O álbum Milagres (Biscoito Fino) reúne as composições do pianista Breno Ruiz com o poeta Paulo César Pinheiro, cantadas por Alice Passos.
Eis algumas faixas que selecionei. “Milagres”: as notas do piano de Breno deslizam carinhosas sob o olhar atento de Alice, pronta para cantar o que o poeta escreveu sobre os mistérios da vida. A voz é bela como bela é a vida, vista pelas palavras que Paulinho Pinheiro traz em si. O piano os conduz.
“Condão”: Breno faz vocalizes em duo com as teclas do piano, que estão somadas às teclas de Erika Ribeiro. Como canta bem o Breno! Alice afaga os versos com a mesma delicadeza que aspira o ar que a alimenta. Breno toca um intermezzo que é pura devoção aos deuses da música.
“Cantiga de Menina”: o piano vem sob as águas. Breno deixa que as teclas corram de encontro aos seus dedos de artesão. Alice submerge do fundo da espuma da maré vazante – uma entidade a cantar. Paulinho Pinheiro captura as imagens com versos de fé, movidas a sonhos ancestrais – profusão de sabedoria.
“Sangue Mestiço”: Alice abre entoando a cantiga que Breno leva com o piano, sob seus eternos cuidados. A voz se abre à letra. O fluxo da beleza explode em versos que logo ganham ritmo pelas mãos dos percussionistas Magno Júlio e Marcus Thadeu. E tudo em nome da diversidade da música brasileira que Breno faz e nos presenteia desde sempre.
“Marajoara”: a força que revigora a voz e acicata o piano é a mesma que nos conduz ao mundo onde viceja o belo e indivisível amor à terra. As notas agudas de Alice são parceiras dos acordes e da percussão. Juntos, realçam o poder da criação. O coro misto dá ao canto a intensidade das entidades que o poeta revela em seus versos.
“Viola de Mágoa”: a viola de sete cordas de aço de Rogero Caetano traz a moda que logo é acendida pelo Breno e pela Alice, que percebem como seus os desígnios do violeiro. Piano e viola dialogam pela identidade sertaneja.
“Donana”*, uma das obras-primas de Breno e Paulinho Pinheiro, vem com vocalizes de Alice, seguidos por leve percussão. O piano resfolega. Os versos são poesia com imagem, balançando ao sabor da malemolência de uma donana profana. Os agudos de Alice, feito lanças, atingem em cheio o corpo do ouvinte.
“Contradança”: outra composição a se somar à diversidade de gêneros, com os quais Breno se vale para criar músicas com fôlego contemporâneo. As percussões de Magno Júlio e Marcus Thadeu animam o baile.
“Acalanto Pra Quem Tem Filha”: como um oboré, que os índios Tupi usam para reunir a tribo, o piano conclama ao canto de amor à criança.
Alice canta! Breno toca! E eis que chega Edu Lobo! Meu Deus! Que maneira mais linda de findar um disco que é um louvor ao amor, declarado por piano, vozes e palavras do poeta.
Juntos, entre angústias e ansiedades, Alice e Breno confirmaram o que Clarice Lispector definiu como amor: “Amar é dar de presente ao outro a própria solidão”.
AQULES REIS ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)