ZIraldo, ó Pelé do jornalismo e da comunicação, no traço de Aroeira
Quando o corpo do eterno Ziraldo estiver baixando à Terra e a sua alma subir ao Céu, sem dúvida, será recebida com honra e alegria pelo arcebispo emérito de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara. A ligação de Ziraldo Alves Pinto com Dom Hélder é antiga. Nasceu em 1961, quando o então Arcebispo-Auxiliar da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, criador, em 1959, do Banco da Providência, concebe a Feira da Providência e recorre ao jovem cartunista para fazer o cartaz da feira, realizada em 1961 no Clube Piraquê, na Lagoa.
O mote do Banco da Providência, de Dom Helder, conquistou de imediato Ziraldo, formado numa família católica e que tinha a solidariedade, o amor de Cristo, como ensinamento. Dizia: “Ninguém é tão pobre que não possa ajudar; nem tão rico que não precise de ajuda”. Ziraldo, uma alma generosa, avesso ao egoísmo, foi conquistado de imediato. Fez cartazes, botons e participou ativamente da divulgação quando a Feira se mudou, em 1978, para o RioCentro, onde Ziraldo era estrela na Bienal do Livro.
Então com 11 anos, fui à primeira Feira, no Piraquê, e em quase todas as demais da Zona Sul: Sociedade Hípica Brasileira (1962), Iate Clube do Rio de Janeiro (1963), Parque Lage (1964) e, a partir de 1965, no trecho da Lagoa entre a Hípica e o Piraquê, que era fechado ao trânsito. Aos que estranham, lembro que o Túnel Rebouças só começa a operar para valer nos anos 70. Depois, durante uns sete a oito anos, até 1977, a feira de solidariedade, com presença de vários países (Dom Hélder mobilizava senhoras da sociedade e das embaixadas e consulados estrangeiros), ocupou a área do Tivoli Park, nas margens da Lagoa, atrás do Jóquei Clube (atual Parque dos Patins).
Num tempo de restrições às importações, era a oportunidade de comprar e saborear queijos, vinhos, bebidas e outras delícias importadas. Além da solidariedade, a Feira era um festival de paquera e azaração, num dos locais mais bonitos do Rio. E abençoado pelo Cristo Redentor. Jornalista, desde 1972 no JORNAL DO BRASIL, o trabalho até tarde tornou a ida ao RioCentro inviável.
Passei a conviver com o Ziraldo, que conhecera pelos gibis do Pererê, na forma das charges e cartuns para o grande JB, onde Ziraldo transitava da página 11 (charges políticas) ao Caderno B, onde era múltiplo. Quando O Pasquim e outras tantas atividades o afastaram do JB, em 1983, seguiu onipresente nas ruas e na livraria-bar que montou em Ipanema, onde está hoje uma farmácia, quase na esquina de Visconde de Pirajá com Vinícius de Morais.
Esperando Ziraldo
Quando a gente não esbarrava com Ziraldo no próprio JB ou em eventos, era só aguardar o “Programa do Jô”. Figurinha carimbada, Ziraldo esteve lá umas 20 vezes (o último encontro da dupla, na despedida do Jô, foi impagável, e voltou a nos emocionar e fazer rir ontem, após a sua partida). Mas quero dizer da frustração de não ter conseguido fazer tabelinha com o Pelé do jornalismo e da comunicação visual. Omar Resende Peres (Catito), amigo comum meu e do Ziraldo (os dois mineiros se comunicavam por música), me convidou para chefiar e montar a Redação do JB na sua volta às bancas em fevereiro de 2018. E o Ziraldo seria o editor-mentor do Caderno B.
No fim de 2017, nos reuníamos aos sábados e domingos no Bar Lagoa, também do Catito. Ziraldo, entusiasmado, contava seu plano de criar páginas para atrair novos chargistas-cartunistas. Já beirando os 85 anos, o vigor e a animação eram admiráveis. Até que, um dia, um choque: Ziraldo chega meio trôpego, amparado pela mulher, Márcia Martins. E confessa a Catito: “De repente, envelheci”. Era o AVC que estava se manifestando e o tirou de circulação durante um bom tempo.
‘Quando a gente não esbarrava
com Ziraldo no próprio JB ou em eventos,
era só aguardar o Programa do Jô’
Pior. As mãos que encantaram o mundo com os traços alegres e coloridos, ou ferinos, e em preto e branco quando necessários, não conseguiam mais agir. A tristeza virou drama. Além da incerteza quanto à curadoria do B, nosso temor maior era inaugurar a volta do JB às bancas com a notícia que tivemos ontem. E a capa da edição promocional do JB, em 28 de fevereiro de 2018, dependia de um enorme desenho de Ziraldo com o Cristo abraçando o Rio. O chargista Aroeira, que atuava em parceria com Ziraldo, acabou ajudando na capa.
[E fez a grande charge de Ziraldo (que ilustra este texto), com um de seus incontáveis coletes, para ilustrar a capa do Caderno B. Não encontrei a foto em que apareço, superalegre, segurando a capa do B que acabara de ser impresso na gráfica de O Globo, na Rodovia Washington Luiz. Foi a minha dobradinha com Ziraldo].
Catito se recusava a fechar com alguém para comandar o B, sem ter o aval do Ziraldo, que não podia ser incomodado. Para minha angústia, lançamos o JB sem editor do B. Fizemos operação de guerra, reunindo os talentos que dispúnhamos (Jan Theóphilo, Romildo Guerrante, entre outros e uma colaboração bem-vinda de Iesa Rodrigues, que segue no “on-line” como uma das mais longevas moças do JB). Em duas semanas, acumulando a chefia da Redação com a edição da Economia, onde fazia matérias e a supervisão do B, pifei. Passei a coordenação da Redação a Toninho Nascimento.
Antes vieram Luis Pimentel, que já trabalhara com Ziraldo no B (na gestão Nelson Tanure), e Deborah Dumar, minha candidata desde a primeira hora, como editora-assistente. Pimentel também não aguentou o pique de editor. Deborah, com grande garra e competência, foi arrumando a casa. Ficamos esperando Ziraldo como Godot. Tenho certeza de que, se mestre Ziraldo pudesse ter atuado, a volta do JB teria tido mais sucesso.
Ele nunca falhava.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)