Ei, você aí que tem este texto à sua frente, é, você mesmo, sabia que eu tenho um baita orgulho só por imaginar que serei lido? Sim, pois veja: saber que, depois de tanto tempo sendo ouvido através do MPB4, consigo escrever algo que interesse a um admirador da MPB e também aos meus colegas, a quem ofereço minha atenção e minhas palavras, é ótimo! Pôxa, hoje eu tô com elas, as palavras, à flor da pele! E não me envergonho disso, não; ao contrário, me amarro por vê-las aconchegadas aos olhos de um leitor.
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Mas sabem o quê? Depois de muito tempo sem ter notícia do Clodo Ferreira (autor, junto com Petrúcio Maia, de “Cebola Cortada”, música gravada pelo MPB4 no álbum Bons Tempos, Hein?!, de 1979), ele me manda uma mensagem informando que o seu novo álbum Constelação de Palavras (independente) está nas plataformas digitais. E que lá estão dez músicas e letras exclusivamente suas, gravadas apenas por ele cantando e tocando violão.
Capa do CD Foto: reprodução
Uma dúvida ardia os meus miolos: será que um disco só de inéditas, cantadas e tocadas ao violão pelo autor, seria legal? De pronto, botei pra ouvir.
E veio a primeira faixa, “Imprudência”: “É arriscado demais ignorar um amor/ Quando o inferno explode por aí/ Você tem onde dormir e aclarar seu coração (…)”.
E veio a segunda, “Cada Dia”: “Desmanchei a fantasia/ Decompus a poesia/ Esqueci canções num canto/ Sem engano/ Pra viver um dia a cada dia/ Na paisagem inocente/ Ou no mar agitado (…)”.
E pintou a terceira… Ah, pra quê, galera, arregalei os zóio e deixei seguir… Eu ouvia e a cantiga, tão bela, me pegava de jeito… emocionei. A danada tem como título “Tempo Bom”*. Àquela altura, Clodo tocava violão como um… Baden Powell, e cantava, e eu ouvia como se ele fosse um Cauby Peixoto, ah, sei lá: “(…) Mas não se engane/ Não acredite que o mundo está ruindo/ Pense somente que a vida está fluindo/ Só que você não sabe onde vai parar (…)”. Meu Deus!
E o álbum rolou inteiro. Desprendidas de suas constelações, as palavras de Clodo eram livres como estrelas cadentes. A tranquilidade com que ele toca o violão só não é mais impressionante do que o timbre de sua voz. Voz que canta as melodias e insufla seus egos de tal forma que elas se deixam seduzir por quem comprova força demonstrando-lhes afeto. A sutileza das composições faz com que elas também se regozijem de serem tocadas por mãos que as colocaram e as trouxeram do pentagrama de volta à vida – conscienciosas, inatas.
Ao final, “Margem”: “Na beira do rio eu vi/ Versos gravados num monumento/ Rimas de sombra e luz/ Verdades, mitos de encantamento/ Vi minha vida inteira ali/ No peso do concreto/ E chorei na chuva/ Sem sol, sem teto/ Só escutei o seu silêncio/ A margem me abraçou/ Me dizendo apenas: você demorou”. Lindo!
É, Clodo, demorou! Mas quando chegou, maravilhou…
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AQUILES REIS ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)