Marlon e Eugênia iniciaram as ações cíveis denunciando Brilhante Ustra, Paulo Maluf e o médico Harry Shibata
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É curioso o livro “”Ilícito Absoluto – A família Almeida Teles, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e a tortura”, do poeta e escritor Pádua Fernandes. Ele conta a história do processo civil aberto pela família de Amelinha Telles contra o torturador Brilhante Ustra, e tocado pelo grande Fábio Konder Comparato.
Diz ele: “Pela primeira vez, um agente da ditadura foi responsabilizado por tortura –numa ação também pioneira por ter sido movida pelas vítimas, e não pelo Ministério Público, como era mais comum desde a redemocratização”, conforme consta em reportagem da Folha.
Opa! Então, se havia ações cíveis do Ministério Público que antecedem a ação de Comparato, o pioneirismo é delas. O autor trata como se fosse comum o Ministério Público Federal processar agentes da ditadura. Mas não era.
Até a Vala de Perus, todas as ações penais contra os torturadores eram barradas nos tribunais, em sentenças amparadas pela deplorável interpretação da Lei da Anistia – negociadas por Nelson Jobim e Sepúlveda Pertence sem terem procuração popular para tanto. Era uma anistia torta. A anistia se dá a crimes que foram apurados e pessoas que foram condenados. A anistia de Sepúlveda-Jobim estendia o benefício a crimes não apurados – e impedia sua apuração.
Essa maluquice jurídica foi rompida quando o caso da Vala de Perus caiu nas mãos de uma jovem procuradora, Eugênia Gonzaga, sem nenhuma formação política. Vinda da pequena Guaranésia, no sul de Minas, tendo estudado em escolas de lá e Guaxupé no período de chumbo, Eugênia não tinha a mais vaga ideia do que tinha sido a ditadura.
Quando o caso Perus veio para ela, aproximou-se das famílias e das pessoas torturadas e achou que os crimes não poderiam passar em branco: se não pela justiça criminal, ao menos pela civil. E consultou o colega Marlon Weichert, mais experiente, para ajudá-la a desenvolver a tese. Coube a ambos a gambiarra jurídica que permitiu os processos contra os torturadores.
O grande Comparato, entrevistado pela Folha na mesma reportagem, admitiu que “processo foi um sucesso, mas eu não posso me apresentar como sendo o titular desse sucesso. É preciso, antes de mais nada, não perder este horror na nossa memória coletiva”, disse à Folha que atribuiu sua declaração à modéstia.
O documentário “Para não esquecer: o MPF e a Justiça de Transição”, conta parte dessa história.
A partir da sucessão de casos criminais negados pela justiça, Marlon e Eugênia iniciaram as ações cíveis. Foram denunciados Brilhante Ustra, Paulo Maluf (que aparelhou o cemitério de Perus para incinerar os corpos), o médico Harry Shibata (que dava laudos falsos para ocultar as torturas).
Em 2012, Brilhante Ustra foi condenado. Dali para frente houve uma sucessão de ações cíveis contra torturadores, culminando com a ação da semana passada, na qual foram denunciados não apenas 42 torturadores como responsabilizadas civilmente suas famílias.
Em nada tira o brilho do trabalho de Comparato. Mas apenas é preciso dar o devido reconhecimento aos pioneiros, que enfrentaram resistência em suas próprias corporações.
Nos 25 anos da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, a então Procuradora Geral Raquel Dodge registrou como os dois maiores feitos a justiça de transição e a educação inclusiva.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)