Lula marcou a divisão entre o rentismo desenfreado, a diretoria do BC refém do mercado e a relevância da produção
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Em artigo na Folha, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) dá o mote: “Empresários do Brasil, uni-vos”. Ele se refere ao movimento contra as mudanças no PIS-Cofins, que obrigou o governo a recuar. Defende o combate às falsificações e aos golpes aplicados por algumas empresas no modelo PIS-Cofins. Mas mostra o caminho das pedras:
“A geração e a distribuição de riquezas na escala pretendida para mudar o Brasil não virão de medidas pontuais ou emergenciais, mas de um trabalho duro e consistente de melhora do ambiente de negócios, que permitirá desde a alta de investimentos até a melhor formação da força de trabalho. O maior aliado de qualquer governo para isso é o setor produtivo”.
Não se tenha dúvida, o caminho para o renascimento do país passa por algo similar ao que ocorreu no Pacto de Moncloa:
Foi assinado pelo governo de Adolfo Suárez, partidos políticos com representação parlamentar (incluindo os principais partidos de esquerda e direita), sindicatos e organizações empresariais.
Na época, procurou-se o controle da inflação, a reforma fiscal para aumentar as receitas do Estado e, principalmente, redistribuir a carga fiscal. Priorizou-se também o mercado de trabalho com políticas para reduzir o desemprego e houve a promoção de investimento público em infraestrutura e serviços sociais.
Houve propostas claras de consolidação da democracia, promovendo diálogo e a cooperação com diferentes forças políticas e sociais, garantia de direitos e liberdades fundamentais e promoção da negociação coletiva como forma de melhorar as condições de trabalho.
Hoje em dia, os super-ricos ganham dinheiro sem pensar em projeto de Nação, porque a polarização sufocou o sentido de Nação, dividindo o país em dois. Há alguns fóruns de consulta – como o Conselhão -, mas sem que discussões e sugestões sejam encampadas em um projeto de trabalho de governo.
O mundo, hoje, é diferente – mas não tanto – da Espanha dos anos 70 e 80. Aliás, nos anos 80 fui convidado para um seminário do Banco Santander em uma das universidades nacionais. Lá, foi possível conferir como a ideologia vazia da financeirização penetrou em todos os poros da mídia. Me engalfinhei em uma discussão com um jornalista financeiro do El Pais, que “acusava” as empresas espanholas de colocar em risco o dinheiro das velhinhas em países selvagens – no caso, o Brasil.
Fiz-lhe ver que o Brasil era um país com muito mais potencial que a Espanha, tinha grandes empresas muito melhor administradas do que as espanholas – era só conferir os problemas iniciais da Telefonica -, um potencial agrícola imenso. A única vantagem da Espanha era a audácia das suas empresas de ir ao Brasil adquirir grandes empresas públicas nacionais, graças ao viralatismo imperante no meu país. A compra da Telesp salvou a Telefonica de ser engolida pela Deutsche Telekom, da Alemanha. E a compra do Banespa se tornou a maior fonte de receita do Santander.
O Pacto de Moncloa brasileiro tem que ser feito com o setor produtivo, apesar da ausência de grandes lideranças, como havia nos anos 90.
É necessário quebrar o poder de cartel da Faria Lima. O Tribunal de Contas da União poderá se consagrar se quebrar a cartelização do mercado de taxas, responsável por movimentos destinados a manter os juros em níveis elevados. Os jovens aventureiros financistas têm que se dar conta que essa forma de atuação consiste em crime devidamente previsto pela legislação.
Há que se seguir o conselho de Roberto Troster – ex-economista chefe da Febraban – que, em artigo na Folha, propôs penalizações para o capital de curto prazo, o capital gafanhoto que entra para morder e sair correndo, seja através de tributação ou de tempo de permanência obrigatório.
E tem que se trazer a parte séria do mercado financeiro – os grandes bancos comerciais, o capital internacional produtivo -, que só será atraída pela elaboração de um plano econômico consistente, através de Grupos de Trabalho, para dar consistência e rapidez aos projetos.
Hoje em dia há uma ignorância generalizada na mídia, de apoio aos aventureiros de mercado. Um colunista da Folha chegou ao disparate de comparar as visitas de Roberto Campos Neto ao mercado – passando informações, mudando o rumo das expectativas – com uma visita de Gabriel Galípolo ao MST, em evento de homenagem ao jurista Celso Bandeira de Mello.
Ao atacar Roberto Campos Neto, Lula foi criticado pela banda mercadista da mídia. Mas conseguiu um feito político expressivo: deixou marcado a ferro a divisão que há no país entre o rentismo desenfreado, uma diretoria do Banco Central capturada pelo mercado, e a relevância de se investir na produção.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)