PAULO TOTTI, APENAS UM GRANDE JORNALISTA

Sua morte, dias atrás, deixa um enorme vazio em uma profissão que perdeu o rumo do jornalismo

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Confesso que, quando cheguei de Poços de Caldas e fui trabalhar na revista Veja, achei que todo mundo de cidade grande não batia bem.

Meu primeiro chefe foi Edgard Catoira, que um dia queria ir à USP brigar com a professora Cremilda Medina, depois que soube, por terceiros, que ela me perseguia. Tomou como ofensa pessoal à Veja e eu tive que demovê-lo, explicando que era problema meu.

O segundo foi Talvani Guedes da Fonseca. Um dia, gritou comigo na frente de toda a reportagem porque, por distração, encomendei fotógrafo para uma reportagem sobre o circo Orlando Orfei, e Talvani – que estava fazendo curso de fotografia – queria ele mesmo tirar as fotos.

Desacostumado com o barulho de redação, eu ficava preparando minhas reportagens na baia de Artes e Espetáculos. Depois da bronca, não consegui escrever uma linha. Voltei para a baia da reportagem chutando cadeira e gritando para Talvani que quem tinha chefe era índio. Voltei para a baia e Talvani foi atrás, pedindo desculpas. Disse-lhe que não aceitava. Ofendeu em público, que pedisse desculpas em público. E ele fez, confirmando minhas suspeitas que as cidades grandes deixavam as pessoas meio baratinadas.

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Ai veio Ulisses Alves de Souza, que impediu minha promoção sob argumento de que um torneiro mecânico levava dez anos para ser torneiro mecânico e um mero repórter, com um ano de profissão, já ia virar repórter especial.

Finalmente – e aí na fase pós-Mino Carta – Carmo Chagas querendo mostrar serviço para o novo diretor José Roberto Guzzo, e espalhando para a reportagem que, apesar do início promissor, eu estava acabado para o jornalismo. E ele tinha sido meu padrinho de casamento.

Quando chegou Paulo Totti, em 1973, foi um susto. Agora, havia no comando da reportagem um sujeito não apenas normal, talentoso, sem arroubo das estrelas, mas absolutamente confiável, o chamado caráter sem jaça. E veio precedido de uma baita fama, em cima de uma reportagem de capa que escreveu sobre a Argentina sem Peron. Era dono de um texto impecável, objetivo, juntando informações variadas mas sem perder o foco do tema tratado. E isso em uma época em que os “lides” (parágrafo de abertura) das matérias da Veja tinham o seguinte estilo:

“Em meio às procelas, às tempestades, aos raios coruscantes da economia, o leite”.

Além de ter sido vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) quando cursava direito.

Não era fácil ser normal na Veja. A revista pegara e, debaixo do guarda-chuva de Mino, todos se consideravam gênios – dos editores aos revisores. E era uma competição braba. Nos corredores, nos almoços, era uma competição de frases brilhantes, que ninguém entendia, de uso de imagens à Mino, mas que só ficavam bem em Mino.

Mas Totti era absolutamente normal em todos os momentos. Com um humor fino, não era de fazer estardalhaço, jogo de cena. Aliás, era uma características de gauchada da Veja, Geraldo Hasse, Elmar Bones, Luiz Cláudio Cunha, Victor Hugo Sperb.

Eu tinha passado um período pesado, com a crise econômica da família, a saída de Poços, que afetou minha vida profissional. Totti e o grande Emilio Matsumoto, um dos editores de Economia, seguraram as pontas. Quando a situação se normalizou, ele me procurou com duas propostas: ou me tornar o novo crítico de música da Veja, em substituição ao Tarik de Souza, que estava voltando para o Rio; ou começar do zero na economia.

Escolhi a economia. Ele ainda ponderou que eu estava pronto para a crítica de música (já tinha substituído Tarik em várias ocasiões), mas na economia seria um foca. Disse-lhe que crítica de música tinha se transformado em algo extremamente limitado, onde se descontava a falta de liberdade da política e da economia patrulhando artistas considerados alienados.

Deu a maior força. E ajudou com o maior desprendimento nas pautas mais complicadas.

Depois de um tempo sai da Veja e seguimos caminhos distintos. E, de longe, acompanhei sua brilhante carreira em O Globo e, especialmente, na Gazeta Mercantil e em O Valor Econômico.

Sua morte, dias atrás, deixa um enorme vazio em uma profissão que perdeu o rumo do jornalismo.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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