CHICO BUARQUE, OS 80 ANOS DA MAIORIA REFERÊNCIA CULTURAL BRASILEIRA

Elcio Paraíso – Divulgação

Naqueles idos dos anos 60, no entanto, Chico era absoluto nas nossas serenatas e na inspiração para nossas primeiras composições.

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Chico surgiu em nossa vida – de rapazes musicais do interior – com “Pedro Pedreiro” e “Morena dos Olhos D’água”, dedicado, se não me engano, à bela ……… No interior, os jovens líricos se encantavam com Juca Chaves, suas modinhas e marchinhas.

Mas quando apareceu “A Banda”, havia uma nova influência na área. E passamos a acompanhar todos os lançamentos de Chico, em compacto simples, duplo ou long-play. Era uma obra prima atrás da outra: “Olé, Olá”, “Umas e outras”, “Sem fantasia”, o tema predileto em nossas serenatas em São João da Boa Vista.

Naquele início, Chico trouxe de volta a simplicidade do samba e da modinha brasileiros. A gente devorava todas suas músicas e entrevistas. A partir delas, soube pela primeira vez de Ismael Silva, que Chico dizia ser sua grande inspiração, enquanto muitos o comparavam a Noel Rosa.

Aliás, foi curioso aquele início de carreira dos futuros ícones da música brasileira. João Gilberto não gostava das músicas de Chico, com exceção de “Pedro Pedreiro”. E criticou “Arrastão”, até Edu Lobo amadurecer e criar suas obras primas.

Naqueles idos dos anos 60, no entanto, Chico era absoluto nas nossas serenatas e na inspiração para nossas primeiras composições. No começo, copiávamos Chico; os músicos mais elaborados, iam de Edu. Milton ainda não havia surgido. E Geraldo Vandré era o contraponto épico. A disputa entre “A Banda” e “Disparada”, no Festival da Record, galvanizou o país inteiro. 

Curiosamente, o arranjo da “Banda” – interpretada por Nara Leão – foi da grande Geni Marcondes, casada com o maestro Hans Joachim Koellreutter: e pouco lembrada nos livros sobre a MPB. Aliás, foi por causa dela que meu primo Caito Nassif deixou o Nassif de lado e adotou o Marcondes, de sua mãe, irmã de Geny.

Depois, a Tropicália explodiu as divisões de gêneros de música popular brasileira. Mas Chico permaneceu absoluto e, com o tempo, sofisticando cada vez mais suas composições. Tive meu período de compositor, inclusive indo à final na Feira Permanente da Música Popular Brasileira com meu “Festival Internacional do Medo”, concorrendo com duas composições de Paulinho da Viola (incluindo “Foi um Rio que Passou em Minha Vida”), Jorge Ben (“Crioula”) e Suely Costa (“Flor da Campina).

Em setembro do ano seguinte comecei a trabalhar na revista Veja, de Mino Carta. E fui incumbido pelo crítico de música, Tárik de Souza, de cobrir o show de Chico e do MPB-4 na Boate Dobrão, na rua Cubatão, na sua volta do exílio na Itália.

Fui na companhia da minha prima Rosa Maria e, admito, bebi muita cuba libre – não sabia que a Editora Abril cobriria os gastos com uísque. Quando Chico apresentou a “Valsinha”, fiquei chocado. Admiti para mim que nunca havia ouvido música mais linda.

Mais tarde, comentei com minha então namorada e ela minimizou: “Você, quando bebe, gosta até de Vando”; Mas ali tinha certeza de ter ouvido uma obra prima.

No final do show, fui ao camarim. Lá estavam Chico, o MPB4 e Antonio Marcos e Vanusa, para lá de Marrakesh, pretendendo arrastar o grupo para sua casa.

Naqueles tempos, por conta dos festivais, havia a moda de terminar a música “para cima”, como se dizia. E Chico fez isso, mesmo em algumas músicas líricas. Ousei questioná-lo:

  • Você não acha que esse jeito de terminar as músicas para cima não se coaduna com seu estilo?

Alguém do MPB4 me acertou na hora:

  • O jornalista saiu com a Duna. Viva a Duna.

Saímos de lá, algo tronchos, e fomos até o bar Dobrão, na esquina. Era um bar à antiga, com mesas e cadeiras de ferro. Lá chegando, demos de cara com Nelson Cavaquinho. Chico não se conteve. Inclinou-se perigosamente por cima de uma mesa e dizia:

  • Nelson Cavaquinho, eu te adoro! Quero te dar um beijo.

E Nelson, bebaço também:

  • Não aceito beijo de homem. E você não sabe compor.

Chico se esticou tanto que quase cai, com mesa de ferro e tudo, em cima de Nelson Cavaquinho.

Algum tempo depois, Tárik me pediu uma análise técnica da música de Chico, para completar um perfil sobre ele, que estava escrevendo para a Realidade.

Aí cometi uma falseta. Peguei duas músicas, uma do Milton Nascimento e outra de Chico, e montei um gráfico para cada uma, em cima da seguinte lógica: se a sequência de acordes fosse inesperada, o gráfico ganharia cores fortes; se seguisse a lógica tonal, cores pálidas. A música de Milton era um arco-iria; e do Chico um pastel.

Acho que marcou fundo o Chico porque, muitas décadas depois, no início dos anos 2.000, fui convidado por Edu Lobo a preparar o texto de abertura da reapresentação de “O grande Circo Místico”, um projeto da Caixa Econômica Federal. Acho que o convite veio por conta de uma crônica que publiquei sobre a música “Beatriz”, lembrando da minha Beatriz que ainda estava na barriga da mãe, em Ribeirão Preto.

Edu pediu que conversasse com Chico, para ele discorrer sobre as músicas. Quando liguei ele reclamou na hora:

  • Aquele gráfico estava em cor de pastel.

No começo era assim. Depois, gradativamente, Chico foi se sofisticando, nem se diga na letra – desde o começo já era o grande poeta da música brasileira -, mas nas melodias.

Mais que isso, desde sempre tornou-se referência nacional de caráter e de cultura. Não seria exagero considerá-lo o maior intelectual brasileiro das últimas décadas. Pelo que cantou o Brasil, pela sensibilidade em dissecar a alma feminina, pelo caráter sem jaça.

Anos atrás, a maior unanimidade nacional foi ofendido por um grupo de jovens baderneiros, entre os quais o fazendeiro paulista Guilherme Gaion Junqueira Motta Luiz. Foi resultado da guerra cultural da direita, que consistia em tentar destruir todos os símbolos de pensamento progressista – músicos, intelectuais, jornalistas. A ofensa foi defendida, na época, pelo grande inspirador do jornalista de ódio, Reinaldo Azevedo.

So recentemente Chico entendeu a loucura daquele momento. Mas continuou sendo a referência maior da integridade nacional, fortalecido pela companhia da jurista Carol Proner. Aliás, deve-se a Carol os esclarecimentos a Chico sobre o papel deletério da Lava Jato e os ataques infundados a Lula. Antes, Chico esteve envolvido pelas versões oportunistas do senador Randolphe Rodrigues, que fez um trabalho minucioso junto aos principais compositores brasileliros, de defesa da Lava Jato e de Deltan Dallagnol.

Longa vida, mais ainda, a Chico e, mais que isso, ao casal Chico-Carol.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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