um sacrifício enorme para ela. 

No final do ano, quando fomos receber a avaliação feita pelas professoras (era uma para as aulas em português, outra para as aulas em inglês), ficamos sabendo de seus feitos. 

O primeiro, foi o de ter feito a cabeça das coleguinhas para acabar com as algazarras. A pobre da professora de inglês tinha perdido o controle e as meninas chegavam a subir na sua mesa de trabalho. Segundo a professora de português nos contou, na avaliação de final do ano, Bibi foi de coleguinha em coleguinha argumentando e convencendo. A classe se civilizou.  

Seu segundo papel foi o de passar dicas de livros para colegas de todas as classes, respeitando o gosto e os limites de cada colega.  

O terceiro feito foi, no segundo ano, a professora coreana, poli língua, querendo saber que curso Bibi tinha feito para dominar o inglês daquela maneira. 

O feito maior foi no ano seguinte. Fui conversar com a professora da Dodó (que estava um ano atrás da Bibi). No final da avaliação, a professora disse que ia falar comigo, agora, na condição de mãe, não de professora. 

Como professora, conseguiu uma bolsa para a filha. Em uma classe de patricinhas, a filha se tornou alvo de bullying. Lembrei-me de uma vez, em casa, a Bibi comentando e a mãe cobrando dela uma defesa da colega.  

O que ela fez, segundo a professora. A liderança do grupo era das chamadas “populares”. Bibi, então, tornou-se uma “popular”, assumiu a liderança e acabou com o bullying com uma conversa certeira: 

  • Vocês acham nossa colega chata? Nós todas pegando no pé dela não somos mais chatas ainda? 

O bullying acabou e Bibi aposentou seu perfil de “popular”. Mas foi só ali que entendi um episódio que havia me deixado um pouco ensimesmado. Fui na escola almoçar com a Bibi. Na mesa, ela e uma amiguinha. E Bibi copiava todos os tics da menininha, típicos das patricinhas. Saí preocupado: será que minha filha iria se tornar uma patricinha? Não, era apenas a Bibi montando sua estratégia e preparando seu personagem. 

Pouco tempo depois, mudamos de escola. Eu preferia uma Gracinha, um Equipe, mas a mãe escolheu o Rio Branco, mais perto da sua casa. Todo ano a Bibi recebia desconto na mensalidade, devido ao desempenho escolar. 

Como nunca dava trabalho, não procurava saber dela pelos professores. Até que um dia ela insistiu e fui conversar com eles. Todos maravilhados com seu empenho, com sua vontade de aprender. O de física dizia que ela da geração das “crianças azuis”. O de química havia combinado com ela para não mais levantar a mão quando ele propunha alguma questão para a classe, para dar oportunidade aos demais colegas. 

Desde aquela época, ela já tinha formado opinião sobre ser engenheira. Estudou, passou na Poli e se apaixonou imediatamente pelo ambiente. Especialmente depois que as cotas democratizaram a escola e incutiram nela o sentimento de solidariedade. Foi eleita para um cargo na diretoria do Diretório Acadêmico e me contava a pressão que o diretório fazia em defesa dos colegas mais pobres.  

Quando havia provas, eles passavam a noite no centro acadêmico, paras dar tempo de estudar. Enfrentar horas de transporte público roubavam-lhes o tempo. Pois o diretor pensou em impedir a sala aberta depois de determinado horário e a diretoria do DA foi até ele pedindo que reconsiderasse a decisão. 

Na pandemia, buscaram ex-alunos para conseguir equipamentos para os cotistas poderem acompanhar as aulas online. 

Ah, esqueci de contar que, embora não tivesse conhecido sua avó paterna, tinha todos os traços de dona Tereza, inclusive a ironia cortante. Quando as mais velhas ficaram adolescentes, quando ia a lugares públicos com elas, pedia que me chamassem de pai em público, para ninguém pensar outra coisa.

Quando Bibi tornou-se adolescente, repeti o pedido:

  • Me chame da pai na frente de todo mundo, para que não pensem…

E ela, me cortando:

  • Para que não pensem que sou sua neta.

Agora, na Embraer, minha brasileirinha vai ajudar mais ainda na construção do país, trabalhando em uma empresa que é o símbolo do país que ainda irá cumprir sua vocação de país moderno, tecnológico e justo. 

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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