Caetano Veloso, no final dos anos 60, cantava: “o Sol nas bancas de revista, me enche de alegria e preguiça. Quem lê tanta notícia?”.
Eu lia. Muita gente lia.
Foi uma década que, apesar da censura e da Ditadura Militar, a criatividade e a ousadia predominavam. Nas bancas, além de ‘O Sol’, havia ainda ‘O Pasquim’, ‘Versus’, ‘Opinião’, ‘Movimento’, ‘Lampião’, ‘Coojornal’, ‘A Manha’, ‘Carapuça’ e ‘Pif-Paf’, entre outros.
‘O Sol’ foi um jornal que surgiu no Rio de Janeiro, em formato tablóide, criado pelo poeta e jornalista Reynaldo Jardim, e circulou entre setembro de 1967 e janeiro de 1968. Idealizado antes do AI-5 e lançado após o golpe de 1964, reunia na sua redação, sob o comando de Jardim e dos editores Zuenir Ventura, Ana Arruda Callado e Marta Alencar, cerca de 30 jovens formados nas faculdades de jornalismo – orientados por Otto Maria Carpeaux, conselheiro do jornal – que pretendiam criar um jornal independente, ousado, de vanguarda, inventivo, novo e interessante, diferente dos que circulavam no Brasil da época.
Com uma linguagem inovadora, inspirada pelo movimento da contracultura, e um design prático e moderno – as notícias eram espalhadas por apenas um quarto da página, assim era possível ser dobrado e guardado no bolso para ler no ônibus ou no trem – o jornal influenciou diversos veículos da imprensa alternativa que surgiram nos anos seguintes, inclusive ‘O Pasquim’.
O Sol circulou pela primeira vez no dia 21 de setembro de 1967, como encarte do ‘Jornal dos Sports’. Com a morte de Mário Filho, dono do JS – jornal especializado em esporte – a viúva, dona Célia Rodrigues, decidiu conquistar outros leitores e aceitou a proposta do jornalista Reynaldo Jardim de criar um suplemento cultural. Dois meses depois do lançamento, porém, passou a circular de forma independente.
Sem anunciantes nem grande distribuição, não durou muito. Sua tiragem foi de apenas 70 mil exemplares. Ainda assim, ‘O Sol’ tinha um ‘scratch’ de colaboradores: Carlos Heitor Cony, Chico Buarque, Ricardo Gontijo, Galeno de Freitas, Dedé Gadelha, Pedro Paulo Lomba, Adolfo Martins, Carlos Heitor Cony, Estella Lachter, Galeno de Freitas, Ricardo Gontijo e Geisa Teixeira Mello, que foi casada com o ator Cláudio Marzo, morto em 2015. Entre os cartunistas e ilustradores, destaque para Daniel Azulay, Henfil e Ziraldo, que passeava pelas páginas do tablóide com seu ‘Jeremias, o bom’.
Em 9 de outubro de 1967, a notícia da morte do guerrilheiro Ernesto Che Guevara nas selvas da Bolívia, caiu como uma bomba na redação de ‘O Sol’. Inconformados com a morte do revolucionário, a redação, repleta de jovens rebeldes, irreverentes, ousados; talvez para afrontar a censura e os militares, os jornalistas se reuniram e fizeram a manchete que entraria para a história do jornalismo: “Che pode estar vivo”.
O Sol estava certo. Passados mais de cinquenta anos de sua morte, Che continua vivo na memória de todos nós.
O paulistano Reynaldo Jardim, foi, sem dúvida, uma figura inspiradora para as novas gerações, e, certamente, o mais importante jornalista cultural da história da imprensa brasileira. Inventou ou reformou os principais jornais e emissoras de rádio do país. Criou o ‘Caderno B’, do ‘Jornal do Brasil’ e o jornal ‘O Sol’; foi editor dos jornais ‘Correio da Manhã’ e ‘Última Hora’; comandou a revista ‘Senhor’, onde Guimarães Rosa e Clarice Lispector publicaram os primeiros textos, entre outros; além dos impressos, dirigiu a seminal ‘Rádio Mundial’.
A icônica referência ao jornal, na música ‘Alegria, Alegria’, de Caetano, até hoje suscita polêmicas entre os leitores. É certo que quando a canção foi lançada no Festival da Record, em 14 de outubro de 1967, “O Sol” já estava nas bancas desde 21 de setembro. Só que, na data final de inscrição das canções, 26 de julho, o jornal ainda não passava de uma ideia na cabeça de Jardim.
Se a citação, na música de Caetano, faz referência ao jornal ‘O Sol’, ou não, pouco importa. Como disse o escritor Ruy Castro: “A citação seria ilustre, mas “O Sol” não precisa dela”.
EDIEL RIBEIRO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)